10 de out. de 2009

Antonioni na Babilônia (II)

“Se  tivesse  que
resumir    as    minhas
impressões    sobre    a
América,  listaria essas: 
desperdício, inocência, 
vastidão, pobreza”
 

Michelangelo Antonioni (1)

Evidentemente, a Mediocridade Venceu

“Meu estilo de trabalho é o exato oposto dessa enorme máquina burocrática: Hollywood. É claro, eu não estou falando apenas sobre métodos opostos, mas de uma maneira oposta de lidar com a própria vida, uma recusa em aceitar idéias embalsamadas e clichês, ou afetação e imitação. Além disso, como poderia trabalhar com as mãos atadas por um roteiro rígido quando a América, a locação de meu filme, estava continuamente mudando e se transformando, até mesmo fisicamente, e, portanto, exigindo continua mudança?” (2)

A partir desta declaração, Antonioni deixa claro que está totalmente em casa quando se fala de um método de trabalho que não é avesso à improvisação. Compreende-se, portanto, as dificuldades operacionais que deve ter enfrentado, para além do fato de que a abordagem que seu filme em relação aos Estados Unidos poderia ser tudo, menos banal e coisa de puxa saco. Supondo que fosse possível, um filme que deseja falar sobre o desperdício, a inocência, a vastidão e a pobreza de um país, deveria ser capaz de “preparar” esse público para ouvir/ver tudo que características tão contraditórias possam suscitar.


“Eu estou disposto
 a  morrer  também. 
Mas não de  tédio”

Mark questiona o discurso
supostamente revolucionário
de um grupo de estudantes que
está defendendo um confronto
armado com a polícia


Evidentemente, Antonioni teria que esperar por um milagre para que a população de uma potência mundial, em plena Guerra Fria e cercada de todo um aparato midiático de autopromoção do próprio estilo de vida, esteja disposta a admitir não saber o que está fazendo! Antonioni insistiu em afirmar (talvez em vão) que o público norte-americano não pareceu perceber uma crucial justaposição e interseção entre o real e o imaginário em Zabriskie Point (1970).

Contraditório e Interessante

“Fazer  um filme  na América
traz  consigo  um único risco:
o risco de tornar-se objeto de

uma discussão de alcance tão
grande  que  a  qualidade   do
filme  em  si  é  esquecida  (...)
 

Antonioni (3)

Antonioni queria ver os Estados Unidos não como um viajante, mas como um autor. Ele dizia que aquele país é contraditório e justamente por isso muito interessante. Não se pode dizer, afirmou Antonioni, que Zabriskie Point seja um filme revolucionário. Ou melhor, ao mostrar debates entre os estudantes norte-americanos em 1968, os protestos e confrontos com a polícia, não havia por trás o interesse de desestabilizar o “sistema”. De resto, concluímos que não se pode induzir alguém a fazer algo que essa pessoa já está fazendo! Antonioni esclarece:

“Se eu tivesse desejado fazer um filme sobre discórdia estudantil, teria continuado a direção que tomei na abertura [de Zabriskie Point,] com a seqüência do encontro estudantil. Se chegar o dia quando os jovens radicais norte-americanos concretizarem suas esperanças de mudar as estruturas da sociedade, eles virão desse tipo de pano de fundo e terão rostos como aqueles. Porém eu os deixei lá e segui meu protagonista num itinerário completamente diferente. O itinerário vai por um pedaço da América do Norte, mas quase sem tocá-lo, não apenas porque o jovem voa sobre ele, mas porque, desde o momento que rouba o avião, a América para ele coincide com ‘a terra’, da qual, precisamente, ‘ele precisa sair [do chão]’”(4)

“Por que os
americanos viram Zabriskie Point como
um  filme  contra  seu
país é um mistério
para mim
(...)(5)

Antonioni se ressente de que chegaram a dizer que devolveriam o desprezo que o cineasta demonstrou por eles. Antonioni não vê absolutamente desprezo algum destilado naquele filme. Confessou grande simpatia em relação aos jovens combativos que viu agindo nas ruas do país do Tio Sam. Sentiu uma aliança natural com eles e acreditava que sabiam mais do que os adultos que os estavam espancando. A visão adulta do mundo, Antonioni admitiu, só produziu monstros. Essas experiências, disse ainda, fizeram emergir certos símbolos no filme. Por que depois de cada filme que dirige, Antonioni pergunta, sempre querem saber o que os símbolos significam e não como tomaram forma ou a inspiração que os germinou? (6)


(...) Estou procurando (talvez
em cada filme [meu]) por traços
de    sentimento    no    homem   e,
é    claro,     na    mulher    também.
Em      um    mundo     onde    esses
traços    foram    enterrados    para
dar    lugar    a    sentimentos   de
conveniência e aparência
(...) (7)



Notas:

1. ANTONIONI, Michelangelo. What This Land Says to Me in ANTONIONI, Michelangelo. Architecture of Vision. Writings and Interviews on Cinema. USA: University of Chicago Press, 1996. P. 92.
2. Idem.
3. Ibidem, p. 95.
4. ANTONIONI, Michelangelo. Let’s Talk About Zabriskie Point in ANTONIONI, Michelangelo. Op. Cit., p. 95.
5. Idem, p 96.
6. Ibidem, p. 97.
7. Ibidem, p. 99.