31 de out. de 2017

Entre a Indústria e a Arte do Cinema Italiano


 “São Turistas?  O que vieram fazer aqui? 
Não há nada para ver. É tudo um nojo. Não visitem a Itália!
Fiquem  em  suas  casas,   que  é  melhor”

Silvio Magnozzi

Personagem de Alberto Sordi em  Uma Vida Difícil  (Una Vita Difficile,  direção Dino Risi,  1961)
 hostiliza turistas depois de ser chutado pela sociedade mais uma vez. Ex-membro da Resistência contra
o invasor alemão, seus ideais políticos serão postos à prova na problemática Itália dos anos 1950

O PCI e o Delirante

Em Um Americano em Roma (Um Americano a Roma, direção Steno, 1954), Alberto Sordi é Nando Moriconi, um jovem italiano que adora tudo que vem dos Estados Unidos. Como não passa de um delirante, não trabalha para realizar seu sonho, apenas sonha. A única atitude que toma é imitar o protagonista de um filme de Hollywood, Horas Intermináveis (Fourteen Hours, direção Henry Hathaway, 1951), que tenta o suicídio para ver se consegue quem alguém lhe pague uma viagem para a terra do Tio Sam. Stephen Gundle procura mostrar como esse frenesi em torno dos Estados Unidos se refletiu na política culturais do Partido Comunista Italiano (PCI), numa Itália devastada pela guerra, e dividida entre Fascismo, Comunismo e Catolicismo. A definição de modernidade do PCI foi atropelada pelo processo de modernização da Itália – que talvez se confunda no pós-guerra com o processo de americanização do país, não por acaso Um Americano em Roma é de 1954. Como consequência do aumento da prosperidade material e do enfraquecimento da dimensão coletiva da vida, a organização do PCI e sua subcultura foram significativamente enfraquecidas. Especialmente nas primeiras décadas após a Segunda Guerra Mundial, quando quase todos os partidos social democratas experimentaram certo declínio, respondendo com um abandono programático e organizacional do radicalismo – simbolizado pela conferência Bad Godesberg de 1959, do Partido Social Democrata alemão. Em parte devido à herança gramciana, o PCI seria capaz de se adaptar e sobreviver. Não deixou de ser uma força cultural, apesar da competição da mídia de massa e da cultura comercial. Em linhas gerais, assim Gundle definiu o contexto do PC na Itália do pós-guerra (1).

“(...) A estreita ligação entre os cineclubes e a revista de esquerda Cinema, além do crescente interesse do Partido Comunista em se envolver nessas associações de cinema, são sinais claros de uma crescente conscientização quanto à importância dessas organizações em promover certo tipo de cinema. Por exemplo, Paisà (1946), de Roberto Rossellini, foi fortemente patrocinado pelo Partido Comunista, que convidou críticos a sua exibição para explicar a plateias selecionadas o significado de tal filme. Entretanto, seja apoiando o Neorrealismo ou filmes proibidos em cinemas públicos, a atividade dos cineclubes tornou-se uma pequena preocupação para o governo. Durante um debate parlamentar em 29 de abril de 1950, Giulio Andreotti expressou a necessidade de controlar os cineclubes com maior vigor, de forma a garantir aquilo que definiu como um maior respeito pela lei (...)” (2) (abaixo, Paisà, 1946)


 (...) Paisà (1946), de Roberto Rossellini, foi muito
 patrocinado  pelo  Partido  Comunista  (...)  (3)

Num contexto de democracia parlamentar e prosperidade econômica o partido, afirma Gundle, será forçado a “competir” com o cinema e sua cultura de estrelas, a imprensa comercial, a televisão, a música pop, a subcultura jovem e a mobilidade da massa – elementos e consequências da adoção de uma estratégia de crescimento econômico e integração social inspirada (ou imposta, de acordo com o ponto de vista) pelo modelo norte-americano. Ainda de acordo com Gundle, o PCI falhou muitas vezes em compreender estes novos elementos de cultura e nunca realmente compreendeu a cultura de massa e a sociedade de consumo. Apesar de certos preconceitos enraizados no marxismo-leninismo, como aqueles contra o entretenimento comercial e o individualismo, o PCI demonstrou grande flexibilidade em questões práticas. Contudo, o fosso crescente entre o modelo de relações sociais e culturais promovidas pelo partido e a realidade da vida cotidiana não poderia ser dissimulada para sempre. A aspiração de estabelecer a hegemonia cultural da classe trabalhadora foi se tornando improvável até se dissolver. Em meados dos anos 1980, estava claro que o modelo de modernização “emanado” dos Estados Unidos saiu vitorioso. Os festivais, a imprensa e outros elementos da cultura da esquerda não desapareceram, contudo não seriam mais portadores de valores alternativos. De fato, passaram a ser consumidos da mesma forma que seus equivalentes comerciais. O fato é que o escapismo de soluções clamantes ofertado pela produção de Hollywood para o próprio público estadunidense servia como uma luva para a ideologia cultura proposta pelos democrata-cristãos na Itália. Seu interesse em neutralizar qualquer tema libertador no cinema nacional e reafirmar valores tradicionais também ia de encontro à ideologia do Vaticano (4). (imagem abaixo, prestes a ter roubada a bicicleta que lhe garantia o serviço, Antonio tenta caprichar no único emprego que conseguiu, colador de cartazes de cinema. Amarrotada, Rita Hayworth era um dos símbolos sexuais de Hollywood na época, Ladrões de Bicicleta, 1948)

Políticas Culturais


“Em 1965, exibições de Ladrões de Bicicleta (1948) e Milagre
em  Milão  (1951)  foram  assistidas, respectivamente, 
por 10 e 8.5 milhões de espectadores (...)

Stephen Gundle (5)

Embora no imediato pós-guerra as ideias do PCI estivessem bastante disseminadas entre a população, Gundle afirma que o partido não foi capaz de captar a profundidade da tendência à representação realista nas artes que se apresentou naquela época, seja na literatura, pintura, teatro ou cinema – cujo foco era evidenciar a dor, miséria, sacrifício e heroísmo do povo em tempo de guerra. Em consequência de uma abordagem conservadora em relação à política cultural, enquanto força política os comunistas não foram capazes de aproveitar (tornaria evidente em meados dos anos 1980) o impacto que o Neorrealismo teve como proposta de instrumento para a regeneração da ordem social, esfacelada pela guerra e por vinte anos de Fascismo. Para aqueles engajados no movimento, o Neorrealismo apresentava a Itália não mais como algo pomposo e grandioso, mas como uma experiência popular, de solidariedade, persistência e esperança – e foi o cinema que empreendeu a tentativa mais ambiciosa e bem sucedida de traduzir os novos princípios de consciência social. Do ponto de vista institucional, defendia-se que os partidos políticos deveriam embarcar num programa radical de regeneração social, foi aí que o PCI se apresentou com uma abordagem mais cautelosa e conservadora em relação à política cultural – em sentido mais amplo, a esquerda não foi capaz de se estabelecer no coração do Estado (6).

“(...) Muitas eram as desconfianças daqueles no Partido Democrata-Cristão que se opunham à influência do governo dos Estados Unidos, especialmente com relação à questões militares. Contudo, quando confrontados com a ameaça política que os comunistas representavam na Itália, uma linha comum foi assumida pelo partido e uma relação estreita entre os Estados Unidos e o Partido Democrata-Cristão se desenvolveu, tanto através de tentativas de afastar os partidos de esquerda de participar no governo de coalizão e também através da promoção da influencia dos [norte-]americanos na região do Mediterrâneo. Neste contexto, a pressão exercida pelo Vaticano provo-se fator decisivo. O que o Papa pediu foi ‘ordem’ e ‘anticomunismo’, demandas que os Estados Unidos estavam dispostos a endossar” (7) (imagem abaixo, o padre exercendo seu papel de censor no cinema cinema da pequena cidade, Cinema Paradiso, 1988)


“Os   cristãos   se   conscientizaram  do  excepcional
poder psicológico do cinema para atrair as massas”

Padre Félix A. Morlion

Jesuíta muito ativo na cruzada anticomunista do Vaticano no cinema italiano (8)

Terminada a guerra na Itália, os soldados dos Estados Unidos (mais do que os britânicos, que de fato foram responsáveis pela ocupação do país até 1946) forma recebidos como algo além de libertadores. Aos olhos do italiano médio e do pobre, os ianques eram os representantes de um mundo próspero e avançado, que em seus aspectos materiais era muito atraente. Para além dos suprimentos médicos e tecnologia superior, itens como o DDT, chocolate, chiclete, meias de nylon, as cédulas de dólar, e os discos de vinil, simbolizavam um novo estilo de vida que alimentou as fantasias populares e contribuiu para engendrar mudanças nos costumes que marcaram a vida nas áreas urbanas das regiões mais desenvolvidas da Itália. Neste contexto, Gundle insiste que o papel do cinema não pode ser subestimado. Em 1948, não menos do que 6.551 cinema estavam em funcionamento. Mas a Cinecittà estava inativa, pois havia sido transformada em campo de refugiados de guerra. É aí que entra Hollywood! Ela veio com o exército dos Estados Unidos e inundou o mercado italiano – já em 1946, em torno de 600 títulos foram importados. Gundle admite que seja mais do que evidentes os elementos fortemente imperialistas de Hollywood e seus aliados no campo militar e político. Mas isso é apenas parte da explicação para o sucesso dos filmes norte-americanos na Itália do pós-guerra. (imagem abaixo, o romano delirante e desocupado Nando Moriconi se inspira no personagem do filme americano e simula uma tentativa de suicídio em público para ver se consegue ser mandado para o país que tanto ama, os Estados Unidos, Um Americano em Roma, 1954)


Para o Vaticano, a americanização da sociedade italiana
era   sinônimo  de  consumismo   individualista.   Contudo, 
o materialismo de Hollywood  era  menos  pior  para  uma 
civilização  cristã  do  que  o  materialismo  comunista (9)

Ao “oferecer” grande número de atrações sedutoras através dos filmes, que em geral eram de caráter otimista, celebravam a democracia, a igualdade de oportunidade e prosperidade urbanizada, Hollywood mirava para além da educação e diversão. Gundle observa que essa filmografia transmitia ideias, modas e modelos de interação social que pavimentaram o caminho para a incorporação de cada vez maiores porções da população no seio de um padrão de consenso no qual entretenimento e vida material constituíam aspectos intimamente relacionados de um novo modelo de sociedade que tem no consumo de bens como sua primeira regra de conduta social.  Enquanto isso os católicos, por outro lado, não cometeriam o erro de subestimar os modernos meios de persuasão e entretenimento. Embora para a cúpula da Igreja não tenha sido fácil admitir em telas italianas a licenciosidade sexual de muitos filmes de Hollywood, grande parte deles injetava escapismo e otimismo suficientes para neutralizar eventual espírito subversivo, prestando-se igualmente para apagar da memória o passado recente (a guerra) ao restaurar um modelo de pura fantasia, equivalente àquele (Fascista) que existia antes da Itália ser invadida pelas tropas aliadas. Enquanto em 1949 pelo menos 73% da bilheteria estavam nas mãos dos filmes importados dos Estados Unidos, a produção doméstica era “vista” com muita desconfiança. Enquanto pessoas e métodos do período Fascista reapareciam e se encaixavam no ministério do interior, na polícia e nas forças armadas, no judiciário e na administração da máquina do Estado, os partidos comunistas e seus simpatizantes tinham que lidar com sua excomunhão, anunciada pelo Vaticano (argumentando, basicamente, em função do ateísmo e materialismo da esquerda).

“Para os comunistas de carteirinha, 1954 não foi apenas o ano que testemunhou o advento da televisão [na Itália]. Foi também o ano em que o governo Scelba, tendo conseguido eliminar os elementos remanescentes do Neorrealismo do cinema, intensificou a campanha que havia iniciado em 1952 para expulsar as organizações de trabalhadores das propriedades de fascistas, das quais se apossaram no final da guerra (...)” (10) (imagem abaixo, em Arroz Amargo [1947], Giuseppe De Santis mescla Neorrealismo e elementos do cinema de Hollywood e da cultura de consumo norte-americana)


Em meados dos anos 1950, havia a convicção de que o Neorrealismo
havia falhado porque o PCI não fora vigilante em relação a cineastas
como  Giuseppe De Santis  e  Pietro Germi,  culpados  de  corromper
a poética original ao utilizar elementos do cinema  de  Hollywood  (11)

Desde seu surgimento, o Neorrealismo cinematográfico foi atacado por religiosos e parlamentares do Partido Democrata-Cristão. As alegações de que esses filmes não respeitavam a autoridade religiosa e mesmo a temporal tinham mais força do que a sugestão de que emanassem certo espírito cristão genuíno – tendência que, por sua vez, para os comunistas era considerada uma degenerescência do Neorrealismo. O submundo que o Neorrealismo mostrou atrapalhava interesses da autoridade pública (diretamente responsável por grande parte das mazelas sociais). Daí que o cinema italiano tenha vivido, entre 1947 e 1954, um período de acalorada discussão em torno da censura e da liberdade artística.

“(...) Com a progressiva reintrodução de alguns privilégios abolidos por insistência dos Aliados em 1945, o governo [italiano] assumiu influência direta ou indireta em praticamente cada setor da produção e distribuição de cinema. A consequência foi cada vez menos espaço para a crítica social, apesar de a indústria local gradualmente aumentar sua participação no mercado interno de 10% em 1949 para 28 % em 1953, enquanto no mesmo período a quota dos Estados Unidos caiu de 71% para 42%” (12)

Enquanto isso, na mesma época que as plateias diminuíam em todo lugar, na Itália cresciam – inclusive na produção, que, entre 1948 e 1952, ultrapassa França e Alemanha como líder europeu de produção cinematográfica. Em 1956, a Itália possui 10.500 salas de cinema. O Partido Democrata-Cristão esteve profundamente empenhado na construção de uma nova cultura popular, divorciada de impulsos críticos e conflitos latentes na sociedade civil.

“(...) No cinema, comédias leves que eram otimistas e alegres unificavam as plateias que anteriormente estavam divididas por padrões distintos de gosto. Entretanto, seria errado ver filmes tais como Dois Vinténs de Esperança (Due Soldi di Speranza, 1952), de Mario Camerini, e Pão, Amor e Fantasia (Pane, Amore e Fantasia, 1953), de Luigi Comencini, puramente em termos de manipulação política, mesmo que tenham mantido a utilização anterior de tipos de personalidade populares reconhecíveis e situações, ao mesmo tempo em que substituem a preocupação com as contradições sociais por diferenças e rivalidades menos controversas, usualmente de tipo regional geracional ou sexual. De preferência, o fenômeno deve ser visto no contexto de processos mais gerais de mudança ocorrendo na política, cultura e sociedade italiana. Como Lino Miccichè afirmou: ‘Onde o Neorrealismo falhou sua forma bastarda, que é o maior e mais aparente sintoma de seu fracasso, venceu. Naturalmente, a derrota do velho cinema, ao invés de substituição (cultural) foi uma sucessão (industrial), e neste sentido foi comparável a tudo que estava ocorrendo na sociedade civil’” (13) (imagem abaixo, A Terra Treme, 1948)


 Mesmo os esquerdistas preferiam filmes de entretenimento. 
Em  1954,  um  estudante  de  24  anos  afiliado ao PCI  admitiu
preferir  filmes  de  aventuras e faroeste do que A Terra Treme
 (de Luchino Visconti), que considerava intelectual e difícil (14)

No início de 1948, pela primeira vez o PCI levantou a questão do colonialismo cultural. Durante o Sexto Congresso do partido, quando finalmente se constituiu uma comissão cultural, Pietro Secchia, então vice-secretário do partido, se referiu a uma inundação do país com livros e filmes provenientes dos Estados Unidos cujo único objetivo seria desorientar e corromper os italianos. Surge a Aliança da Cultura, congregando comunistas, socialistas e independentes na defesa das correntes culturais que consideravam progressistas e em prol da preservação da cultura italiana. A comissão cultural se forma em julho de 1948, com o objetivo de proteger as iniciativas nacionais do estrangulamento, imposto pelo que chamavam de imperialismo norte-americano. A cultura moderna, diziam eles, não se confunde com a extravagância e a artificialidade do cosmopolitismo cultural típico do Tio Sam, mas sim um esforço de aprofundamento das raízes da cultura no seio do povo, adaptando-a a suas aspirações, gostos e nível de desenvolvimento histórico. É neste contexto que surge o manifesto coletivo Difendiamo il nostro Cinema, publicado no L’Unità, em 22 de fevereiro de 1948, atraindo o interesse e o suporte de cineastas e roteiristas associados ao Neorrealismo. Até aquele momento, o PCI havia demonstrado pouco ou nenhum interesse pelo cinema, que a partir desse momento se torna um tema central. O partido passa a ser identificado com o interesse dos cineastas italianos, particularmente com aqueles preocupados com as esperanças e temores das classes desfavorecidas. Isso durou uns dez anos, quando o cinema foi o único terreno onde uma campanha contínua desta natureza foi sustentada.

“A questão da americanização da Itália pós 1945 produziu uma literatura secundária. [Em Americanization: The Italian Case 1938-1954 (1993)], David Forgacs escolhe questionar a associação entre americanização e identidade nacional, considerando a importância de como a Itália reinventou o modelo [norte-]americano, um tópico de particular relevância para o cinema. Em seu L’americanizzazione del Quotidiano. Televisione e Consumismo nell’Italia degli Anni Cinquanta [(1986)], Stephen Gundle utiliza a televisão como um exemplo para investigar como a cultura [norte-]americana foi recebida e mediada pela sociedade italiana, concluindo que a Igreja Católica e os democrata-cristãos foram importantes em como o modelo [norte-]americano foi transformado num modelo italiano (...)” (15) (imagem abaixo, Nando, um italiano que nem precisa ser americanizado, e o music hall da Broadway, Um Americano em Roma, 1954)


“A falta de suporte concreto  às  alternativas ambiciosas
no campo do cinema revelam certa timidez nas políticas do PCI, 
mas também desconfiança de estar preso num gueto (...)

Stephen Gundle (16)

Naquela época, o cineasta Carlo Lizzani falava em “despertar o espírito crítico das massas populares (...)” (17). Um grande esforço foi realizado com o intuito de garantir que os méritos dos filmes neorrealistas fossem mostrados aos trabalhadores e suas famílias. Quando Vittorio De Sica compareceu pessoalmente ao relançamento de Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette, 1948) nas cidades maiores (em sua estreia, parece que o filme não atraiu grande atenção), O PCI ajudou a mobilizar plateias para a ocasião. Nesse sentido, ressalta Gundle, o partido ajudou a disseminar a noção de que o cinema pode ser algo mais do que apenas escapismo e entretenimento.

“Alguns na esquerda esperavam uma forma mais prática de intervenção do PCI. Posteriormente, cineastas de esquerda como Giuseppe De Santis e Elio Petri lamentaram a ausência de qualquer tentativa nacional coordenada para implantar uma rede alternativa de produção e distribuição [– o primeiro falava sobre isso publicamente ainda em 1959]. O resultado, sentiam, era que os cineastas foram simplesmente deixados à mercê dos produtores privados e empresários [ARCI, Associazione Ricreativa e Culturale Italiana, a partir de 1957, montou seu próprio esquema de distribuição e produziu cópias em 16 mm de clássicos como A Terra Treme (18)]. Da mesma forma, as iniciativas isoladas empreendidas nessa área tinham qualquer financiamento concreto negado. Após a produção de Giorni di Gloria (direção Giuseppe De Santis, Mario Serandrei, Marcello Pagliero, Luchino Visconti, 1945), pela associação dos guerrilheiros, ANPI [Associazione Nazionale Partigiani d'Italia], a Cooperativa de Espectadores Produtivos de Cinema [Cooperativa Spettatori Produttori Cinematografici] financiou dois filmes, A Rebelde (Achtung! Banditi!, direção Carlo Lizzani, 1951) e Os Amantes de Florença (Cronache di Poveri Amanti, direção Carlo Lizzani, 1954), mas o sucesso limitado do último assegurou quer um terceiro projeto nunca fosse realizado e que a cooperativa morresse. Os dois únicos filmes que o PCI financiou integralmente e promoveu foram documentários produzidos para serem apresentados em local de trabalho e setores do partido (...)”(19) (imagem abaixo, Nando, que nem precisa ser americanizado, é o clone italiano bizarro do Marlon Brando hollywoodiano de O Selvagem [The Wild One , 1953], em Um Americano em Roma, 1954)


(...)  [O cineasta Marco] Bellocchio acusou toda
a  comédia  italiana  de  ser  reacionária (...) (20)

Em 1981, encontramos o PCI procurando pelo menos admitir estudar a comunicação de massa. De certa forma, isso significa que não estavam mais de costas para a cultura de massa. Cinema e televisão já serão considerados parte da cultura popular (antes eram vistos como entidades separadas dela), assim como fatores importantes na determinação de orientações coletivas e desejos. Para Gundle, era claro que a partir de 1980 as posições estavam mudando no interior do PCI, quando houve uma significativa guinada na direção de aceitar que as atividades culturais encampassem iniciativas tanto públicas quanto privadas. Enquanto na primeira parte da década o partido via com horror o desenvolvimento de um grande setor de televisão privada e a subsequente concentração das redes comerciais nacionais, agora ele passa a aceitar a existência de um sistema misto, onde a RAI (Radio Audizioni Itália) competia com a televisão comercial. Evidentemente, ressaltou Gundle, os comunistas não aprovavam o monopólio de Silvio Berlusconi, que tentaram derrubar através de uma legislação antitruste (contra cartéis e monopólios), mas não conseguiriam um retorno ao monopólio do serviço público de antes de 1976. Em outras áreas, também se reconheceu que o Estado seria mais efetivo se, ao invés de desmantelar o mercado, interviesse para criar espaços, multiplicar as escolhas, permitir que novos empreendimentos surgissem, e assegurar que o produto nacional fosse defendido e cultivado. Então, em 1989, o clima de Guerra Fria que alimentava o tão conveniente sectarismo direita-esquerda vem abaixo, juntamente com a queda do Muro de Berlin. Logo na sequência, a operação Mãos Limpas faria uma faxina nos partidos políticos e suas relações nada republicanas (e depois houve um refluxo...). Mas essa é outra história.


Leia também:


Notas:

1. GUNDLE, Stephen. Between Hollywood and Moscow. The Italian Communists and the Challenge of Mass Culture, 1943-1991. Durham & London: Duke University Press, 2000. Pp. 8-10.
2. GENNARI, Daniela Treveri. Post-War Italian Cinema. American Intervention, Vatican Interests. New York/London: Routledge, 2009. P. 82.
3. Idem, p. 82.
4. Ibidem, p. 95.
5. GUNDLE, Stephen. P. 122.
6. Idem, pp. 26-7, 32-3, 44-5, 49-50, 61, 188, 229n52.
7. GENNARI, D. T. Op. Cit., p. 42.
8. Idem, p. 63.
9. Ibidem, pp. 5, 37.
10. GUNDLE, S. Op. Cit., p. 92.
11. Idem, p. 123.
12. Ibidem, p. 45.
13. Ibidem, p. 46.
14. Ibidem, p. 66.
15. GENNARI, D. T. Op. Cit., p. 6.
16. GUNDLE, S. Op. Cit., p. 63.
17. Idem, p. 61.
18. Ibidem, p. 129.
19. Ibidem, p. 62.
20. MINNELLA, Maurizio Fantoni. Non Riconciliati. Política e Società nel Cinema Italiano dal Neorealismo a Oggi. Torino, Itália: UTET Libreria, 2004. P. 345.