17 de dez. de 2010

Bertolucci e o Negócio da China (I)




“Salvou minha vida
para 
me  tornar  uma marionete. Salvou-me porque lhe sou útil”
 

Pu Yi para o
diretor da prisão





O Homem da Gaiola Dourada


Arrancado de sua mãe aos três anos de idade, Pu Yi foi coroado imperador da China e cresceu enclausurado na famosa Cidade Proibida, no centro de Pequim (imagem acima). Cercado por um enorme exército de eunucos e um bando de viúvas do antigo imperador, Pu Yi cresce sem contato com o mundo exterior. Sua mãe substituta, de quem mama até os oito anos, também será afastada de sua presença. Reginald Johnston, o tutor inglês contratado quando o imperador tinha doze anos, ensina-lhe uma série de coisas novas. Johnston descobre que o menino tem um problema de visão, mas tem que enfrentar as viúvas para conseguir que o imperador passa a utilizar óculos. Aos dezessete anos de idade, Pu Yi escolhe duas esposas a partir de fotografias. Em 1924, devido a uma revolução, ele será expulso da Cidade Proibida. Muda-se para Tientsin (Tianjin) e passa a viver sob influência japonesa, levando uma vida de playboy ocidentalizado. Nessa época, sua segunda esposa entra em crise (por ser a segunda) e abandona Pu Yi. A primeira esposa dele, também conhecida como Elizabeth, torna-se uma viciada em ópio e se deixa influenciar por Jóia do Oriente. Esta é uma princesa da Manchúria parente de Pu Yi e espiã japonesa que detesta a China.



(...) É uma
interpretação
da vida
de Pu Yi,
e não uma mera
ilustração”

 

Film Comment,
dezembro 1987, 36



Jóia do Oriente conspira com Masahiro Amakasu, um poderoso agente secreto que irá controlar a vida de Pu Yi quando este se tornar imperador de Manchukuo, um reinado fantoche que serve aos interesses japoneses na região. Totalmente viciada em ópio e deprimida com a situação de subserviência de Pu Yi ao império japonês, Elizabeth acaba ficando grávida do motorista. Este será assassinado, o bebê bastardo será assassinado ao nascer e ela será mandada para longe de Pu Yi. Quando fica evidente que o Japão estará do lado dos perdedores da Segunda Guerra Mundial, o reinado de Pu Yi desmorona pela segunda vez. No dia de sua tentativa de fuga para o Japão, Pu Yi é surpreendido pela chegada de Elizabeth. Agora uma mulher fisicamente frágil e com olhar confuso, ela cospe em todos os japoneses (especialmente em Amakasu, que havia acabado de se suicidar) até chegar a seu quarto. Capturado pelos russos durante a ofensiva soviética na Manchúria no final da guerra, Pu Yi será entregue aos comunistas maoístas chineses. Na prisão, o ex-imperador passará por uma longa “reeducação” durante dez anos. (imagem acima, à direita, durante a coroação, Pu Yi estava mais interessado em encontrar o grilo do que qualquer outra coisa; o inseto seria uma metáfora de sua vida a partir daí)

Mais Um Inocente Útil




Lá como cá
, a pergunta é:
p
ode um homem mudar?
Lá como cá
, se pode querer saber: e a quem interessa
que os homens
mudem?







Inicialmente, Bernardo Bertolucci não conseguiu interessar produtores os italianos e aos grandes estúdios de Hollywood. Não obstante, com um produtor independente e uma valiosa autorização para filmar dentro da Cidade Proibida, o cineasta conseguiu realizar O Último Imperador (The Last Emperor, 1987). Trata-se de uma adaptação da autobiografia de Aisin-Gioro Pu Yi (1906-1967), o último imperador da dinastia Ching, coroado em 1908. Intitulada De Imperador a Cidadão, o livro havia sido publicado com a autorização do então governo maoísta chinês, depois que este “reeducou” o antigo monarca. Este detalhe valeu a Bertolucci críticas que o acusavam de fazer propaganda do regime comunista chinês. De uma forma ou de outra, o próprio governo chinês propagandeava o fato de Bertolucci ser filiado ao Partido Comunista Italiano (PCI). O cineasta, por sua vez, dizia que o filme é sobre mudança, “pode um homem mudar? A história de Pu Yi é uma história de metamorfose. De imperador a cidadão... de lagarta a borboleta”. Enquanto adaptação, o filme não segue estritamente a autobiografia e nem mesmo o livro de memórias do tutor inglês do imperador (1). (imagem acima, à esquerda, o diretor da prisão acompanha a vida de Pu Yi dentro da cela, onde ele insiste em ser servido por um ex-servo como se ainda fosse um imperador - algo que ele talvez nunca tenha sido realmente)



Alguns críticos
sugeriram que O Último Imperador não passava de
propaganda do governo maoísta Chinês





A história verdadeira atravessa uma fase bastante turbulenta da história chinesa, e Bertolucci mostra isso. O pequeno Pu Yi foi nomeado imperador aos três anos de idade pela imperatriz Dowager em 1908. Ele será deposto pelos nacionalistas republicanos em 1911 – alguns anos depois será o irmão dele quem revelará a novidade a um Pu Yi alienado; nesta cena, o jovem imperador supõe provar que ainda está no poder ao obrigar um dos eunucos que o servem a beber tinta. Mas continuará confinado à Cidade Proibida, no centro de Pequim, até 1924, quando será despejado por um senhor da guerra chinês e se refugiará na embaixada japonesa em Tientsin – é a cena do jogo de tênis na Cidade Proibida, quando Pu Yi vê a tropa se aproximar pergunta a Johnston se é agora que ele vai morrer. Vivendo como playboy durante anos, concorda em ser o imperador de Manchukuo até ser preso pelas tropas soviéticas que invadiram a Manchúria em 1945. Entregue aos comunistas chineses em 1949, ficará na prisão durante 10 anos. Ao ser libertado, Pu Yi será empregado como jardineiro. Depois da publicação de sua autobiografia em 1964, Pu Yi morre durante mais um dos infernos institucionais de seu país, os levantes da Revolução Cultural Chinesa (2).


Leia também:

Bertolucci e o Negócio da China (II)
Bertolucci e a Revolução Burguesa
Pasolini e o Cinema de Poesia
A Oréstia Africana de Pasolini
Quando Fellini Sonhou com Pasolini

Notas:

1. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York/London: Continuum, 3ª Ed, 2008 [1983]. Pp. 398 e 404.
2. Idem, p. 401.