30 de nov. de 2015

Roberto Rossellini, a Virgem e a Censura


(...) O Milagre foi muito atacado como blasfemo e, ainda que tenha
sido o elemento central de uma  bem sucedida  luta  contra a censura
nos   Estados   Unidos,   o   filme    ajudou,   pelo   menos   em   alguns
círculos,  a marcar Rossellini  como um personagem perigoso (...)(1)

Milagre da Mãe Solteira

Nannina é uma sem teto que vive na montanhosa costa amalfitana da Itália – aparentemente durante os primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial, uma época em que a maioria, por um motivo ou outro, já não acredita mais em milagres. Certo dia está pastoreando cabras na montanha quando surge um andarilho silencioso. Imediatamente, Nannina acredita que se trate de São José e começa a pedir coisas ele como uma criança que pede presentes: “Tem que me conceder uma graça. Tem que me levar daqui. O que lhe custa? Faça com que eu morra e me leve contigo para o paraíso, para a contemplação do Senhor!”. Ela chegou sozinha à conclusão de que se trata do santo (com que diz que já havia falado antes), pois o forasteiro não apenas se limita a lançar olhares suspeitos na direção dela como não pronunciou uma palavra sequer durante todo tempo. Certa de que se trata do santo, ela elogia a beleza do estranho muitas vezes e pede para que a leve para o céu, não sem antes dar alguns voos rasantes pela região. Certa vez, conta Nannina, ouviu vozes que a mandavam suicidar-se pulando da montanha. Primeiro acho que fosse a voz de São José, mas depois concluiu que só poderia ser o diabo, já que se fizesse aquilo não poderia chegar ao paraíso. Nannina chega a dizer ao estranho que tudo que ela quer é ir morar com o Senhor, o que soa como um desafio àqueles que em breve dirão, referindo-se a ela, que “os loucos não podem entrar no paraíso!”. O andarilho oferece vinho a Nannina, que em pouco tempo acaba dormindo bêbada. Despertada pelas lambidas das cabras em seu rosto e mãos, a mulher não encontrará mais nenhum vestígio do forasteiro. (salvo quando indicado, todas as imagens são de O Milagre, episódio de O Amor, Roberto Rossellini, 1948)


Então Nannina desce desorientada a montanha e vai de encontro a um velho, frade Rafael, quer saber se é normal que as pessoas enxerguem santos. Ele não é acredita como diz que vê Nossa Senhora todos os dias, o que dá coragem a Nannina para contar que falou com São José. Outro padre chega e diz que nos vinte anos que está ali nunca viu um milagre, ao que o primeiro retruca irritado: “materialista!” – palavra que, naquela época, poderia também significar “comunista!”. O tempo passa, a gravidez dela fica aparente e as pessoas começam a caçoar de Nannina. Logo toda a cidade está junta numa procissão cantando um louvor a Nossa Senhora, e fazendo a mendiga acreditar que aceitam que ela foi engravidada por São José. Mas isso dura pouco, a procissão de mentira acaba em confusão quando começam a atirar vegetais em Nannina, coroando-a com uma bacia que faz a função de auréola. Ela finalmente percebe, se rebela e foge para as montanhas e se refugia numa caverna. Quando as dores começam, Nannina junta seus trapos e segue na direção da pequena igreja no alto da montanha. Durante a caminhada, Nannina passa próximo da cidade ouve uma procissão cantando um louvor a Nossa Senhora – são as mesmas pessoas que pouco tempo antes zombaram dela e da própria Virgem, entoando o mesmo louvor. Nannina vira as costas e segue viagem. Em certo momento grita por socorro, ninguém aparece, mas ela passa a ser seguida por um bode. Chegando ao templo isolado, trancado e deserto, Nannina consegue finalmente encontrar uma porta aberta, logo a seguir o parto acontece. Depois de um breve desmaio, Nannina oferece o seio ao bebê. 

Impossível Agradar a Todos 


Rossellini ressaltou que a civilização moderna
não compreende o que representa a experiência
religiosa  por  trás  do  nascimento de Jesus (2)

Com O Milagre (Il Miracolo, episódio de O Amor, L’Amore, 1948), o cineasta italiano Roberto Rossellini começa a desagradar os críticos de cinema de esquerda italianos. Estes pareciam mais preocupados em resguardar certo discurso de esquerda que cooptou a estética neorrealista do imediato pós-guerra do que supor que o cineasta já estivesse tentando se livrar do rótulo em que o neorrealismo havia sido transformado. Como os próximos anos infelizmente mostrariam, Rossellini passará a ser criticado tanto pela esquerda, que o chamava de traidor, quanto pela a direita, que o considerava um comunista a serviço de Moscou. O cineasta dizia que seu interesse era apenas buscar abordagens as mais objetivas possíveis em relação ao tema tratado, fosse a Itália durante a invasão das tropas aliadas, como em Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta, 1945) e Paisà (1946), ou a representação da espiritualidade em Stromboli (Stromboli, Terra di Dio, 1950), Francisco, Arauto de Deus (Francisco, Giullare di Dio, 1950) ou Europa ’51 (1952). Apesar disso, parecia mais importante para a esquerda destacar as amizades de Rossellini entre os políticos de direita do Partido Democrata-Cristão (já no Vaticano, entre os Bispos da Cúria, Rossellini não contava com muitos amigos) (3), enquanto a direita insistia em dizer que ele era um enviado de satã. Referindo-se à situação da Itália em 1950, durante a produção de Stromboli, quando a Guerra Fria já era uma realidade, Rossellini disse que na Europa “ninguém acredita em nada. O Fascismo falhou. A função do Comunismo ainda não está clara. O que é necessário é um filme que possa transcender a política e a economia, devolvendo a fé em si e também uma nova apreensão de Deus”. O cineasta norte-americano Martin Scorsese ligou Rossellini e seu colega e contemporâneo Federico Fellini (que com uma peruca loura atuou no papel do andarilho sedutor) por uma preocupação franciscana comum a ambos (4). (imagem abaixo, Jesus caminha sobre a água no filme de Pier Paolo Pasolini, O Evangelho Segundo São Mateus)


Vida cotidiana e aparições milagrosas se sucedem em O Evangelho
Segundo São Mateus (1964),  premiado pelo  Vaticano.  Mas Pasolini
se   arrependeu  de    mostrar    milagres,    considerando   sua   opção
um   pietismo nojento,   uma  atitude  de  contrarreforma barroca (5)

No caso particular de O Milagre, o próprio título indica o tema que moveu Rossellini neste média-metragem. No registro da comédia, quando o médico pergunta se ele é católico, Andrea, o personagem de Marcello Mastroianni em Casanova ’70 (Mario Monicelli, 1965) responde: “Sim, como todo mundo”. Devido à influência direta da Igreja Católica na vida do italiano no imediato pós-guerra, o milagre é um tema recorrente, pelo menos na cinematográfica italiana de caráter popular – o médico de Andrea diz que já que é católico pode esperar por um milagre (que o salve de sua necessidade de correr perigo como condição para ter ereção na hora do amor). Com Milagre em Milão (Miracolo a Milano, 1951), Vittorio De Sica mistura neorrealismo e reino da fantasia, e os pobres/sem teto saem voando em vassouras sobre a catedral daquela cidade. Especialmente ilustrativa é a sequência de A Doce Vida (La Dolce Vita, 1960). Fellini nos coloca bem no meio de uma espécie de catarse midiática, a televisão transmite uma romaria em torno de duas crianças que supostamente receberam a visita de Nossa Senhora. O tema por si só desagradava à esquerda, já que a “religião é o ópio do povo”. Curiosamente, a resposta da Igreja Católica não veio em uníssono como um canto gregoriano. Enquanto o Vaticano aprovou (significa dizer, não censurou, numa época em que muitos filmes e cineastas italianos eram perseguidos pela Igreja), a hierarquia católica nos Estados Unidos acusou Rossellini de sacrilégio (embora desde o início houvesse certa discordância entre os chefes da Igreja norte-americana a respeito do assunto). 

Um Contexto e suas Entrelinhas


 De acordo com o Papa Pio XI, Vigilanti Cura se fez necessária
em  função  “dos  tristes  progressos   da   arte   e   da   indústria
 cinematográfica   na  divulgação   do   pecado   e   do   vício” (6)

No que diz respeito à indústria cinematográfica, nunca antes o interesse da Igreja Católica foi tão crescente quanto entre 1930 e o final dos anos 1950 do século passado. Tendência confirmada pela quantidade de documentos editados pelo Vaticano em preparação para os discursos proferidos pelos Papas durante esse período. Enquanto os documentos lançados por Pio XI antes da encíclica Vigilanti Cura (1936) foram apenas dez, aqueles impressos antes dos discursos de Pio XII sobre Film Ideale (1955) somaram quarenta e quatro, e para a encíclica Miranda Prorsus (1957) foram cinquenta e quatro. O documento de 1936 admite pela primeira vez a importância e o poder do cinema, declarando também o papel crucial da imprensa católica para a promoção dos “filmes corretos” a serem assistidos pelos fiéis. A encíclica se inicia saudando o trabalho realizado nos Estados Unidos pela Legião da Decência, organização inaugurada dois anos antes por um conselho de Bispos católicos norte-americanos com a função de classificar filmes, condenando aqueles considerados imorais. A encíclica de 1936, dentre as citadas a única anterior à Segunda Guerra Mundial, se referia justamente à moralidade, afirmando a importância de tornar o cinema “moral, moralizante, educativo”, além de complementar e garantir o sucesso já alcançado pela Legião. O exemplo dos estadunidenses também foi seguido quando o Papa pediu à congregação que prometesse não assistir filmes que ofendessem a verdade cristã e a moralidade – uma das práticas, muitas vezes solicitadas pelos Bispos na Itália, era o boicote aos cinemas que apresentassem filmes considerados censuráveis (7). Em seu comentário a respeito da maneira que filmes como A Doce Vida e A Última Tentação de Cristo (The Last Temptation of Christ, direção Martin Scorsese, 1988) foram avaliados pela censura, Jean-Luc Douin observou, “(...) deve-se notar que uma das especialidades da censura religiosa, especialmente a censura católica, é condenar [um filme] sem ter assistido, uma vez que a promessa feita foi se afastar de satã (...)” (8).


La Rivista del Cinematografo estava basicamente focada no cinema
católico  norte-americano,   definido   como  o  melhor  do  mundo (9)

Após a Segunda Guerra, a CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) utilizou a cultura norte-americana como uma forma de propaganda política, enquanto o Departamento de Estado daquele país examinava roteiros de filmes com grande empenho, ao mesmo tempo em que o chamado Congresso para a Liberdade Cultural tentava colocar os intelectuais europeus de esquerda contra o Comunismo – a função deste Congresso, secretamente subsidiado pela CIA, era buscar sintomas de antiamericanismo e de “neutralidade” entre os europeus durante a Guerra Fria. A utilização do cinema hollywoodiano naquela época como ponta de lança de uma invasão cultural do “mundo livre” já havia se tornado realidade, contra a qual a maioria dos países europeus pouco ou nada podia fazer. Contudo, do ponto de vista jurídico, o governo dos Estados Unidos ainda considerava o cinema apenas como um produto comercial. Isto quer dizer, entre outras coisas que, ao contrário da imprensa e da literatura, os filmes não estavam protegidos pela Constituição Federal daquele país, especialmente por sua 1ª Emenda - aquela que se refere à liberdade de expressão. Sabemos também que após o final da Segunda Guerra outra se inicia. Na chamada Guerra Fria, os valores cristãos e o capitalismo são contrapostos ao ateísmo e ao comunismo. De fato, apesar de muito combatido na época de seu lançamento em Nova York pela Legião da Decência e por Francis Joseph Spellman (1889-1967) (conhecido como o “Cardeal da Guerra Fria”) (10), trata-se do filme a partir do qual será modificada a compreensão da Suprema Corte dos Estados Unidos quanto à relevância social da sétima arte. (as duas imagens abaixo mostram a sequência das suposta aparição de Nossa Senhora, em A Doce Vida)

Legião Temida


Em 1935 surge o Centro Cattolico Cinematografico, com a função
de classificar filmes, divulgando para as instituições católicas na Itália através de sua publicação oficial, La Rivista del Cinematografo (11)
A presença ideológica do Vaticano na indústria cinematográfica se torna evidente em função de um aparato de censura eclesiástica operado através de organizações católicas oficiais. Paralelamente à intervenção do Estado classificando e censurando filmes, o Vaticano indicou quais aqueles filmes que a comunidade católica deveria assistir e aqueles que deveria evitar. O Centro Cattolico Cinematografico controlava a seleção dos filmes que deveriam ou não ser apresentados nos cinemas da igreja – o que poderia gerar um problema comercial para os cineastas, já que o número de cinemas paroquiais pulou de 2.500 em 1948 para algo em torno de 7.000 em 1953. Através da Segnalazioni Cinematografiche, sua publicação semanal, a organização pronunciava julgamentos morais a respeito de filmes prestes a serem lançados e caso os cortes apropriados fossem realizados – em Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso, direção Giuseppe Tornatore, 1988), a cena do padre com uma sineta na mão indicando quais pontos dos filmes deveriam ser censurados apresenta um retrato fiel da situação e constitui uma espécie de antecipação da sequência final, que se tornaria um clássico do cinema. Em 1948, Pio XII criou a Comissão Pontifícia para a Cinematografia Didática e Religiosa. Trabalhando em estreita colaboração com o Conselho Nacional Católico, sua tarefa é avaliar os filmes do ponto de vista moral, mas também técnico-artístico. As classificações do Centro Cattolico Cinematografico eram coladas nas portas das igrejas italianas, deixando explícita a posição oficial do Vaticano (12). Em 1961, um discurso do Cardeal Giuseppe Siri deixa clara a influência da Legião da Decência

“Quando a famosa Legião da Decência foi criada na América pelo Bispo de Indianápolis, o compromisso básico não apenas de católicos, mas também de protestantes e judeus, era esse: não vou assistir a um filme que foi excluído pelas autoridades competentes, e nunca vou pisar num cinema onde um desses filmes é mostrado. E com isso a oposição na América desmoronou. A Legião da Decência foi vitoriosa. Isso era autocontrole” (13)


O Centro Cattolico enalteceu faroestes de John Ford, onde o pecado, 
a culpa e o perdão constroem pessoas melhores.  Valores cristãos  que
balizam  a  ideia de  coletividade,   presente nos filmes mais espirituais
de  Rossellini,  onde  a  salvação  só  existe  no  seio de um  grupo (14)

Embora pesquisas como a de Gregory D. Black sobre a censura em Hollywood apontem que com esta atitude a Legião acabava despertando mais interesse pelos filmes proibidos, na Itália um comentário negativo do Centro Cattolico podia mudar a vida de produtores e distribuidores. Durante seus seis anos de operação, a organização examinou 1,560 filmes, onde a moralidade era o elemento que direcionava o julgamento positivo ou negativo – os valores imediatamente aceitos eram patriotismo, exaltação do nacionalismo, do sacrifício, celebração religiosa convencional ou de catequese. Tudo isso ecoava o que a Legião da Decência pretendeu impor aos Estados Unidos Católico. Como afirmou na época a dramaturga, roteirista, escritora e filósofa Ayn Rand aos produtores e cineastas de Hollywood: sem remeter diretamente à religião, deveriam apresentar os valores do “americanismo” com fortaleza e honestidade, de forma a difundir uma imagem onde sacrifício, justiça e igualdade fossem a base daquela nação. Em artigo durante 1950, La Rivista del Cinematografo sugeriu que a Itália deveria absorver o método da censura católica nos Estados Unidos, onde aqueles filmes que não recebiam um selo de aprovação eram alvo da ira das organizações católicas. O Democrata-Cristão Giulio Andreotti expressou a necessidade da criação na Itália de uma consciência cinematográfica cristã, deixando evidente sua visão de como Estado e Igreja deveriam trabalhar em conjunto em prol de uma suposta melhoria do conteúdo moral nos filmes. Mas isso deveria ser alcançado sem que o escapismo deixasse de ser um dos elementos principais  – na época, alguns criticaram a incapacidade do neorrealismo italiano e francês de alcançar esse objetivo, o que para alguns soaria até mesmo como um elogio! O resultado é que os filmes franceses eram os mais proibidos, enquanto os norte-americanos (muitas vezes criticados por mostrarem divórcio e um estilo de vida luxuoso) eram em sua maioria considerados aceitáveis.


“Nem em O Milagre ou qualquer outra obra de Rossellini
existe    algo    como    o    espírito   de     zombaria   satânica
que  Masterson   e   Spellman   pretendiam  encontrar (...)

William Bruce Johnson (15)

Moradora do Queens, em Nova York, Mary Looram, então uma voz influente na Legião da Decência, assistiu a O Milagre no Festival de Veneza em 1948 – Tania Film, a distribuidora mundial do filme, arranjou uma exibição particular do filme para ela e padres da Holanda, Bélgica e Inglaterra, já que haviam faltado na estreia. Ao perceber a presença do distribuidor norte-americano Joseph Burstyn negociando direitos de distribuição com o advogado de Rossellini, ela se dirigiu aos dois afirmando que o filme constituía um sacrilégio. De acordo com William Bruce Johnson, esta foi a primeira alegação de sacrilégio imputada a O Milagre – como havia recombinado o filme com outros títulos, Burstyn reapresentou o conjunto à censura de Nova York e, novamente, foi aprovado. Durante uma missa na sexta-feira, 8 de dezembro de 1950, durante a festa da Imaculada Conceição e 96º aniversário da declaração desta doutrina como dogma por Pio IX, católicos recitaram uma versão curta do compromisso da Legião da Decência, renovando seu compromisso como o fazem neste dia especial anualmente. Na segunda-feira, 11 de dezembro, o filme em três episódios The Ways of Love, contendo O Milagre, estreia no cinema Paris, em Manhattan. No dia seguinte, o reverendo Patrick J. Masterson, então alto executivo da Legião da Decência e vice-presidente da Comissão Pontifícia para a Cinematografia, comprou um ingresso, seguramente já tendo sido informado a respeito pela senhora Looram (16). (imagem abaixo, o padre que se juntou à resistência antifascista diante de um guerrilheiro torturado em Roma, Cidade Aberta, 1945)

Contabilizando Milagres e Dízimo 


A mariolatria existente nos Estados Unidos facilitou
em muito que os católicos do país colocassem parte da população
contra  O Milagre,   chegando  à  ponto  de  ameaçar  a  separação
entre  Estado  e  Igreja,  conquistada  a  duras  penas

Em 1858, ao aparecer dezoito vezes na gruta de Massabielle para a pequena Bernadette Soubirous apresentando-se como Imaculada Concepção, a Virgem Maria estaria confirmando a religião católica como única aprovada por Deus. Esta foi a conclusão à que chegou o Papa Pio XII em setembro de 1953 ao declarar este um ano mariano, em comemoração ao centenário do dogma da Imaculada Concepção – anunciado em 1854, o dogma foi declarado pela Igreja quatro anos antes das aparições. A peregrinação à cidade francesa de Lourdes, local da aparição, ultrapassa então a marca dos 2 milhões de visitantes – Bernadette foi declarada santa em 1933, mesmo ano da ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha. Nos Estados Unidos, igrejas nomeadas em honra de Maria são atualmente mais de 4.200, incluindo 588 invocando a Imaculada Concepção, outras 149 chamadas “Maria Imaculada de Lourdes” e 60 chamadas “Nossa Senhora de Fátima”. Nomes marianos também são encontrados em mais de 70 faculdades, 500 escolas de ensino médio, 2.000 escolas primárias e 280 hospitais e clínicas, assim como 2.200 conventos e 100 seminários. O ano mariano 1953-4 seria o apogeu do devocionismo mariano. Em 1960, o Concílio Vaticano II forçou uma regressão dessa tendência, considerada “mariolatria” excessiva. Em 1964, Papa Paulo VI afirmou (em Lumen Gentium) que a verdadeira devoção à Maria não é transitória e estéril ou credulidade vã, mas provém de fé verdadeira, pela qual somos levados a conhecer a excelência da Mãe de Deus, sendo direcionados a um amor filial em relação a nossa mãe e à imitação de suas virtudes. Em 1960, um mês após a eleição do católico John F. Kennedy nos Estados Unidos pelo Partido Democrata, o padre jesuíta John Courtney Murray lança um livro reafirmando a compatibilidade entre ideais católicos e norte-americanos (17). (imagem abaixo, São Francisco diante da visão do leproso em Francisco, Arauto de Deus, 1950)


Embora desde o Concílio Vaticano II os católicos tenham
admitido  a  separação  entre  Estado  e  Igreja,  paira  no  ar
uma  tendência   de   retrocesso   fundamentalista  cristão

No Concílio Vaticano II (1962-1965), a recomendação para uma separação entre Estado e Igreja é considerada uma contribuição norte-americana. As mudanças revolucionárias desse período foram seguidas pela decisão de manutenção da posição conservadora da Igreja contra o aborto. Após a morte de Pio XII, a cúria romana enviou dois delegados aos Estados unidos com a função de punir a Igreja Católica norte-americana por suas contribuições progressistas ao Concílio. Com a revolução sexual e o Feminismo a partir da década de 1960 do século passado, a virgindade torna-se fora de moda enquanto símbolo de pureza e inocência. Então, os escândalos de pedofilia na Igreja Católica (especialmente nos Estados Unidos) afastam mais ainda os fies (e as contribuições, ofertas, etc.). Apesar disso, uma pesquisa em Gallup em 1989 afirmou que 82% dos estadunidenses acreditam que ainda hoje Deus faz milagres. Apesar da queda no número de padres, freiras, devotos e fundos, as visões de Maria por católicos se multiplicaram nos Estados Unidos, passando de 21 entre 1945 e 1979 para 150 entre 1980 e 2002, levando alguns a declarar aquele país como o novo lar das aparições da Virgem.

Rossellini Comuna


Para  um  comunista  aliado  de  satã, Rossellini realizou uma
quantidade bastante razoável de filmes com temas  religiosos

A carreira de Roberto Rossellini teve início durante o regime fascista de Benito Mussolini na Itália, político que compreendeu muito bem o poder das imagens para dominar as massas (logo que foi possível, baniu os filmes de Hollywood dos cinemas italianos, substituindo-os por seus próprios “produtos açucarados”, conhecidos como cinema “telefone branco”) – o cineasta trabalhava na revista de cinema fundada pelo filho do ditador. Se descartarmos a série de pequenos documentários em curta-metragem focados na vida animal que realizou num período muito anterior e que só interessam àqueles que compreendem que a base de seu cinema é o documentário, os primeiros longas-metragens de Rossellini são três homenagens às forças armadas do Duce: La Nave Bianca (1941), Un Pilota Ritorna (1942) e L’Uomo dalla Croce (1943). Este último acompanha um capelão do exército italiano morto durante a guerra nos campos de batalha da Rússia, onde seu país lutava ao lado da Alemanha nazista de Hitler contra os comunistas de Stalin – o filme é dedicado à memória dos capelães que em defesa da pátria e da justiça lutaram contra os “sem Deus”. Em 1943, Mussolini é destituído do poder e a Itália se rende. Logo em 1945 vemos Rossellini ressurgir das cinzas com Roma, Cidade Aberta, onde apresenta (novamente) um padre católico italiano como herói, que pagou com a vida por proteger antifascistas. Em 1946, com Paisà, o cineasta mostra a luta dos guerrilheiros antifascistas e os primeiros contatos da população civil italiana com os soldados dos Estados Unidos. Durante 1948 Rossellini lança dois filmes, em 21 de agosto surge O Amor (que contém O Milagre) no Festival de Cinema de Veneza; Alemanha Ano Zero (Germania Anno Zero) estreou em 1 de dezembro. Essa repentina mudança de lado poderia soar para alguns como oportunismo da parte do cineasta para agradar os antigos inimigos de Mussolini (exceto a União Soviética) e a Igreja Católica. Contudo, tinha gente que jurava que O Milagre só poderia ter sido produzido pelos comunistas. Em 6 de janeiro de 1951, proclamava o jornal Motion Picture Herald (cujo editor, Martin Quigley, foi justamente quem veio com a ideia de submeter a indústria do cinema norte-americano a um código a ser gerido pela Igreja) (18):

“Um baluarte essencial do Mundo Ocidental contra o Comunismo – e a maior esperança de milhões reduzidos à escravidão atrás da Cortina de Ferro – é a prática e a fé religiosa... O Milagre é blasfematório... Seu simbolismo mal disfarçado é um ataque não apenas à fé cristã, mas a toda religião... Seu berço lógico... é a Rússia soviética, embora seja duvidoso que mesmo os comunistas na Rússia se atreveriam a fazer um filme tão ofensivo a tantos de seus cidadãos que ainda mantém a fé viva em seus corações... Com [norte-]americanos morrendo na [Guerra da] Coreia e a nação se preparando para a guerra total se necessário para preservar nosso estilo de vida, que se baseia na crença em Deus e nos inalienáveis direitos do homem, é intolerável que um filme como O Milagre possa ser mostrado num cinema [norte-]americano”  (19) (as duas imagens seguintes pertencem à sequência do mosteiro durante a invasão da Itália pelas tropas aliadas, em Paisà, 1946)


Roberto Rossellini declarou  que  em  sua  obra  seus  três  filmes
preferidos são Paisà, Europa ’51 e Francisco, Arauto de Deus (20)

Enquanto Rossellini foi encaixado no rótulo de neorrealista, os comunistas do PCI (Partido Comunista Italiano) esperavam dele uma repetição eterna de Roma, Cidade Aberta e Paisà, mostrando a decadência da burguesia e a verdade da vida nas ruas. Realizado logo após Stromboli, Francisco, Arauto de Deus, foi caracterizado por Willian Bruce Johnson como o trabalho de um seminarista talentoso – especialmente, insiste Johnson, quando comparado a filmes posteriores produzidos pela/para a cultura pop internacional como Godspell – A Esperança (Godspell: A Musical Based on the Gospel According to Saint Matthew, direção David Greene, 1973) e Jesus Cristo Superstar (Jesus Christ Superstar, direção Norman Jewison, 1973). Quando Rossellini passou a realizar filmes (onde pretendia contar a história da humanidade) para a televisão italiana (entre 1963 e 1974), já fazia muito tempo que os comunistas o consideravam um traidor. Alguns dos títulos dessa fase em grande medida ignorada de sua obra, e especialmente focados na história do catolicismo, são Atos dos Apóstolos (Atti degli Apostila, 1969), Blaise Pascal (1972), Agostinho (Agostino di Ippona, 1972), O Messias (Il Messia, 1975). Quando foi ao ar na televisão, consta que Blaise Pascal alcançou uma audiência de 10 milhões de espectadores. Os escritos de Pascal começaram a vender muito nas livrarias e o filme se transformou para os italianos numa introdução à obra deste pensador católico. Johnson resaltou que tal façanha foi alcançada por um Rossellini que não tolerava sentimentalismos, simplificações e as pirotecnias que Hollywood acha tão necessárias para atrair audiência.


A  perda  de  prestígio  de   Rossellini   depois  de  Roma, 
Cidade Aberta e Paisà se deve aos ataques moralistas contra ele, 
disparados tanto da Itália quanto dos Estados Unidos (21)

Na medida em que seus filmes focados em personagens religiosos se sucediam, Rossellini foi cada vez mais questionado a respeito de suas convicções religiosas. As respostas do cineasta eram consideradas evasivas e sua tendência a não se fazer visível em seus filmes também era vista com desdém, mas Johnson afirma que Rossellini apenas evitava aderir a rótulos. Rossellini explicou que desejava ser o mais objetivo possível, sem fazer propaganda de nada, sem transmitir mensagem alguma. “Eu não tenho ponto de vista”, declarou. Ao resumir seus retratos dos apóstolos, de Agostinho, Pascal e Luis XVI, ele escreveu: “Eu mostro os costumes, preconceitos, medos, aspirações ideias e agonias de uma época e lugar. Eu mostro um homem – um inovador – confrontando isso. E tenho um drama igual a qualquer outro drama já concebido ou ainda a sê-lo. Sempre evito a tentação de exaltar sua personalidade, limitando-me a observá-lo. Confrontar um homem com sua época me dá material suficiente para construir a ação e incitar curiosidade” (22). Numa entrevista em 1974, o cineasta concluiu: “Estou olhando para pessoas que acreditam em Deus. Eu deveria adicionar meus próprios pensamentos?” (23). Agindo desta forma, Rossellini se colocou a contrapelo da noção de “autor”, tão em voga naquela época. Certa vez o padre Patrick Peyton, conhecido por seu trabalho na televisão e no cinema, pároco de Hollywood e fundador da Cruzada do Rosário, convocou Rossellini para realizar um filme sobre Jesus. Peyton arranjou dinheiro de um lado e Rossellini conseguiu crédito no Banco do Vaticano – o cineasta escreveu ao Papa Paulo VI declarando-se um não crente que gostaria de fazer um filme sobre Jesus para não crentes. Baseado no Evangelho de João, O Messias foi filmado “objetivamente” e não incluiu milagres - “eu não preciso de milagres para saber que Jesus é Deus encarnado, de modo que possamos amá-lo”, declarou o cineasta (24). Rossellini esclareceu numa entrevista em 1975 por que privilegiou tanto as palavras de Cristo a ponto de ignorar seus milagres:

“(...) Com exceção da multiplicação dos pães, por exemplo, estão ausentes os numerosos milagres a que se referem os Evangelhos. Mas os milagres, no cinema, são muito fáceis. Podemos fazer o que quisermos no cinema, podemos até fazer voar os tapetes das Mil e Uma Noites. Não é através dos milagres que poderemos fazer o homem atual sentir a essência de Cristo para lhe dizer que era Cristo. Os milagres, num filme, não convencem. Num filme a respeito de Jesus, pelo contrário, é o conjunto das palavras pronunciadas por Jesus que convencem. Quem se lembra delas, quem realmente já leu essas palavras? Atualmente o mundo é dividido entre Cristianismo e Marxismo, mais uma infinidade de cristãos não sabem nada do que disse Jesus, assim como uma infinidade de marxistas ignoram tudo de Marx. Por este motivo meu Messias é inteiramente construído a partir das palavras de Cristo (...)” (25)


(...) Spellman insistiu que ‘produtores de zombarias raciais [isto é, 
anti-italianas]  religiosas  [isto é, anticatólicas]’ estavam soltos para
‘dividir e desmoralizar os [norte-]americanos, de modo que capangas
de Moscou   pudessem   escravizar   essa   terra   de   liberdade’ (...)

Retórica típica do ataque do Cardeal Spellman contra O Milagre (26)

Como aconteceu em relação a O Milagre, existem várias versões para a produção de O Messias. A escritora e produtora Silvia D’Amico Bendico afirmou que durante vários anos Peyton insistiu com Rossellini para que fizesse um filme sobre Nossa Senhora, e que foi o cineasta que acabou sugerindo Jesus como tema. De acordo com outra versão, Peyton teria sonhado com a Virgem Maria, que o teria instruído a chamar Rossellini, ao que o cineasta respondeu: “Bem, se foi a Nossa Senhora que disse isso...” (27). Depois de pronto, O Messias foi impedido de estrear nos Estados Unidos. O produtor do padre Peyton e outros consideraram muito “chato” a concentração “objetiva” no cotidiano de Jesus e a ausência de milagres, sugerindo inclusive que a falta deste segundo detalhe minasse a divindade Dele.

“(...) Quando um entrevistador sugeriu que O Messias parecia representar o milagre da Ressurreição, Rossellini se encrespou: ‘Eu procurei resistir a qualquer tipo de propaganda ou interpretação em meu trabalho. Estou obcecado por não pregar nada, porque acredito ser errado, uma violação das personalidades das pessoas assistindo. É melhor oferecer material e deixar cada ser humano pegar daí o que desejar. Às pessoas deveriam ser oferecido dados para trabalhar, e então – quem sabe? – talvez sejam capazes de apresentar algo novo. De qualquer forma, definitivamente eu não sou religioso. Sou o produto de uma sociedade que é religiosa entre outras coisas, e lido com a religião enquanto uma realidade. Após a conclusão do filme, Rossellini disse que se alguém tivesse perguntado, ‘Vejamos, Senhor Rossellini, o que pensa de Cristo? É isto que queremos saber’, ele teria respondido: ‘Não acho nada de Cristo. Estou contente em restabelecer aquilo que Cristo pensou’” (28) (imagem abaixo, Francisco, Arauto de Deus, 1950)


Liderados por  André Bazin,  seus admiradores franceses resgatariam
 Rossellini  dos  ataques moralistas,  apontando o caráter apolítico dele, 
sugerindo que o azar foi nascer num mundo rachado pela política (29)

Johnson se pergunta quanto a tendência nos Estados Unidos para uma tela de cinema sem liberdade. O Papa Pio XII teria elogiado a capacidade de um comunista (Rossellini) louvar o milagre da Virgem. Por outro lado, nos Estados Unidos, qualquer coisa que considerada um ataque à Virgem era creditada ao Comunismo. Na Itália da época, o rótulo de “comunista” tinha mais relação com a temática neorrealista do que com uma adesão direta ao PCI – o partido aplaudiu Roma, Cidade Aberta, mesmo que o herói fosse um padre, e cinco anos depois depreciou Stromboli, considerado uma adesão ao capitalismo, devido à presença da atriz rica Ingrid Bergman e o financiamento do milionário Howard Hughes. Enquanto isso, rumores circulavam de que O Milagre fora denunciado atrás da Cortina de Ferro pelas autoridades soviéticas como propaganda pró-católica. Johnson acredita que se aqueles que protestavam contra o filme em frente ao cinema Paris conhecessem a carreira de Rossellini, saberiam que trabalhou para Mussolini (que jamais empregaria um comunista) e que L’Uomo dalla Croce, baseado na vida real de um capelão do exército, é considerado um dos filmes mais pró-católicos de todos os tempos. Esse círculo vicioso adquire nova luz ao consideramos a abordagem do grupo de André Bazin, para quem Rossellini foi um apolítico jogado de um lado para outro num mundo sectário. A trilogia que realizou para Mussolini não era fascista. A trilogia neorrealista permaneceu indiferente à política da Resistência durante a guerra e a reconstrução do pós-guerra. O ciclo de filmes com Ingrid Bergman é sobre a busca da câmera por um momento espiritual nas relações humanas. Seus telefilmes são monumentos apartidários sobre a história da humanidade. “A continuidade de seu olhar espiritual [...] foi obscurecido por tentativas equivocadas de reduzi-lo ao nível do mundo transitório que constituía seu meio ambiente político” (30). (abaixo, padre católico questiona a sanidade de Irene em Europa '51)


Rossellini falava sobre Francisco, Arauto de Deus para o ator
Aldo  Fabrizi,   que   chamou   o   santo   de   louco.   Foi   quando
o cineasta  teve  a ideia  para  a  personagem de Europa ’51 (31)

De acordo com Johnson, o italiano Arroz Amargo (Riso Amaro, direção Giuseppe De Santis, 1949) é muito mais focado no coletivismo e na luta de classes, enquanto os filmes de Rossellini no pós-guerra são autoconscientes e anti-ideológicos, revelando o Humanismo do cineasta. Embora Rossellini tenha dito que seus filmes tratam do problema da fé, que a analisam, Johnson acredita que o cineasta simplesmente a abraça enquanto virtude humana central. Rossellini descreve os personagens de Ingrid Bergman como franciscanos em Stromboli e Europa ’51. No caso de Francisco, Arauto de Deus, Rossellini dizia estar sendo realista (ao apresentar o mundo simples e feliz de Francisco), enquanto outros o consideraram pessimista – auxiliaram na produção dois padres católicos e um dominicano. Declarada louca, a personagem de Bergman em Europa ’51 foi tratada como tal pelos psiquiatras, o padre, o comunista e o juiz, cujas mentalidades materialistas os impediam de reconhecer uma santa de verdade, tratando-a como trataram Nannina em O Milagre. Era o Conselho de Regentes (Board of Regents) que recebia os pedidos a favor e contra o banimento do filme. Fundado em 1784, tinha como objetivo impedir que a educação pública ficasse sob controle clerical. Tendo declarado por unanimidade O Milagre sacrílego, o Conselho solicitou à distribuidora do filme que justificasse por que as licenças não deveriam ser suspensas. Com toda essa publicidade, o cinema Paris lotou, mas também começou a receber ameaças de bombas, tendo sido evacuado por duas vezes. Aparentemente tirando proveito da oportunidade, o chefe dos bombeiros, ele próprio membro da Legião da Decência, conseguiu fechar o cinema durante 24 horas, alegando violações do código de incêndio da cidade de Nova York.

Mãe Só Tem Uma


A década de 1950 viu a popularização de estudos
em  torno  da  santidade  de  Maria especialmente
nas   Universidades   católicas   norte-americanas

Ao descrever o episódio em torno de O Milagre, William Bruce Johnson remete desde o início da colonização dos Estados Unidos até o imediato pós-guerra, contextualizando a reação contra o filme de Rossellini entre os norte-americanos num culto à Virgem Maria que antecede qualquer discussão em relação à liberdade de expressão. Desde a chegada de Colombo ao Novo Mundo, pelo menos uma coisa não foi diferente do ocorrido em toda a América Latina. A influência católica é visível nos próprios nomes de lugares, de regiões, cidades e acidentes geográficos. Portanto, desde a chegada de o início a Igreja Católica batizou a terra com nomes de santos. Muito tempo depois, em 1846, durante a Festa da Imaculada Conceição, Bispos católicos norte-americanos declararam Maria mãe de Deus como padroeira de toda aquela região que no futuro se tornaria os Estados Unidos, ato que foi ratificado pelo Papa Pio IX. Considerando a força do simbolismo de Maria na literatura, arte e poesia, os protestantes retomaram o ritual católico em torno dela, mas isso não duraria muito, já que ela se tornaria a heroína dos católicos contra o Protestantismo, Modernismo e Comunismo. A paranoia em relação a este último era tão grande que através de uma transmissão de rádio em 1941, poucos dias depois de Hitler invadir a União Soviética, o Papa Pio XII abençoou as tropas nazistas que pareciam estar na iminência de derrotar as tropas de Stalin – em 1937, Papa Pio XI condenou a auto-divinização dos nazistas (32). (imagem abaixo, abraçando o leproso em Francisco, Arauto de Deus, 1950)


Em  1949,  o Cardeal Spellman  subiu ao púlpito da catedral
de São Patrício, em Nova York,  para  alertar  os  norte-americanos
de que endemoniados pretendiam derrubar o governo dos Estados
Unidos através de crimes comunistas inspirados por Satã (33)

Roosevelt, então presidente dos Estados Unidos, teve de lembrar a Pio XII que a sobrevivência da Rússia era menos perigosa à Igreja e à humanidade em geral do que a sobrevivência do Nazismo – além, é claro, do fato de que os russos eram os únicos que naquele momento podiam enfrentar Hitler diretamente. Em outubro de 1942, com a iminência da derrota dos nazistas em Stalingrado, Pio XII abençoaria os russos através de outra emissão radiofônica. No final da Segunda Guerra Mundial muitos acreditavam que Maria desempenhou papel crucial na vitória das tropas aliadas contra Hitler, estima-se que entre 1945 e 1946 pelo menos 10.000 soldados norte-americanos visitaram em Lourdes a gruta da aparição da Santíssima Virgem; em maio de 1946 (mês de Maria), pelo menos 700,000 peregrinos foram à Fátima, em Portugal, agradecer Maria pelo fim da guerra - uma série de coincidências entre datas de eventos militares apenas corroboravam a crença. Em 1948, Pio XII colaborou com o governo norte-americano para que os comunistas não vencessem as eleições na Itália – o Democrata-Cristão Alcide De Gasperi recebeu 500 mil dólares em contribuição e artistas estadunidenses ajudaram na propaganda. Como Pio XII havia previsto, a vitória dos soviéticos levou ao fechamento e/ou dessacralização de igrejas nos países dominados por Moscou. Em 1947, Harry Truman, sucessor de Roosevelt, declarou como política de governo a contenção do Comunismo, tanto dentro quanto fora dos Estados Unidos – de acordo com o Cardeal Spellman, a cor azul na bandeira do país representa Maria, a padroeira do país. Pio XII deixou claro que para ele a mera existência do regime ateu e materialista soviético seria tão ofensiva a Deus que Ele nem esperaria por um ataque nuclear para acabar com o mundo. Numa entrevista a Mario Verdone em 1952, Rossellini também expressou a crença de que o “estilo de vida católico” do italiano o salvou durante a guerra:

“A habilidade para enxergar os dois lados do homem, olhar para ele com caridade, me parece ser uma atitude extremamente latina, italiana. Ela resulta de um grau de civilidade que foi nosso costume desde tempos muito antigos – o hábito de olhar todos os lados do homem. Para mim é extraordinariamente importante ter nascido numa sociedade como essa. Acredito que o que nos salvou dos desastres da guerra e outros flagelos terríveis foi essa visão que temos da vida, que é inquestionavelmente católica. O cristianismo não finge que tudo é bom e perfeito: reconhece o pecado e o erro, mas também admite a possibilidade de salvação. É o lado oposto que concebe que o homem é apenas absolutamente coerente e infalível. Para mim, isso é monstruoso e sem sentido. A única possibilidade que vejo para se aproximar da verdade e tentar compreender o pecado e ser tolerante com isso” (34) (imagem abaixo, a família das crianças que supostamente viram Nossa Senhora fazendo poses instruídas pelos fotógrafos da imprensa sensacionalista, A Doce Vida, 1960)


Desde o começo do cinema, temas religiosos como a Paixão de Cristo
 foram ditadas mais por motivos comerciais do que espiritualistas (35). 
A  evocação  da  Virgem Maria  por Rossellini, não importa quais suas
intenções   originais,    é    apenas    mais    um    elo    dessa    corrente

Em 15 de agosto de 1950, numa cidade do Estado norte-americano de Wisconsin, Maria teria alertado à esposa de um fazendeiro quanto ao perigo da invasão através da ajuda dos inimigos de Deus ao próprio país. Alguns dos 100,000 peregrinos que se juntaram no local alegaram que seus crucifixos mudaram de cor – a Igreja não reconheceu nenhum dos dois acontecimentos. Na mesma época, três dias antes da decisão em torno da definição da Assunção da Virgem Maria como dogma, Pio XII percebeu uma estranha atividade em torno do sol (do mesmo tipo que as três crianças viram em Fátima). Em sua opinião, esse foi um sinal de que a União Soviética finalmente se converteria ao imaculado coração de Maria. Monsenhor Fulton Sheen sugeriu que os males da vida moderna não seriam apenas fruto do Comunismo, mas também da teoria da civilização de Sigmund Freud baseada nos instintos sexuais e de morte. De qualquer forma, em sua opinião, a tese da assunção de Maria serve como uma espécie de antídoto em relação a certo cadáver embalsamado em Moscou, no túmulo de um dos principais líderes da revolução bolchevique de 1917, Vladimir Ilitch Ulianov (Lênin) (1870-1924), que ele considerava o anticristo.

Rossellini, Hollywood e a Fé


 Nunca ficou devidamente esclarecido de onde
 surgiu   a   história   contada    em   O  Milagre

Como era muito curto para ser lançado como longa-metragem, O Milagre foi combinado com A Voz Humana, versão da peça teatral homônima de Jean Cocteau. Os dois filmes são então agrupados sob o título O Amor (L’Amore. Due Storie d’Amore, 1948). Inicialmente atravessa o crivo da censura norte-americana sem problemas. Contudo, apesar de supérflua, a divisão de filmes da cidade de Nova York se mantém ativa, banindo filmes que já haviam sido liberados a nível federal. Por exemplo, baniram o já liberado Almas Perversas (Scarlet Street, direção Fritz Lang, 1945) e se recusaram a licenciar Colheita (Regain), dirigido por Marcel Pagnol em 1937, porque apresenta um casal cujo casamento não foi celebrado por um padre. Baniram o documentário The Forgotten Village (direção Herbert Kline e Alexander Hammid, 1941), também distribuído por Burstyn, porque mostra o rosto de uma mulher durante o parto – o Estado anulou a ação de Nova York, após protestos de organizações ditas respeitáveis. Apesar de tudo, Johnson considerou que Nova York não era tão restritiva assim, pois dos 9,463 filmes checados entre 1935 e 1940, apenas 99 foram rejeitados, enquanto o governo havia pedido 5,775 eliminações – em 1934, o Procurador Geral Martin Conboy convenceu o júri federal de que o filme tcheco Êxtase (Ekstase, direção Gustav Machatý, 1933) era obsceno porque mostrava o rosto da atriz (Hedy Lamarr antes da fama) durante um intercurso sexual, destruindo a cópia antes que pudesse ser avaliada. O Amor chegou às mãos da divisão de Nova York em 2 de março de 1949, que o liberou. O distribuidor Joseph Burstyn compra os direitos, separa O Milagre de A Voz Humana (barrado por problemas de direitos autorais ou devido a Rossellini ter vendidos os direitos a mais de um distribuidor), recombinando-o com Jofroi (direção Marcel Pagnol, 1934) e Um Dia no Campo (Partie de Campagne, direção Jean Renoir, 1936), e batiza a trilogia como Ways of Love (36).


 Considerado  uma  realização  secundária
 na obra de  RosselliniO Milagre nunca foi
 realmente analisado em profundidade (37)

A própria história da gênese do roteiro de O Milagre não é muito clara. Para Johnson, Fellini não foi claro a respeito da origem do tema, enquanto Rossellini pareceu apresentar uma fonte católica para o enredo com o objetivo de legitimar aquilo que noutras circunstâncias seria considerado blasfêmia. Em 1948, Fellini contou a uma revista de cinema que com apenas cinco dias para o início das filmagens e nenhum roteiro em mãos decidiu soltar a história de uma maluca que confunde um vagabundo com São José. Pressionado para dizer onde encontrou a história para que pudesse ser autorizada, afirmou que foi uma ideia sua mesmo. Quando Rossellini explicou a história para Magnani pela primeira vez, ele teria se reportado a um conto folclórico russo, algo que nenhum crítico, comentador ou advogado de direitos autorais seria capaz de averiguar – em 1955, Rossellini disse no Cahiers du Cinéma que Fellini lhe havia contado essa história levianamente que se tratava de um conto russo cujo autor ele esqueceu. Osservatore Romano e Corriere della Sera acharam que o enredo do filme era literário demais, lembrando Le Novella della Pescara, do poeta e dramaturgo italiano Gabriele D’Annunzio (1863-1938). Quando O Milagre estreou em Buenos Aires em setembro de 1948, acusaram Fellini de plagiar Flor de Santidad (1901/1904) do escritor Ramón del Valle-Inclán (1869-1936). Uma peça de Edward Knoblock datada de 1915, Marie-Odile também apresenta enredo similar – num convento, supostamente sem compreender o que estava fazendo, uma noviça transou com um soldado que ela acredita ser São Miguel, passando a tratar sua gravidez como um caso de imaculada concepção.


Em 1969, o cineasta italiano Franco Zeffirelli se manifestou
publicamente a favor da censura no país. Ao discordar, Fellini
disse que “é hora do italiano médio sair do estado de paralisia
mental  no  qual certas estruturas tendem a confiná-lo” (38)

Em 1954, Rossellini contou que sua inspiração para O Milagre foi o sermão de um frade franciscano, São Bernardino de Siena, onde um homem mata o cão da família, Bonino, porque suspeita que o animal houvesse matado seu irmão mais novo. Apenas depois percebe uma serpente morta próximo ao corpo do irmão e conclui que o cão a matou para defender seu dono. Como penitência, o homem enterra o cão e sucessivas gerações de peregrinos vem rezar no local sem saber de nada. Quando alguns milagres acontecem, constrói-se uma capela no local em honra do “santo” (39). Ninguém se importou ao descobrir que se tratava de um cão. Alguns anos mais tarde, Rossellini não caracterizaria mais a história como inspiração, mas apenas uma fonte católica respeitável para a legitimação de relatos de fé em circunstâncias variadas, que alguns poderiam interpretar como inapropriadas ou até mesmo blasfemas. Em 1970, na nova versão do cineasta tudo teria acontecido durante as filmagens de Paisà (1946). Rossellini encontra um monge, Fra Raffaelle, que lhe fala de mendigos “do mato” vivendo em áreas pobres da costa amalfitana – o encontro foi no monastério onde o cineasta encontrou os monges que levou para atuar em Paisà. O monge afirma ter visões de santos sempre, e até da Virgem Maria. Foi assim, concluiu Rossellini, que pensou no papel de Anna Magnani. Em O Milagre, um monge assegura a Nannina que as visões dela são legítimas, admitindo que ele mesmo vê a Madonna diariamente. Johnson observa que o próprio Rossellini, tanto quanto os críticos de cinema e os personagens do filme se referem à Nannina como “delirante”, “esquizofrênica”, “maluca”. Mas esta não seria, insistiu Johnson, a melhor maneira de compreender o personagem, especialmente à luz de Gelsomina, a heroína franciscana de A Estrada da Vida – com título original de La Strada, o famoso filme de Fellini seria lançado em 1954; na Itália cultua-se uma Madonna della Strada, o equivalente neste país da Nossa Senhora dos Caminhos.


O  Milagre, um  curtíssimo   filme   italiano   estigmatizado
pela hierarquia  católica  norte-americanamas  sem  o  qual
talvez o cinema ainda estivesse excluído das leis de proteção
à liberdade de expressão (pelo menos nos Estados Unidos)

Muito antes disso tudo, em 10 de janeiro de 1950, quando Rossellini soube pela primeira vez que Spellman havia denunciado o filme em Nova York, enviou uma mensagem ao Cardeal onde tentava pela primeira vez explicar sua intenção. O cineasta afirmou que realizou O Milagre “com um espírito humilde de irmandade para mostrar que a falta de caridade nos corações dos homens deu lugar a uma imensa escuridão e tristeza”, acrescentando que no filme “os homens estão ainda sem pena, porque ainda não retornaram a Deus, mas Deus já está presente na fé, apesar de confusa, da mulher pobre e perseguida. E, uma vez que Deus está onde quer que haja um ser humano incompreendido ou sofrendo, ‘O Milagre’ ocorre quando, durante o parto da criança, a mulher pobre e demente recobra a sanidade em seu amor maternal” (40). Todas essas palavras bonitas não foram suficientes para convencer Spellman, nem mesmo as tentativas nos Estados Unidos de mostrar a ele que boa parte dos julgamentos foi favorável ao filme. Em 12 de janeiro, Philip T. Hartung escreveu um artigo explicando que Rossellini pode até ter tido intenções sinceras, mas o filme resultante está perigosamente próximo do sacrilégio.


Para os juízes de Nova York, O Milagre deveria ser banido por
destruir a “relação sagrada” de Cristo, Maria e José, “associando-os...
com   alcoolismo,   sedução,   zombaria    e   apetite   sexual” (41)

Em julho de 1953, o cineasta francês Eric Rohmer e Fereydoun Hoveyda consideraram O Milagre, Francisco, Arauto de Deus e Europa ‘51, como “novas pedras nessa catedral que a cristandade nunca termina de construir para a glória de Deus”. Para Rohmer, O Milagre, Stromboli, mas também A Estrada da Vida, de Fellini, carregam todos a mesma moral (o ser mais perto de Deus é o mais humilde e mais desgraçado). Em 1957, Raymond Bordes referiu-se a Rossellini e Fellini como tementes a Deus através de lentes franciscanas. Em 1961, Andrew Sarris chegou a chamar Rossellini de “o mais católico de todos os diretores”. Ao abordar O Milagre em seu documentário, Minha Viagem à Itália (Il Mio Viaggio in Italia, 2001), o cineasta norte-americano Martin Scorsese lembra que para Rossellini o Cristianismo não faz sentido se não puder aceitar o pecado e permitir sua redenção. “Existem alguns grandes artistas católicos”, sugeriu Scorsese durante conversas com Richard Schickel em 2010, “por exemplo, Roberto Rossellini e seu filme Europa ‘51”. Para Scorsese, aquilo tinha relação com a esperança, com as lições do Novo Testamento, com a compaixão. Para o cineasta norte-americano, Rossellini não tinha as respostas (42). Em 1954, Rossellini resumiu para seus colegas franceses Rohmer e François Truffaut a saga de Nannina: “(...) É uma pobre louca, que tem uma espécie de mania religiosa, mas, para além dessa mania, a fé, verdadeira, profunda... Admito que aquilo em que acredita também possa ser blasfêmia; mas aquela fé é tão grande, que aquela fé a recompensa: o seu gesto é absolutamente humano e normal: dar o seio ao filho [neste momento, a poucos segundos do final do filme, Rossellini se dá ao trabalho de não mostrar o seio, apenas insinuando  o gesto] (...)” (43).


Até que a polêmica em torno de O Milagre viesse à tona, 
nos trinta anos anteriores a definição de “sacrilégio” ancorou
na sugestão de que “todo mundo sabe” o que significa (44)

Segundo Johnson, as acusações de Masterson contra O Milagre teriam sido mais apropriadas a um filme proveniente de Hollywood como Papai por Acaso (Miracle of Morgan’s Creek, direção Preston Sturges, 1944), onde a mocinha parece ter sido engravidada num baile de soldados, mas são sabe dizer quem é o pai e convence um amigo a assumir a identidade dele. Além do mais, a mulher sente as primeiras dores em frente a uma vaca e dá a luz a sêxtuplos na manhã de Natal. Resumindo, poderia muito bem passar por uma narrativa blasfema, uma releitura o nascimento de Cristo, a Virgem Maria como uma amante da diversão e das festas, São José um fanhoso recusado no exército (note-se que o filme foi lançado durante a Segunda Guerra) e Deus (ou o arcanjo Gabriel) como um soldado desconhecido que talvez se chame Ratzkiwartzki. Para Johnson, isso foi o resultado tanto da incapacidade intelectual dos julgadores quanto do fato incontestável de que Hollywood havia se tornado então uma propagandista da Igreja Católica. 

“(...) A estreita relação da Igreja com Hollywood, lançado em meados da década de 1930, não por boicote ou preocupações comuns, mas sim através do estrangulamento de uma ameaça de boicote, ao final dos anos 1940 tinha evoluído para um arranjo simbiótico pelo qual a Igreja continua a exercer substancial poder em relação àquilo que Hollywood produziu - não mais exercido por ameaças porque não eram mais necessárias -, mas pelo qual Hollywood também se tornou o propagandista da Igreja, representando-a para a América e o mundo. O fez, não por admiração, mas como uma forma extra de consideração na barganha em curso. Com os Braços Abertos [Boys Town, direção, Norman Taurog, 1938] A Canção de Bernadette [The Song of Bernadette, direção Henry King, 1943], [erroneamente atribuídos por Johnson ao cineasta Leo McCarey], e Sublime Ideal  [Fighting Father Dunne, direção Ted Tetzlaff, 1948] todos demonstram que Hollywood agora ‘vende’ a Igreja tanto quanto já vendera ‘vendeu’ banheiras suntuosas, carros de fuga e mulheres decaídas. Se está para ser feito um filme a respeito de Joana D’Arc, ou se o Cardeal Richelieu tem uma cena de passeio, apenas uma versão Católica da história poderá contar [- alusão a proposta da Legião da Decência fosse completamente cortado o personagem do Cardeal em Os Três Mosqueteiros (The Three Musketeers, direção George Sidney, 1948), uma vez que o autor, Alexandre Dumas, em 1844, retratou o religioso como alguém mundano e inescrupuloso] (45). Como André Bazin comentou com ironia: tanto para a decadência de Hollywood” (46) (imagem abaixo, o circo midiático na sequência do milagre, A Doce Vida)


 A Doce Vida  mostra  a  repercussão  de  um  suposto milagre; 
a Igreja duvida, já a mídia transforma tudo num circo. O jornal do 
Vaticano odiou o filme, enquanto os jesuítas o defenderam (47)

Ambos não estavam interessados em liberdade intelectual ou artística e Hollywood apresentava a Igreja da forma mais limitada possível, através de mensagens adocicadas pró-católicas. Lançado em setembro de 1949, um filme como Falam os Sinos (Come to the Stable, direção Henry Koster) funcionou como um cartão verdadeiro de Natal (duas freiras chegam da França nos Estados Unidos, onde pretendem construir hospital infantil numa cidade convenientemente chamada Belém; lá chegado através de cartão postal com presépio, pintado por uma artista local). Na opinião de Johnson, o filme é focado demais em coincidências (que levam à construção do hospital) para explicar porque as coisas dão certo, uma explicação basicamente não católica. Sendo assim, Falam os Sinos constituiria menos uma exposição da fé católica do que uma tentativa de manipular nossos sentimentos em relação à fé católica e sua eficácia em conseguir efetivar boas ações. “O Milagre, pelo contrário, é sobre eventos naturais, dor, amor, isolamento, fé, pecado, e – como observou Martin Scorcese – a possibilidade de redenção. Detestando o sentimentalismo de Hollywood, Rossellini não faz rodeios” (48). Outro exemplo emblemático é o caso de Papai Noel. É sabido que sua imagem tem mais a ver com uma série de anúncios criados para a Coca-Cola pelo estadunidense Haddon Sundblom do que com o mundo dos santos. A Igreja Católica não o reconhece como um de seus santos (sendo um descendente distante de São Nicolau), mas não protestou contra De Ilusão Também Se Vive (também conhecido no Brasil como Milagre na Rua 34, Miracle on 43th Street, direção George Seaton, 1947), onde um Papai Noel de aluguel acredita que é o verdadeiro. A questão, explicou Johnson, é que a cúpula católica compreendeu o desastre de relações públicas que seria uma manchete como: “A Igreja não Acredita em Papai Noel”.


 “Eu acho que O Milagre é uma obra absolutamente católica”(...)
 “[Nannina  é]  uma  pobre  louca,  que  tem  uma espécie de mania
 religiosa, mas, além dessa mania, a fé, verdadeira, profunda (...)

Roberto Rossellini, Cahiers du Cinéma, julho de 1954 (49)

Outrora grandes inimigos, Hollywood e a Igreja passaram a falar a mesma língua a partir da década de 1930 e começam a enxergar o mundo através das mesmas lentes. Para Johnson, tal relação simbiótica é largamente demonstrada em O Milagre dos Sinos (The Miracle of the Bells, direção Irving Pichel, 1948). Partindo de uma premissa fundamentalmente sacrílega, um publicitário de Hollywood que convence o padre a não revelar que o suposto milagre é uma fraude, alcança-se tanto a disseminação da fé cega quanto a eficácia de uma campanha publicitária. O padre sabe que as estátuas de Maria e São Miguel se moveram devido ao preso no solo da grande quantidade de pessoas presentes no local; sendo explicável por outras causas, não se trata de um milagre! Mas... Como sugere o agente de imprensa de Hollywood Bill Dunnigan ao padre Paulo, “que diferença faz se Deus está falando ‘lá de cima’ ou apenas através dos corações das pessoas?” O “final feliz” do filme é alcançado com a construção de um hospital para problemas pulmonares (a cidade é escrava da indústria da mineração do carvão). Vai se tornado cada vez mais difícil compreender os argumentos contra o filme de Rossellini.


(...) [Nannina]   pode   acreditar   em   tudo   o   que   quiser. 
Admito  que  aquilo  em   que  acredita  possa  ser  blasfêmia; 
mas aquela fé é tão grande, que aquela fé a recompensa (...)” 

Roberto Rossellini, Cahiers du Cinéma, julho de 1954 (50)

O receio de um correligionário da Legião da Decência como Patrick J. Masterson em relação a O Milagre (de Rossellini) era de que alguém que não conheça nada sobre o nascimento de Cristo pode acreditar que foi fruto de ligação carnal ou, pior ainda, entre uma doida e um andarilho sedutor – argumento frágil, considerando o sacrilégio explícito em O Milagre dos Sinos. De qualquer forma, nos primeiros séculos do Cristianismo tal interpretação era utilizada para ridicularizar a fé cristã. Na opinião de Johnson, Rossellini não se interessava por esse tipo de hipótese, que às vezes ressurgiam em livros publicados justamente naquela década de 1950. Para Johnson, Masterson foi incapaz de compreender que Nannina estava carregando a própria salvação no ventre. Contudo, esclareceu Johnson, o Catolicismo estadunidense estava muito sensível, é provável que qualquer filme que abordasse milagres (especialmente a gravidez da Virgem) teria suscitado reações análogas. Apesar disso, Johnson considera inexplicável que um filme como A Voz que Vão Ouvir (The Next Voice You Hear..., direção William A. Wellman, 1950) não tenha sofrido nenhuma restrição – neste filme, a voz de Deus é ouvida por todos através do rádio. O italiano Piero Regnoli, cineasta, roteirista e produtor, mas também crítico cinematográfico do jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, já havia escrito em 12 de novembro de 1948 que a “carnalidade” (sensualidade) em O Milagre o torna mortalmente censurável, uma vez que o nascimento não marital “não é suavizado pela fé de Nannina; ao invés disso, a coloração psicopata e pseudorreligiosa se mantém, infelizmente, um elemento negativo importante” (51). Para Johnson, Nannina deveria despertar compaixão, não o desdém de críticos como Spellman ou Masterson:

“(...) Repudiá-la como ‘meio demente’, uma ‘débil metal’ e uma ‘palerma’ (termos de Masterson), ou uma ‘mulher idiota’ (termo de Spellman), é profundamente inapropriado, indicando uma falha grosseira de simpatia, [algo] decepcionante em homens presumivelmente treinados para um compromisso pastoral, ao mesmo tempo em que investe com uma ironia infeliz os nomes cristãos de Spellman – ‘Francis Joseph’. Rossellini capturou a inocência de uma fé religiosa privada de tudo: de laços adequados com a comunidade, mesmo da ‘sanidade’ bidimensional do dia a dia em função da qual reivindicamos superioridade sobre gente como Nannina” (52) (as próximas duas imagens mostram a sequência do milagre em A Doce Vida)

Quem te Pariu? 


“É um milagre. A Nossa Senhora se lembra de todos”

 Frase  do  pai  das  crianças  para  quem
Nossa Senhora apareceu,   A Doce Vida

Fellini é reconhecido como o cineasta que dirigiu A Doce Vida, mas pouco se comenta que o roteiro do filme foi escrito por muitas mãos. Fellini escreveu a história com mais duas pessoas, o roteiro subsequente ainda contaria com mais um par de mãos. Mas sobrou para Fellini a tarefa interminável de “explicar” o filme, tanto para a Igreja quanto para a plateia de fiéis católicos que seguiam seus líderes cegamente. Em 1965, numa entrevista a Alberto Moravia, ficamos sabendo que o Departamento Católico do Cinema Italiano considerou o filme “moralmente inaceitável” (53). Durante a sequência do milagre, quando se diz que a Nossa Senhora teria aparecido para duas crianças na periferia de Roma, a televisão tenta coreografar um “espetáculo realista” para que o produto resultante agrade o espectador (assim como, cada vez mais, os anunciantes), chegando a ponto de pedir aos pais e o avô das crianças que façam certas poses para a câmera dos fotógrafos. Enquanto isso Marcello, o repórter frustrado, procura fazer seu papel e pergunta a opinião do padre católico que está no local do “circo” que foi montado em torno do suposto milagre. A resposta do padre:

“Não creio. Deus faz milagres em qualquer lugar. Alias, ocorrem mais aos carentes. Mas uma vez, uma vez em mil. ‘Não poderia ser essa a vez!’, perguntou o repórter. Não! Estou convencido de que as crianças agem de má fé. Porque quem viu Nossa Senhora tem outro rosto, outro olhar. Não especula sobre isso. Os milagres ocorrem no recolhimento, no silêncio, não nessa confusão [o padre abre os braços em direção ao campo repleto de pessoas e equipamentos de emissoras de televisão]”


“Não   querem   acreditar!   Não   importa   se   era    ou    não
 Nossa Senhora. [...] A Itália é rica em forças naturais e sobrenaturais. 
Todos sofrem influência. Quem procura encontra onde quer”

Comentário de uma  senhora  em  relação à insistência em se questionar a certeza
das crianças de que realmente Nossa Senhora apareceu para elas em A Doce Vida

Talvez por isso, em O Milagre, Nannina considere natural imaginar que sua gravidez é mais do que o resultado do encontro com um estranho – leve-se ainda em conta que a leitura dela é a do Evangelho de Mateus, onde José é o protetor de Maria, não o pai de Cristo. Quando uma freira insistiu que ela deveria confessar o pecado que levou à gravidez, Nannina fica indignada e responde que tem certeza de que foi amada pelo Senhor. Para Johnson, se o José bíblico tivesse abandonado a Virgem Maria aos olhares vingativos da aldeia deles, talvez terminasse na mesma situação e teria dito a mesma coisa. Mas Rossellini não se contentou apenas em criar uma empatia entre a plateia e Nannina conta os habitantes da aldeia, pois muitos deles se vestem “como nós”. Eles conhecem os rituais da religião, mas não demonstram conhecer Maria e suas mensagens radicais de perdão e amor incondicional. Por outro lado, o cineasta não se esquece de colocar em Nannina o germe do demônio, como quando ela rouba uma maçã durante a missa, ao abrir parte da blusa na frente do andarilho, para perceber que foi ela quem seduziu o estranho na montanha. Além da maçã, os bodes que ela pastoreia no início do filme são outra clara alusão à Bíblia. De acordo com São Mateus, entre as razões para a superioridade do Cristianismo em relação ao Judaísmo é que Cristo, ao se sacrificar, pode eliminar os pecados de muitos, enquanto o sacrifício anual de um bode pelos judeus não. Apesar das muitas alusões bíblicas que Johnson encontrou em O Milagre, admite que sejam apenas especulações e que Rossellini não teria feito uma opção tão simplista. Na opinião de Johnson, o filme não é um quebra-cabeças acadêmico, mas uma obra de arte que reverbera intensamente a sacralidade presente na atmosfera da cultura católica italiana (54). Numa entrevista ao Cahiers du Cinéma em 1954, Rossellini desabafou:

“(...) [Nannina] é uma pobre louca, que tem uma espécie de mania religiosa, mas, além dessa mania, a fé, verdadeira, profunda. Ela pode acreditar em tudo o que quiser. Admito que aquilo em que acredita também possa ser uma blasfêmia; mas aquela fé é tão grande, que aquela fé a recompensa: o seu gesto é absolutamente humano e normal: dar o seio ao filho [que Rossellini nem mesmo mostra diretamente]. Há católicos que foram pelo filme, outros que tiveram medo que o filme não fosse compreendido; finalmente, os que me julgaram de má fé” (55) (imagem abaixo, Europa '51, 1952)


 “As    pessoas    hoje    só    sabem     viver     em     sociedade,
não   em   comunidade ‘A  alma  da  sociedade  é  a  lei.  A  alma
da    comunidade    é    o    amor’.     Foi    assim    que   Rossellini
descreveu em 1963 o filme que fez sobre a Europa, em 1951”

Martin Scorsese, 
referência à Europa’51 em seu documentário, Minha Viajem à Itália (2001)

Uma autorização do governo italiano para exibição no país veio em agosto de 1948. O Vaticano optou por não banir O Milagre, caracterizando-o como uma versão moderna do milagre da Virgem Maria. Na estreia, em setembro daquele ano, a Azione Cattolica Italiana seguiu a Legião da Decência e o considerou uma profanação. Já Il Popolo, jornal oficial do Partido Democrata-Cristão, considerou o filme maravilhoso, de forma alguma passível de mal entendidos. As coisas não correram tão bem nos Estados Unidos. Durante a estreia em Nova York, o padre Masterson não conseguiu suspender a seção e, quando posteriormente solicitou mais uma avaliação do filme, conseguiu apenas que fosse explicitado que em vários códigos de censura (Nova York, Pensilvânia e Hollywood) eram muito vagas as definições de “sacrilégio”, “obsceno”, “desumano”, “indecente”. Os censores da Motion Picture Division eram muito preparados profissional e intelectualmente (além de muito bem pagos), mas isso não impediu que figuras sem ligação como Masterson e McCaffrey, que não tinham nenhuma relação com a Divisão, procurassem fazer valer seus pontos de vista.

“(...) Em Silverman x Gilchrist [1919], um caso que antecedeu o estatuto do Instituto de Cinema de Nova York, a corte concluiu que quando pessoas razoáveis discordam em relação a se um filme sobre doença venérea poderia ser mostrado, o comissário de Nova York encarregado de licenciamento age razoavelmente ao concluir que não deve sê-lo; isto é, um filme deve ser banido porque é controverso. Um comunicado de imprensa de 10 de janeiro de 1951 por Glenn L. Archer, diretor executivo de Protestantes e Outros Americanos Unidos pela Separação de Igreja e Estado, alegou que Spellman estava por trás das ações de McCaffrey” (56)

Para evitar maiores problemas, o cinema Paris substituiu o filme, mas no dia de Natal O Milagre receberia um “C” (condenado) da Legião da Decência. Então os críticos de Nova York contra atacaram McCaffrey concedendo o prêmio de melhor filme do ano a Ways of Love:

“(...) O jovem escritor Clancy Sigal escreve para McCaffrey, com uma cópia para [Vincent R.] Impellitteri, afirmando que Rossellini ‘[lançou] neste filme uma denúncia comovente, poderosa, mordaz, da intolerância e fanatismo daqueles [...] que escolheram acreditar numa simples e fervorosa fé. Ainda que seja verdade que o significado profundo do filme está aberto à interpretação, apenas um fanático, um idiota ou um filisteu poderia interpretar O Milagre como blasfemo ou imoral ou um desrespeito à Igreja Matriz. Se condenarmos o filme porque utiliza como material básico símbolos e apetrechos da Igreja, então deveríamos também atacar um pouco da grande literatura, teatro e cinema de nossa era, incluindo aquela que foi criada por eminentes artistas católicos... É bastante irônico que você proíba este filme, quando deixa passar sem o mínimo protesto o profundamente imoral lixo de Hollywood, que entope nossas telas de Nova York com seu fedor decorrente de sexo malicioso, brutalidade irracional e glamorizada e monumentalização estética de imoralidade social’. [...] Um cartão postal enviado ao New York Times afirmava: ‘Se [McCaffrey] pode escapar dessa, você também pode começar a trazer seis livros para uma fogueira em City Hall”’ (57)


“Em  sua  pressa  para  exorcizar  o  Marxismo  da  vida
[norte-]americana,  Spellman  parece  disposto  a  rejeitar
reforma social... e até mesmo o próprio liberalismo” (58)

O Cardeal Spellman desaprovou a atitude da New York Film Critics, sugerindo que esse grupo premiou uma obra que milhões desaprovaram. A revista Life, chamou de retrógrada a atitude de Edward T. McCaffrey (antigo chefe de Estado dos Veteranos de Guerra Católicos e comissário de licenças de Nova York):

“(...) Spellman comentou com sua amiga, a colunista de fofocas Louella Parsons: ‘é certamente uma interessante observação a respeito... do cenário [norte-]americano quando os críticos de cinema de Nova York deram um prêmio para o melhor filme estrangeiro a um que tantos milhões consideraram ser o pior’. De fato, apenas alguns milhares de pessoas assistiram ao filme, e não existe nenhuma evidência de que qualquer quantidade significativa tenha reagido negativamente. Como a [União Americana das Liberdades Civis (American Civil Liberties Union - ACLU)] e outros solicitaram a [Vincent R.] Impellitteri que impedisse McCaffrey, a poeta Muriel Rukeyser arranjou para que pessoas interessadas nas artes participassem de uma projeção privada, presumivelmente para oferecer seu apoio para lutar contra o banimento. Apesar de a situação ter sido coberta pelos jornais de Nova York e Hollywood, tornou-se um [assunto] ‘nacional’ quando a revista Life classificou a ação de McCaffrey ‘um admirável exemplo de como burocratas de menor importância podem encontrar formas de transformar em lei seus preconceitos pessoais’. O jornal nova-iorquino France Amérique, aliando-se ao cinema Paris de propriedade francesa sugeriu que, por uma questão de coerência, a produção anual de Natal no Radio City Music Hall deveria remover ao cenário do Menino Jesus de sua base entre Mickey Mouse e a atuação de uma foca treinada” (59)


Nos Estados Unidos, em seu ataque contra Rossellini
 o  Comitê  Interestadual  de  Comércio  o  chamou  de  fascista, 
de viciado em narcóticos, de paciente psiquiátrico e de amante
de atriz nazista durante a Segunda Grande Guerra (60)

Durante a preparação para a audiência que decidiria a sorte de O Milagre em Nova York, o juiz Greenberg estava quase para suspender o banimento quando resolveu telefonar para McCaffrey. Ao retornar para a seção, Greenberg trouxe uma mensagem do colega, que teria dito que não desejava agir de forma tirânica, mostrando-se disposto a suspender a proibição até uma próxima seção – McCaffrey sempre desejou simplesmente banir o filme. No dia seguinte Walter P. Kellenberg, secretário do Cardeal Spellman, soltou uma nota afirmando que o filme constituía um insulto direto à fé de milhões de habitantes da cidade e pelo mundo afora. Na Grã-Bretanha, enquanto Londres o acolheu, O Milagre foi banido de Middlesex, Essex e Sussex. O julgamento foi remarcado e seria presidido por Aron Steuer, que pediu que o convencessem de que o banimento configurava abuso de poder. McCaffrey insistiu que o filme ridiculariza e ataca os católicos. Spellman leu uma mensagem em pleno púlpito da Catedral de São Patrício pedindo que não apenas os 1 milhão e 250 mil católicos nova-iorquinos, mas a totalidade dos 26 milhões espalhados pelos Estados Unidos, boicotassem O Milagre. Quando o repórter (e católico) Thomas M. Pryor, do The Times, partiu em busca de notícias na Arquidiocese, foi advertido de que seria excomungado caso afirmasse publicamente que o filme tinha algum mérito. Por outro lado, existia também na mesma época a relação entre Rossellini e a atriz Ingrid Bergman (mulher casada que abandonou marido e filho para ficar com o cineasta). O Milagre, afirmavam alguns como Spellman, difamava as mulheres, assim como Rossellini já teria feito com Bergman, imigrante sueca que foi para Hollywood e contava com uma aura de mulher dos sonhos dos católicos – especialmente depois de Joana D’Arc (Joan of Arc, direção Victor Fleming, 1948). Em relação a seu último projeto com a atriz, O Medo (Non credo più all'amore (La paura), 1954), baseado em texto de Stefan Zweig, Rossellini queria mostrar a importância da declaração, da confissão: a mulher está em falta e pode libertar-se confessando (61).

“(...) Embora não parecesse que Spellman tivesse realmente assistido O Milagre, não teve problema em declarar que ‘apenas Satã’ faria tal filme. Caracterizando seu tema como ‘a sedução de uma mulher italiana aparvalhada, ele comentou: ‘A sedução de qualquer mulher abobalhada, independentemente da raça, é revoltante. É arte em seu mais baixo nível. Dar a essa história da sedução de uma mulher idiota o título de O Milagre, no fundo constitui uma enganação diabólica. O filme deveria ser mais apropriadamente intitulado Mulher Difamada Mais Ainda, por Roberto Rossellini’. Para os católicos que não haviam assistido ao filme (e Spellman acabará de pedir que os católicos não o fizessem), a essência desta mensagem, presumivelmente derivada de informação passada de Masterson para Spellman, senhora Looram e/ou outros, foi de que o ‘milagre’ referido no título era a sedução de Nannina por um estranho. O que Spellman queria dizer com “ainda mais” em Mulher Difamada Ainda Mais não era difícil de captar, uma vez que a imprensa já havia passado por um frenesi alimentar com a história de Rossellini ter recentemente ‘difamado’ Ingrid Bergman. Sendo assim, haveria alguma verdade no que um jornal do Tennessee afirmou: que a controvérsia do Milagre era realmente a respeito do ‘sacrilégio real’ de Rossellini: arrancando Ingrid Bergman, a Diana de Hollywood, de seu pedestal de gesso’. Em questão de horas após o discurso de Spellman, católicos estavam protestando em frente ao cinema Paris. Um dos cartazes dizia: ‘Este Filme é um Insulto a Cada Mulher Decente e Sua Mãe’” (62)


As  coincidências  entre  o  caso com Ingrid Bergman e O Milagre 
fariam de Rossellini o único cineasta   condenado  por  unanimidade
no Senado dos Estados Unidos. Com seu nome na lista negra, o filme
virou subtexto de manchetes alarmistas durante a Guerra Fria (63)

Para piorar a situação, Bergman estava grávida de Rossellini, o que levou alguns a sustentar que a atriz estivesse usando o escândalo para aumentar a bilheteria de Stromboli (Stromboli, terra di Dio, 1950), primeiro filme do cineasta em que atuou. Não demorou para que uma revista jurídica norte-americana sugerisse que os censores  deveriam ir além do conteúdo dos filmes, avaliando também a situação daqueles que os realizam. A reação ao caso Bergman-Rossellini se tornou um exemplo nos anais da hipocrisia explícita. Foi grande a responsabilidade de Louella Parsons na dimensão do escândalo, revelando inclusive à que nível o público norte-americano pode levar sua repressão sexual. Ao revelar a gravidez de Bergman, Parsons teria ultrapassado a barreira construída conjuntamente por Hollywood e a Igreja que separava os retratos açucarados mostrados nas telas de cinema e a vida como ela é, especialmente no que diz respeito à sexualidade. Resumidamente, o público, aquele público, concluiu que Ingrid Bergman pecou ao engravidar de outro homem fora do casamento e se transformou no bode expiatório para os pecados de todos (cometidos ou apenas imaginados). Milhões de pessoas, explicou Johnson, reagiram como se tivessem sido vítimas de uma traição pessoal. Todos os maridos se sentiram injustiçado, e as esposas se sentiram culpadas. Ainda que frequentemente, seguiu Johnson, psicanalistas e outros especialistas em comportamento periodicamente tentem explicar como operam tais síndromes coletivas, nunca chegaram tão perto quanto Alexis de Tocqueville (1805-1859) (em Democracia na América, 1835), para quem a América do Norte é uma nação de pessoas decentes e comuns que vivem em perpétua prática de auto-aplauso. Ao transferir seus pecados (cometidos ou não) para sua estrela de cinema favorita, aquele público norte-americano podia uma vez mais afirmar sua inocência coletiva.

“incapazes de examinar e encarar qualquer lapso no próprio comportamento, não tinham nenhum interesse na ironia de que a transformação de Bergman em bode expiatório de alguma forma replicava aquilo que os habitantes da pequena cidade fizeram com Nannina em Il Miracolo. Em meio a bombásticas acusações de que O Milagre era sacrílego, blasfematório, insultante, desagradável, etc., ninguém parecia perceber seu penetrante insight no interior da hipocrisia humana” (64)

A 1ª Emenda


Enquanto ministros protestantes afirmam que a controvérsia
de O Milagre apresentou uma questão de liberdade de expressão, 
a  questão  real    é    se    autoridades    civis    foram    habilitadas 
“para   garantir  aos cidadãos   o   direito de violar a lei moral”

Opinião do então Monsenhor Raymond Philip Etteldorf (65)

Em 1952, durante a audiência de apelação contra a decisão de banimento de O Milagre, foram elaborados muitos pareceres contrários à interpretação do filme como blasfemo. O Comitê para o Bem Estar Católico do Estado de Nova York, o Comitê de Nova York para as Liberdades Civis, além de uma avalanche de cartas de proeminentes Batistas, Evangélicos, Presbiterianos, Metodistas, Rabis e professores, cujas opiniões foram incluídas pelo comentário do historiador da arte H.W. Jason, para quem é inconcebível que O Milagre fosse interpretado como blasfêmia ou sequer antirreligioso. Otto L. Spaeth, líder católico leigo, diretor da Federação Americana de Artes, afirmou que a única blasfêmia no filme veio da parte dos habitantes daquela aldeia, incapazes de parar importunar a pobre mulher, nem mesmo quando cantaram um hino à Nossa Senhora (“Viva Maria, Maria, Maria...”), zombando tanto Dela quanto de Nannina (que ainda não percebeu que as pessoas a estão chamando de mendiga maluca). Durante a apelação, os três juízes ouviram a três horas de argumentos a favor do filme, entre os pontos levantados por Burstyn estava questão Mutual Film (66). 


Já em 1949 alguns católicos consideravam que a censura católica
estava  ficando  fora  de  controle,  e  que se tratava se uma tentativa
patética de  nobreza  por  parte  de  pessoas sem muita cultura (67)

Em 1915, o estúdio de cinema Mutual tentou afirmar que a aplicação da censura ao cinema viola a 1ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, aplicável aos Estados que compõem a União através da 14ª Emenda. Ainda que o argumento tenha sido rejeitado, durante as décadas de 1920 e 1930, a Suprema Corte declarou reiteradamente que as cláusulas de liberdade de expressão e imprensa livre asseguram sim a proteção contra ações por um Estado. No caso Paramount, o juiz Douglas entendeu que a 1ª Emenda pode também proteger um filme. Nada disso foi suficiente e os três juízes reafirmaram o banimento, repetindo quase literalmente a decisão do juiz Mckenna no caso Mutual: filmes de cinema não são protegidos pelos princípios de liberdade de expressão porque são exibidos por razões apenas de puro entretenimento, não sendo incluídos na categoria de investigação e discussão. Como se não fosse suficiente, a corte ainda caracterizou o filme de Rossellini como uma forma de constrangimento da liberdade das pessoas cultuarem a religião da maneira como lhes interessar, o que equivale a dizer que Rossellini estaria trancando com cadeado as portas das igrejas católicas de Nova York. Contudo, certos debates em torno de revistas de entretenimento puro e simples levou alguns juízes a concluir que, mesmo não demonstrando relevância de forma mais aparente, publicações como essas também deveriam estar sob a proteção da 1ª Emenda – levando ainda em consideração que, mesmo literatura dita relevante, pode ou não ser considerada como tal de acordo com a opinião de cada leitor, não sendo intrínseca a ela nenhuma “superioridade”. Tal decisão poderia levar à inclusão do cinema, ainda considerado “mero” entretenimento, sob o abrigo desta mesma proteção. 


Para além das questões da liberdade de expressão e da separação
entre  Estado  e  Igreja,   as  definições  de   “sacrilégio”  e  blasfêmia”
utilizadas  por  Spellman  e  a  Legião da Decência eram frágeis para
sustentar  um  argumento  contra  O Milagre  na  Suprema  Corte

Em 4 de fevereiro de 1952, a Suprema Corte anunciou que examinaria novamente o caso de Joseph Burstyn pela liberação de O Milagre. Seu advogado argumentou que os estatutos de Nova York (o que também era verdade para os estatutos dos demais Estados e da União) eram vagos e a palavra “sacrilégio” não é devidamente especificada. Falhando em especificar qual conduta é ou não fora da lei, o caráter vago desta palavra configuraria violação da 1ª e da 14ª emendas. Quando utilizada para a restrição a qualquer obra, tal violação leva à eliminação da discussão em torno do conteúdo de O Milagre, em especial ao fim da necessidade de decidir se o filme é ou não sacrílego. Além do mais, se um Estado pode banir um filme acusando-o de sacrilégio, com efeito, está concomitantemente afirmando ser competente para decidir a respeito de matéria religiosa, postura que ameaça derrubar o muro de separação entre o Estado e a Igreja, levantado por Thomas Jefferson. Mais ou menos uma década depois, em 1965, será banida a prática da oração no início de cada dia nas escolas públicas norte-americanas. Em 1972, a pornografia se tornaria um entretenimento da classe média e o padrão na arte já havia passado a ser: quanto mais chocar os valores tradicionais melhor. Muitos acreditaram que tais decisões fossem sinal de crescente ateísmo e comunismo na Suprema Corte, até que a decisão de que imagens de Jesus Cristo na manjedoura deveriam ser banidas dos prédios públicos coincidiu com o colapso da União Soviética em 1989.

“’Sacrilégio’ combina o latim sacer ou sacrum, um objeto sagrado, formalidade, ou pessoa, com legere, reunir, remover, ou roubar, enquanto que dois termos relacionados, sacrilegium e sacrilegus, dizem respeito a um ato ímpio em relação a objetos sagrados, formalidades, ou pessoas. Seguindo a pesquisa realizada em seu nome, [o juiz Felix J.] Frankfurter [que atuou na Suprema Corte entre 1939 e 1962] concluiu que ‘sacrilégio’ poderia ser definido de forma estrita o suficiente para sobreviver ao escrutínio do devido processo legal se for limitado a significar um injuria física a objetos sagrados ou pessoas [algo como chutar a estátua de uma santa ou um homem/mulher santo/a], e ele presumiu encontrar autoridade para este sentido estrito na Suma Teológica de [São Tomás de] Aquino, e usos católicos subsequentes [- na verdade, Aquino não limita sua definição à violação física de objetos (68)]. Se, sugeriu, a Corte de Apelações de Nova York ao lidar com O Milagre tivesse apenas abraçado tal definição tomista/Católica (ele não menciona os temas embaraçosos que teriam sido levantados), a palavra poderia ter sido clara e definida o suficiente para sobreviver a qualquer desafio constitucional. A seu ver, ao invés disso, a Corte de Nova York confundiu ‘sacrilégio’ com erros não físicos como ‘heresia’, ‘apostasia’, ‘profanação’, e – em particular – ‘blasfêmia’, que Frankfurter descreve como uma palavra ‘traiçoeira’, mesmo quando utilizada numa nação com uma religião oficial. Uma vez que aquilo que era considerado blasfematório na\ Inglaterra do século dezessete se modificou radicalmente, dependendo se um católico ou um protestante esteve no poder. (Nos termos do Ato de Teste [Test Act] de 1678, não se poderia possuir um escritório da Coroa sem antes declarar ‘a invocação da virgem Maria” ser ‘supersticiosa e idólatra’’.) E nos Estados Unidos, com múltiplas religiões, cada uma mantendo uma variedade de coisas ‘sagradas’, o que poderia ser considerado ‘sacrilégio’ é multiplicado, levando os censores, levando os censores a fazer cumprir os ditames de seja qual for a seita religiosa que por ventura tenha conseguido força política” (69)


“Para mim, Rossellini é uma fonte inesgotável de inspiração [...]. 
As  imagens  estão  vivas  nos  filmes  de  Rossellini,  porque  ele
compreendeu  como  deixar as pessoas e os  lugares falarem por
si mesmos. Às vezes, a simplicidade dele é de tirar o fôlego (...)

Martin Scorsese (70)

Contudo, Nova York repetiu com sucesso o argumento do Conselho de Regentes: ninguém possui o direito constitucional de satirizar e vilificar ou jogar insultos gratuitos na religião em geral, ou numa fé em particular. Um dia antes da argumentação oral, a Suprema Corte dos Estados Unidos (com três membros ausentes) assistiu O Milagre numa seção privada, foi a primeira vez que um filme seria considerado peça de evidência em controvérsia relativa à legalidade de seu conteúdo. Por que Hollywood não demonstrou interesse neste momento em relação à proteção de filmes pela 1ª Emenda? Johnson insistiu na argumentação de que numa sociedade pluralista e sem religião oficial não haverá consenso em relação ao significado de “sacrilégio”, porque também não existe consenso quanto àquilo que é “sagrado”. O juiz Frankfurter se manifestou a respeito da influência do poder católico sobre Hollywood:

“Para não acabar banindo todos os temas passíveis de serem interpretados como religiosos, inevitavelmente cria-se uma situação onde o censor proíbe apenas aquilo contra o que exista substancial contestação por parte de um grupo religioso. E esta é a conclusão justa a ser tirada... do que tem acontecido no âmbito da censura de Nova York. Consequentemente a indústria do cinema, normalmente guiada não pelos artistas criativos, e cautelosa quanto a investir muito capital nos riscos da audácia, seria governada por essas noções dos sentimentos susceptíveis de serem despertadas por diversas seitas religiosas, com certeza as poderosas” (71)


“Meu querido São José, você deve me levar, deve me
levar  lá  para  cima  com  você!  Na  pátria do  alto!”

Nannina para o suposto São José, O Milagre

Wendell Brown, assessor do Conselho, sustentou que seria ilógico dar aos filmes a proteção da 1ª Emenda se a própria indústria do cinema não tinha interesse nisso, demonstrou também que O Milagre violava uma série de normas do Código de Produção de Hollywood. Neste momento, alguns juízes sugeriram que a autocensura do Código pode ser uma forma de excluir estrangeiros. Além disso, como sugeriu Frankfurter, um editorial do The Nation em 1951 menciona que os produtores estadunidenses tinham tanto medo de ofender a Legião da Decência e serem denunciados e pressionados (procedimento que conseguiu manter O Milagre longe das telas) que já há muito tempo havia se submetido à censura prévia através do Código, nunca questionando a injustiça manifesta que é negar aos filmes a proteção da 1ª Emenda. Um ou dois anos depois, John Frank, professor de Direito da Universidade de Yale, escreveu que se O Milagre fosse uma produção norte-americana, a Legião da Decência e a censura no interior da indústria o teriam estrangulado muito antes que chegasse aos censores de Nova York, já que a indústria hollywoodiana do cinema estremece sob o ataque de qualquer um com voz alta. Voltando ao julgamento, Charles A. Brind, advogado do Departamento de Educação, argumentou que o filme de Rossellini não era sacrílego em relação a nenhuma doutrina católica específica, mas ofendia a crença católica geral na divindade de Jesus. Pouco antes da decisão final quanto ao futuro de O Milagre, uma decisão (Zorach x Clausen, um estatuto de Nova York pretendia acomodar o serviço público às práticas religiosas) afirmou que não existiam na Constituição elementos que tornassem o governo hostil em relação à influência religiosa (72).

“Um mês depois, em 26 de maio de 1952, a Suprema Corte emitiu sua decisão sobre Burstyn. Por unanimidade (9-0), reverteu-se a Corte de Apelações de Nova York e suspendeu-se o banimento de O Milagre. O juiz adjunto Tom Clark, em opinião acompanhada por cinco outros, sustentou que a 1ª Emenda se aplica ao cinema, que o estatuto de censura de cinema de Nova York constitui censura prévia em relação à liberdade de expressão, e que embora a 1ª Emenda não impeça restrições prévias, um Estado não pode reprimir a palavra de forma a proteger um grupo religioso em relação aos pontos de vista que não aprove” (73) 

Leia também:


Notas:

1. GOTTLIEB, Sidney. Introduction: Open City: Reappropriating the Old, Making the New. In: GOTTLIEB, Sidney (Ed.). Roberto Rossellini’s Rome Open City. New York, USA: Cambridge University Press, 2004. P. 4.
2. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York/London: Continuum, 3ª ed., 2008. P. 104.
3. MILLEN, Alan. Francis god’s Jester. In: In FORGACS, David; LUTTON, Sarah; NOWELL-SMITH, Geoffrey (orgs.). Roberto Rossellini, Magician of the Real. London: British Film Institute, 2000. P. 92.
4. JOHNSON, William Bruce. Miracles & Sacrilege. Roberto Rossellini, the Church, and Film Censorship in Hollywood. Toronto, Buffalo, London: University of Toronto Press Incorp., 2008. P. 428n69.
5. STEIMATSKY, Noa. Italian Locations. Reinhabiting The Past in Postwar Cinema. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008. Pp. 158, 214n51.
6. DOUIN, Jean-Luc. Dictionnaire de la Censure au Cinéma. Images Interdites. Paris: Quadrige/PUF, 2001. P. 376.
7. GENNARI, Daniela Treveri. Post-War Italian Cinema. American Intervention, Vatican Interests. New York/London: Routledge, 2009. Pp. 17, 22, 31.
8. DOUIN, Jean-Luc. Op. Cit., p. 377.
9. GENNARI, Daniela Treveri. Op. Cit., p. 86.
10. SAUNDERS, Francis Stonor. Quem Pagou a Conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2008. P. 149.
11. GENNARI, Daniela Treveri. Op. Cit., p. 27.
12. Idem, pp. 28-30.
13. Ibidem, p. 29.
14. Ibidem, pp. 86-7.
15. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 273.
16. Idem pp. 243, 419n4.
17. Ibidem, pp. 345-50.
18. Ibidem, pp. 104, 277-81, 355-59, 444n54.
19. Ibidem, pp. 277-8.
20. SCHÉRER, Maurice; TRUFFAUT, François. Entrevista com Roberto Rossellini. In: A Política dos Autores. Lisboa: Assírio Alvin, 1976 (?). Originalmente publicada em Cahiers du Cinéma, nº 37, julho de 1954. P. 88; MILLEN, Alan. Op. Cit., p. 80.
21. NOWELL-SMITH, Geoffrey. North and South, East and West: Rossellini and Politics. In: FORGACS, David; LUTTON, Sarah; NOWELL-SMITH, Geoffrey (orgs.). Op. Cit., p. 8.
22. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 356
23. Idem.
24. Ibidem, p. 358.
25. Entrevista de Rossellini à Gian Luigi Rondi, 1975 In APRÀ, Adriano (org.). La Télévision Comme Utopie. . Paris: Cahiers du Cinéma, 2001. P. 188.
26. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 279.
27. Idem, p. 359.
28. Ibidem, pp. 358-9.
29. NOWELL-SMITH, Geoffrey. Op. Cit., p. 8.
30. Idem.
31. SCHÉRER, Maurice; TRUFFAUT, François. Op. Cit., p. 94.
32. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., pp. 216-25.
33. Idem, p. 223.
34. VERDONE, Mario. A Discussion of Neo-Realism: Rossellini Interviewed by Mario Verdone (1952) In FORGACS, David; LUTTON, Sarah; NOWELL-SMITH, Geoffrey (eds.). Op. Cit., p.155.
35. LEPROHON, Pierre. Les Évocations Directes de la Passion (du Début du Cinéma Muet Jusqu’en 1939). In: ESTÈVE, Michel (Org.). La Passion du Christ comme Thème Cinématographique. Paris: M. J. Minard - Lettres Modernes, Études Cinématographiques, nº 10-11, vol. II, automne 1961. P. 140.
36. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., pp. 242-247, 253, 270-7, 419n1n3, 420n6n7n9.
37. Idem, p. 246.
38. DOUIN, Jean-Luc. Op. Cit., p. 463.
39. SCHÉRER, Maurice; TRUFFAUT, François. Op. Cit., p. 91.
40. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., pp. 269-70.
41. ROGIN, Michael. Mourning, Melancholia, and the Popular Front: Roberto Rossellini’s Beautiful Revolution. In: GOTTLIEB, Sidney (Ed.). Op. Cit., p. 154.
42. SCHICKEL, Richard. Conversas com Scorsese. Tradução José Rubens Siqueira. São Paulo: Cosac Naify, 2013. Pp. 54, 232.
43. SCHÉRER, Maurice; TRUFFAUT, François. Op. Cit., p. 92.
44. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 331.
45. Idem, p. 239.
46. Ibidem, p. 274.
47. DOUIN, Jean-Luc. Op. Cit., p. 129.
48. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 276.
49. SCHÉRER, Maurice; TRUFFAUT, François. Op. Cit., pp. 91-2.
50. Idem, p. 92.
51. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 272.
52. Idem, p. 273.
53. CALIL, Carlos Augusto (Org.). Fellini Visionário. A Doce Vida, 8 ½, Amarcord. Tradução dos roteiros Hildegard Fest, tradução das entrevistas André Carone, José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. P. 85.
54. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., pp. 248-252, 257-8, 267, 268-9, 424n33.
55. SCHÉRER, Maurice; TRUFFAUT, François. Op. Cit., p. 92.
56. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 422n19.
57. Idem, p. 422n20.
58. Ibidem, p. 241.
59. Ibidem, p. 252.
60. ROGIN, Michael. Op. Cit., p. 153.
61. SCHÉRER, Maurice; TRUFFAUT, François. Op. Cit., p. 100.
62. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 259.
63. ROGIN, Michael. Op. Cit., pp. 154, 160n55.
64. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 269.
65. Idem, p. 300.
66. Ibidem, pp. 299-306, 352.
67. Ibidem, pp. 239-40.
68. Ibidem, p. 439n20.
69. Ibidem, p. 331.
70. FORGACS, David; LUTTON, Sarah; NOWELL-SMITH, Geoffrey (eds.). Op. Cit., p. vii.
71. JOHNSON, William Bruce. Op. Cit., p. 333.
72. Idem, pp. 322-5, 327, 437n5.
73. Ibidem, p. 325.