25 de abr. de 2012

As Marionetes dos Mistérios de Antonioni




 
“Um ator
 é como um
elemento numa
 tomada qualquer, 
assim como uma
parede, uma árvore
ou uma nuvem são
elementos dessa
tomada”

Antonioni (1)



Suas opiniões sobre a função do ator não faziam dele a pessoa mais popular do mundo. Já em 1948 Antonioni externou suas reservas com o método de direção de atores do cineasta francês Marcel Carné – o cineasta italiano havia sido assistente dele em Os Visitantes da Noite (Les Visiteurs du Soir, 1942). De acordo com Antonioni, a admiração que Carné demonstrava pelos atores e atrizes era justamente o contrário daquilo que grandes diretores fariam. Como exemplo de grande diretor Antonioni citou Josef von Sternberg, que dominava os atores exatamente porque os desprezava. Em 1950, durante as filmagens de Crimes da Alma (Cronaca di um Amore), Antonioni esbofeteou a atriz Lucia Bosé. Segundo ele, para minar o natural bom humor dela e fazê-la chorar. No caso de Massimo Girotti, que ao contrário de Bosé era um ator experiente, Antonioni deliberadamente omitiu informações para deixá-lo num estado de incerteza tal que arrancasse dele o tipo de atuação que o cineasta desejava. “Eu não sou uma marionete”, respondeu o ator Steve Cochran, protagonista de O Grito (Il Grido, 1957) (imagem abaixo), quando Antonioni lhe deu algumas instruções sobre o que fazer em determinada cena – o cineasta disse que Cochran mostrou “falta de inteligência” com essa atitude (2). (imagem acima, O Deserto Vermelho)





“Para [Antonioni]
atores não são a coisa
mais importante. Eles
são uma espécie de
espaço móvel”

Jack Nicholson (3)



Ainda em O Grito, Antonioni ficou muito contrariado quando a atriz Betsy Blair pediu a ele que explicasse cada linha do roteiro – anteriormente ao fato, o cineasta havia elogiado a inteligência de Blair. Jeanne Moreau, a Lídia de A Noite (La Notte, 1961), também se ressentiu do comportamento de Antonioni. Mark Frechette, o ator não-profissional de Zabriskie Point (1970), Richard Harris em O Deserto Vermelho (Il Deserto Rosso, 1964) e Christine Boisson, a Ida de Identificação de Uma Mulher (Identificazione di Una Donna, 1982), também não ficaram com boas lembranças – Christine descreveu o cineasta como alguém muito introspectivo. Segundo David Forgacs, dentre atores e atrizes as vozes dissonantes vieram dos elogios de Monica Vitti, Vanessa Redgrave e Jack Nicholson – os dois últimos atuaram, respectivamente, em Blow Up, Depois Daquele Beijo (Blow-Up, 1966) e Profissão: Repórter (Professione: Reporter, 1975). Antonioni dizia que o talento de Vitti seria mais bem aproveitado no cinema do que no teatro. O rosto dela, disse ele, é muito elástico e expressivo, algo que não pode ser captado a vários metros de distância pela platéia de um teatro (a cena de A Aventura onde ela faz caretas diante do espelho ilustra bem este ponto). Então ele capturava o rosto dela, o corpo dela (de costas ou de lado, a cena no início de O Eclipse onde a personagem dela arruma objetos enquadrados numa moldura vazia ilustra bem as intenções do cineasta em relação aos atores e atrizes) e sua voz (é dela a voz da atriz Dorian Gray em O Grito). (imagem abaixo, A Aventura)



(...) Um
princípio que
se repete nas
declarações de
Antonioni: é o diretor,
não o ator, que
determina o sentido
da atuação 
do ator num 
filme” (4)



Antonioni se descrevia como o oposto do cineasta Fred Zinnemann, que deixava os atores livres para criar depois de algumas poucas indicações. Para Antonioni, ao contrário, a espontaneidade do ator está comprometida quando ele tenta compreender o significado de uma cena ou frase. De fato, o trabalho de Antonioni com atores ecoa as declarações do cineasta francês Robert Bresson, que preferia a utilização de não-atores. Antonioni era diferente de cineastas como Vittorio De Sica (que tendo longa carreira como ator nutria grande empatia por eles ao dirigi-los), ou Federico Fellini (que começou escrevendo textos para o rádio e desenhando quadrinhos), ou Luchino Visconti (que trabalho no cinema, no teatro e na ópera). Antonioni começou sua carreira como crítico de cinema e roteirista, talvez por esta razão ele não organizava seus filmes em função dos atores, como os três outros cineastas italianos citados. Embora se possa dizer que Giuseppe De Santis e Roberto Rossellini tivessem alguma afinidade com Antonioni no que diz respeito a empurrar os atores e atrizes para situações experimentais, Forgacs acredita que ninguém foi mais longe do que ele nas interrogações em torno do próprio meio cinematográfico.




Notas:

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1.FORGACS, David. Face, Body, Voice, Movement: Antonioni and Actors. In: RASCAROLI, Laura; RHODES, John David (orgs.). Antonioni. Centenary Essays. London: Palgrave MacMillan/BIF, 2011. P. 16
2.Idem, pp. 167-173.
3.Ibidem, p. 167.
4. Ibidem, p. 171.
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