10 de jun. de 2009

Pasolini e o Sexo Como Metáfora do Poder (V)


"A tua burguesia é uma burguesia
de loucos
,  a minha,  uma burguesia
de  idi
otas.  Você  se  revolta contra a
loucura com a loucura (distribuindo
 flores  aos  policiais);  mas  como  se  
revoltar     contra     a    idiotia(...)"
Trecho da carta de Pasolini ao poeta beat Allen Ginsberg (1)

Mais Alguns Fatos Contemporâneos 

A hipocrisia do Poder a que Pasolini está se referindo em Salò, os 120 Dias de Sodoma (Salò, o le 120 Giornate do Sodoma) fica evidente no “imposto pornô” defendido atualmente pelo governo Berlusconi na Itália. Segundo o discurso oficial, pretende-se encher os cofres públicos na atual crise financeira mundial, mas também desencorajar o mercado da pornografia. Cada obra será taxada em 25%: “jornais, revistas especializadas, obras literárias, teatrais e cinematográficas, audiovisuais e multimídias que contenham cenas de sexo explícito e não simulado entre adultos conscientes” (2).

Segundo o Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (Eurispes), calcula-se que a indústria pornográfica italiana gere mais de 1 bilhão de euros por ano, grande parte sem taxação. Outra lei italiana pretendeu taxar a prostituição, além disso, afirma que o crime não é sair com a prostituta, mas negociar o programa. Há alguns anos, a Itália foi o único país do mundo a eleger uma prostituta como deputada. Era Cicciolina, que mostrava os seios e levantava o braço em pose semelhante à estátua da liberdade em Nova York.

A poucos dias das eleições italianas, o primeiro ministro Berlusconi foi fotografado com prostitutas nuas em sua residência. Teria apenas saído com elas ou também negociado o programa? Ele acha que esse pode ser um dos motivos porque perdeu nas eleições... Esse comportamento dúbio apenas facilita a constatação da dupla moral do Poder na Itália, hipocrisia da qual Pasolini já falava há mais de trinta anos! É sempre bom lembrar que durante o regime de Mussolini, com a desculpa de controle de doenças, o governo administrava bordéis.

Desde 1860 a prostituição no país era regulada pela Lei Cavour, com origens em tempo medievais. A Igreja medieval tolerava a prostituição, considerando-a uma válvula de escape para o “incontrolável impulso masculino”, que poderia criar problemas se direcionado às virgens ou às esposas solitárias, ou ainda a homossexualidade e a masturbação. A Lei Cavour registrava as prostitutas e os bordeis. Elas eram examinadas duas vezes por semana e hospitalizadas em local predeterminado em caso de doença venérea.

Houve um afrouxamento da legislação entre 1888 e 1891, mas a coisa só mudou em 1958. Note-se que o imposto pornô proposto pelo governo Berlusconi não tem nenhum objetivo de inclusão das prostitutas na sociedade, mas apenas resolver os problemas financeiros do próprio governo - uma postura de pura cafetinagem.

Antes de 1959, a prostituição só era legalizada dentro dos bordéis. Neste ano, a Lei Merlin, ainda aplicada hoje, revoga isso, fecha os bordéis e cria empecilhos para a exploração das prostitutas pelos cafetões e cafetinas. No entanto, ainda que essa lei tivesse como objetivo promover direitos, causou um aumento da prostituição de rua, inclusive de imigrantes ilegais. Será que o imposto pornô vai reeditar as “regras sanitárias” dos “bordéis de Mussolini”? Afinal, se o governo italiano utilizará a taxação para se proteger da crise, deve estar interessado em proteger “seu investimento”.

Notas:

1. Citado em AMOROSO, Maria Betânia. Pier Paolo Pasolini. São Paulo: Cosac & Naify. 2002. P. 70.
2. Imposto Pornô. Decreto anti-crise do governo italiano taxa em 25% obras que contenham cenas de sexo explícito. Janaína César, Comunità Italiana, Ano XV – nº. 127. Rio de Janeiro, janeiro de 2009. P. 21.