21 de jun. de 2010

Pasolini e o Sexo Como Metáfora do Poder (VI)



“A mulher representa
a vitalidade
.  As coisas
morrem e sentimos dor
,
mas  então  a  vitalidade
retorna
:  eis  o  que  a
mulher representa”


Halliday, personagem de Gaviões
e Passarinhos
, direção Pasolini


O Cinema Italiano (Que Não Foi B
anido)

O cinema italiano gerou muitos filmes que abordam o tema, poderíamos destacar alguns entre tantos, embora não toquem “na ferida” como Pasolini. Em As Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, direção de Federico Fellini, 1957), a prostituta Cabíria passa de mão em mão. Devido a seu conhecimento da gíria das ruas e favelas da periferia de Roma, foi o próprio Pasolini que escreveu os diálogos dessas mulheres, tanto em As Noites de Cabíria quanto em A Doce Vida (La Dolce Vita, direção de Federico Fellini, 1959). Em Accattone. Desajuste Social (Accattone, 1961) e Mamma Roma (1962), Pasolini mostrou o cotidiano das prostitutas e cafetões na periferia de Roma e na margem do Milagre Econômico italiano. Em Mulheres no Front (Le Soldatesse, direção de Valério Zurlini, 1965), um grupo de prostitutas é levado para servir às tropas italianas que invadiram a Grécia durante a Segunda Guerra. Em Adua e suas Companheiras (Adua e le Compagne, direção de Antonio Pietrangeli, 1960), acompanhamos a nova vida de algumas ex-prostitutas na esteira da lei que baniu os bordeis e tornou a prostituição ilegal. Em Kapò (direção de Gilo Pontecorvo, 1960), estamos em Auschwitz, onde uma prisioneira acredita que sua única chance de sobreviver é se prostituindo aos nazistas, ela acaba sendo promovida ao posto de guarda, uma das judias que vigiava os próprios judeus. Em Feios, Sujos e Malvados (Brutti, Sporchi e Cattivi, direção de Ettore Scola, 1976), uma bela jovem ganha dinheiro tirando fotografias para uma revista masculina, enquanto sua mãe ignorante acredita que aquilo é um emprego nobre de artista.



À hipocrisia
generalizada no âmago

do casamento, soma-se o machismo que presenteia
o homem com
a condição
de dono da mulher


Mais recentemente, em Malena (direção de Giuseppe Tornatore, 2000), uma viúva é deixada de lado pelo Estado e acaba se prostituindo. Os maridos tornam-se clientes dela, mas a repudiam quando suas esposas a expulsam da cidade. Enquanto isso, o marido, que na verdade não morreu, volta à cidade e é esculachado pelos mesmos chefes de família que desfrutaram de sua esposa indefesa. Em Mediterrâneo (direção de Gabriele Salvatores, 1991), produzido pelo próprio Berlusconi, voltamos à Grécia durante a Guerra. Uma prostituta vem oferecer seus “serviços” aos soldados italianos. Mas o filme de Pasolini foi o único que questionou radicalmente a hipocrisia do Estado italiano e sua promiscuidade. Basta lembrar também que, durante a década de 70, em plena explosão da indústria pornográfica, apenas o filme de Pasolini foi perseguido, censurado, banido. (as duas imagen acima: a prostituta "de" Accattone é surrada pelos inimigos napolitanos dele; a bolsa e o sapato de salto alto da mulher são transformados em signos da presença dela, uma marca registrada que parece não mudar através dos tempos, Accattone. Desajuste Social)

A Família e o Consumo 


“Como se enterra
firmemente um prego
entre as juntas das pedras
, assim penetra insidiosamente
o pecado entre a venda
e   a   compra”

Eclesiastes, XXVII, 2

A falsidade do movimento moralizante contido no “imposto pornô” proposto por parlamentares se estenderia ao suposto zelo do Estado italiano em relação à família. O poder precisa incentivar o comportamento hedonista para manter o consumismo de massa – viver o aqui e agora, mas só se for para consumir sem pensar. A religião e a Igreja estavam fora desse jogo e o indivíduo tinha que ser destruído. A família tornou-se o núcleo preferido pelo novo fascismo do consumo. O indivíduo não é confiável para uma estratégia de consumo, ele deve ser substituído pelo “homem-massa”. Em O Frango Caseiro (Il Póllo Ruspante, direção de Ugo Gregoretti, 1963), marido, esposa e filhinhos estão cercados pelas exigências do consumo, nota-se a insatisfação do marido. Ao chegar a casa, o pai é surpreendido pelo filho com uma arma de brinquedo e leva vários tiros de espoleta. Como desta vez o pai não descobre a identidade do bandido, a criança grita: “eu sou Pasolini!”




O   homem   pode
ser o dono da mulher
.
Mas o mercado é dono
dos dois
, que escravizará
através   das   chantagens sentimentais do casamento
, 
articuladas às exigências mercadológicas



Enquanto o pai tenta ligar a televisão recém comprada, o menino dispara vários tiros contra ela também. Pasolini dizia que abominava o consumismo no sentido físico do termo. O Frango Caseiro, que nem havia sido dirigido por ele, mostra claramente sua tese: é no seio da família que o homem se tornava um consumidor. Primeiro, as exigências sociais do casal, em seguida as exigências do capitalismo (a verdadeira família). O sentido de suas vidas passa a ser incorporar os valores do hedonismo de massa, cujos padrões de gosto estão no mais baixo nível, para que a manipulação se exerça livremente. O resultado é, disparou Pasolini, uma mutação antropológica dos povos e sua completa redução a um modelo único (1). (imagem acima, à esquerda, poderia ser qualquer parte do Brasil, mas trata-se de uma periferia italiana, em Gaviões e Passarinhos, Uccellacci e Uccellini, 1966; acima, as protitutas, Accattone. Desajuste Social; abaixo, à esquerda, Accattone delirando; à direita, Pasolini conversa com Anna Magnani, durante as filmagens de Mamma Roma, 1962)



A televisão,
autoritária
e repressiva,
materializa o
novo Poder



Pasolini responsabilizava a escola por ensinar apenas valores pequeno-burgueses e a televisão - que multiplicaria isso. Ele acreditava que a televisão, cujas vendas estavam então em plena expansão na Itália, era responsável pela degradação física e moral da humanidade. As auto-estradas, ligando toda a Itália ao centro (Roma), facilitavam a centralização. A mídia de massa era decisiva, um país que era muito variado em suas manifestações culturais foi gradativamente homogeneizado. Além de produzir e reproduzir consumidores, qualquer ideologia que não direcionasse ao consumo seria esquecida. A massificação do casal pequeno-burguês que valoriza apenas os bens de consumo gerou uma sensação de humilhação nos jovens subproletários italianos, que passam a esconder suas profissões – é preferível se apresentarem como estudantes. Como os pequeno-burgueses, eles também começam a desprezar a cultura e sua meta agora é se identificar com os modelos inoculados pela televisão. Quem não era burguês sentia-se humilhado. Para Pasolini, a televisão é tão repugnante quanto os campos de extermínio nazistas.



Pasolini
se ressentia de
não poder mais odiar a
burguesia, já que agora
todo italiano era

burguês



Nota:

Leia também:

Pasolini e o Sexo Como Metáfora do Poder (I), (II), (III), (IV), (V)
Herzog, Fassbinder e Seus Heróis Desesperados
Crítica Cinematográfica e Mercado (I), (II)
Isto é Hollywood!

1. Palavras de Pasolini em Pas d’amour, pas de culture: um langage sans origine e le véritable fascisme e donc le véritable antifascisme, Écrits corsaires, pp.86-9. Citado em NAZÁRIO, Luiz. Todos os Corpos de Pasolini. São Paulo: Perspectiva, 2007. P. 105.