14 de mai. de 2009

Pasolini e o Sexo Como Metáfora do Poder (II)

Salò, os 120 Dias de Sodoma
 
  
“Lá é bom, mas é ruim.
Aqui é ruim, mas é bom”

Junior,
ídolo do flamengo e integrante da seleção

brasileira em 82 e 86. Um jornalista pediu que ele
falasse sobre sua vida quando jogou na Itália



Contextualizando

Pino Bertelli traça um interessante quadro da situação política da Itália na década de 70, o que pode auxiliar a compreensão do filme de Pasolini (1). Entre 1968 e 1982, as lutas sociais na Itália tomaram caminhos diversos. Depois do Outono Quente de ’69 (2), a classe operária sindicalizada gradativamente se rende ao consumismo, tornando-se a coluna de sustentação da “nova pequena-burguesia” e legitimando a passagem de um fascismo a outro. Dos Movimentos de ’68 surge a luta armada terrorista. Descobre-se que por trás de muitos atentados e problemas entre grupos estão o Serviço Secreto, o neo-fascismo, a máfia, a camorra e o crime organizado.

O filme se 
refere à morte dos
valores   tradicionais
e   a    imposição    de
uma  mentalidade consumista
... (3)

A luta armada na Itália tem raízes profundas na Resistência traída (4). A onda terrorista entre ’68 e ’82 obteve sucesso em mostrar um Estado social em decomposição, em processar todo o período constitucional e, ao eliminar Aldo Moro (5) desvelar a conivência entre poder político e criminalidade, culpados dos massacres que ensangüentaram o território italiano a partir do episódio da Banca dell’Agricultura, em Milão, 1969 (6).

Pasolini tinha dúvidas
se um espectador comum
,
ou    mesmo    os     críticos
,
entenderiam     que     todo
aquele sexo e depravação

eram uma metáfora (7)

As Brigadas Vermelhas tinham pouco mais de 300 integrantes prontos para tudo. Isto é, para fazer a revolução num país onde o catofascismo (catolicismo+fascismo) Democrata-Cristão estava profundamente ligado ao fascismo vermelho do Partido Comunista Italiano (PCI). Embora existissem milhares de simpatizantes das Brigadas, também havia muita gente que não estava nem do lado das Brigadas nem do lado do Estado. Enquanto isso, em O Desaparecimento dos Vaga-lumes (8) (1º de fevereiro de 1975), Pasolini grita contra a passividade cultural e política do povo italiano e o casamento torpe entre a direita e o PCI.


Segundo    Pasolini,
o homem nasce
conformista,
a sociedade apenas aprofunda
essa     tendência
.    Portanto
não existe
liberdade! (9)



Uma polêmica atual entre os governos do Brasil e da Itália poderia ilustrar a situação. A Itália tem pedido ao Brasil a extradição de Cesare Battisti, um ex-ativista que fugiu do país e se encontra preso aqui. A recusa do governo brasileiro tem feito o tom do governo italiano mudar... O pensador italiano Toni Negri acha que o Brasil está sendo insultado com a retórica do governo de Silvio Berlusconi. De acordo com Negri, o sistema judiciário deficiente seria uma das causas para a fuga de ex-militantes de grupos terroristas de esquerda. Não se acredita num julgamento justo. Até porque, afirma Negri, o governo italiano atual, deseja trancar esses antigos opositores como assassinos e, ao mesmo tempo, encobrir e levar ao esquecimento a natureza brutal do...

“(...) Estado de Exceção, que permitiu a detenção e a prisão preventiva de milhares de pessoas durante estes anos. É necessário recordar que nos anos 70 o limite jurídico da prisão preventiva era fixado em 12 anos. É necessário recordar o uso da tortura e de processos sumários inteiramente construídos sob a palavra de presos aos quais era prometida a liberdade em troca de confissões. Este foi o clima dos anos 70. E não nos esqueçamos que nos anos 70 houve 36 mil detenções, seis mil pessoas foram condenadas e milhares se refugiaram no exterior. E se há quem duvide desses números, e que quer continuar duvidando, basta que dêem uma olhada nos relatórios da Anistia Internacional naqueles anos. Portanto, essa é uma questão muito séria. O caso Battisti é, na verdade, um pobre exemplo de uma estrutura, de um sistema no qual a perseguição, insisto na palavra ‘perseguição’, era acompanhada por enormes escândalos na estrutura política e militar italiana (...)” (10)

De acordo com Pasolini,
a esperança foi inventada
 pelos    partidos   políticos
. 
Não     podemos     esperar
nada     do     Poder:     nós
não     somos     livres! (11)


Ao mesmo tempo em que o governo italiano utiliza dois pesos e duas medidas, já que não se interessa em pedir a extradição de terroristas que trabalharam para os governos de direita do país, mas que foram forçados a deixá-lo para não serem julgados. Ou seja, refugiados de direita não são incomodados. O próprio Negri ficou preso durante muitos anos, acusado de chefiar as Brigadas Vermelhas. Negri conclui num tom bem próximo ao de Pasolini, dizendo que “o governo italiano é um governo quase fascista”.

“(...) Na Itália se busca desesperadamente fazer valer uma mitologia dos anos 70 que é falsa. E a direita no poder hoje busca a qualquer custo restaurar um clima de falsidade e de intimidação para não permitir que a história seja contada como foi (...)” (*)

Notas:

Leia também: 

Pasolini e o Sexo Como Metáfora do Poder (I)

1. BERTELLI, Pino. Pier Paolo Pasolini. Il Cinema in Corpo. Atti Impuri di un Eretico. Roma: Edizioni Libreria Croce, 2001. Pp., 302-3.
2. Greves e manifestações dos trabalhadores italianos em busca de melhoria das condições de trabalho, melhoria salarial e maior reconhecimento social. Conseguiram aumento o aumento salarial, a semana de quarenta horas e a presença do sindicato nas empresas. A reivindicação de consolidação das instituições democráticas no país, para alguns, foi um anseio não conquistado.
3. VOSLION, Amaury. Salò d’Hier à Aujourd’hui. Documentário, 2002.
4. Em 25 de abril de 1943, cai a ditadura de Benito Mussolini, o movimento de Resistência esperava por uma revolução que não veio. Este episódio é um dos fundamentos das Brigadas Vermelhas, grupo terrorista que atuou na Itália e surge do Partido Comunista Italiano, mas para rebelar-se contra um partido que consideravam incapaz de realizar a revolução mundial preconizada por Che Guevara.
5. Entre as muitas teorias sobre o seqüestro e assassinato de Aldo Moro, existe a hipótese de que o próprio governo norte-americano estivesse envolvido, com o objetivo que manter o estado de desordem social na Itália, o que beneficiaria de alguma forma a superpotência no campo de batalha da guerra fria que estava em curso.
6. Guiseppe Pinelli, anarquista italiano acusado de ter perpetrado o atentado ao banco Banca dell’Agricultura, morre em condições misteriosas: ele caiu da janela de uma delegacia de polícia em Milão, 15 de dezembro de 1969.
7. VOSLION, Amaury. Op. Cit.
8. “Scomparsa delle Lucciole”, artigo escrito no Corriere della Sera. Existe uma versão digital disponível em:
http://www.pasolini.net/saggistica_scritticorsari_lucciole.htm Acessada em: 12/05/09.
9. VOSLION, Amaury. Op. Cit.
10. Itália insulta o Brasil no caso Battisti, diz filósofo italiano Toni Negri. Entrevista de Toni Negri à Thiago Scarelli, 15/02/2009. In Blog da Segurança Pública – Polícia Levada a Sério. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/politica/2009/02/15/ult5773u622.jhtm

11. VOSLION, Amaury. Op. Cit.