30 de set. de 2015

Arcaísmo e Cinema no Evangelho de Pasolini



Se isso é  cinema de poesia,  poderíamos dizer
 que seria também um autorretrato neurótico?

Prenúncio de Uma Revolução?

Ao iniciar as filmagens de O Evangelho Segundo São Mateus (Il Vangelo Secondo Matteo, 1964), Pier Paolo Pasolini já havia realizado dois longas-metragens, Accattone. Desajuste Social (Accattone, 1961) e Mamma Roma (1962), um média-metragem, A Ricota (La Ricotta, episódio de Rogopag. Relações Humanas, 1963), e havia também elaborado muitos roteiros. Além de uma grande preocupação com a tradição pictórica clássica, seu estilo misturava o interesse pelo real com uma visão crítica em relação ao Neorrealismo. Neste início da carreira de Pasolini como cineasta, Stéphane Bouquet ressaltou uma curiosa hibridação. Os “pobres coitados” (poveri cristi) da periferia de Roma tinham suas vidas contadas através de um estilo com muitas referências à pintura da primeira Renascença florentina (Masaccio) ou aos maneiristas italianos (Pontormo, Rosso Fiorentino). Inicialmente,  Pasolini pensava utilizar os mesmos princípios em O Evangelho Segundo São Mateus: filmar picturalmente as paisagens miseráveis do sul da Itália, em busca daquilo que definiu como uma espécie de “sacralidade técnica” (1). (imagem acima, close em Maria ao aparecer grávida, seu rosto se funde com o portal de pedras em arco ao fundo para sugerir uma estética renascentista)

O Evangelho Segundo São Mateus não é apenas “mais um filme religioso”, uma espécie de acidente de percurso na obra de um pensador caótico. O título original do filme omite (como o faz o próprio Evangelho) o “São” adicionado na versão norte-americana, uma distorção que desagradava Pasolini (2).  De fato, o filme foi incluído na lista de filmes aprovados pelo Vaticano – sendo o primeiro filme italiano a consegui-lo. Pasolini nunca escondeu seu ateísmo e marxismo, embora não fosse ortodoxo em nenhum dos dois casos. A história da produção é complexa. Em outubro de 1962, na condição de convidado em Assis da Pro Civitate Christiana, uma instituição atenta às tendências liberais e de esquerda na promoção da cultura católica na Itália contemporânea, Pasolini leu o Evangelho que encontrou em sua cabeceira. Numa troca de cartas com seu produtor Alfredo Bini e membros da Pro Civitate, Pasolini descreveu sua impressão do texto em termos que conotavam um senso de religiosidade, intercambiável em sua mente com uma revelação estética. Tendo em vista tal entusiasmo por parte de uma figura famosa, ainda que de má reputação, os diretores do escritório de cinema da Pro Civitate, sob a consulta de padres, teólogos e especialistas na bíblia (que avaliaram também o tratamento da Crucificação em A Ricota) concordaram em apoiar o projeto de Pasolini.


      A sequência dos Reis Magos é um exemplo de contaminação
      entre   o   mundano    e   o   divino   no  trabalho   de  Pasolini

O líder da Igreja Católica de então era o Papa João XXIII, a quem Pasolini dedicou O Evangelho Segundo São Mateus. Tal atitude partindo de um católico não praticante anticlerical evidencia a postura de João XXIII, que se abriu ao anticolonialismo, à esquerda, a cooperação entre as diferentes ideologias, a justiça social e a luta no Terceiro Mundo. A Pro Civitate Christiana financiou uma expedição à Palestina, que resultou no documentário Locações na Palestina (Sopralluoghi in Palestina, 1963-1965) (3). Em relação a seu filme anterior, A Ricota, um conselheiro da Pro Civitate Cristiana confirmou que não manifesta desprezo, mas sim uma séria exploração contemporânea do tema. Na opinião de Noa Steimatsky, de fato apenas uma análise superficial sugeriria que o filme parece “desconsagrar” (profanar, secularizar) (4). 

A primeira coisa que surge na lembrança dos conhecedores de Pasolini é o conceito de Cinema de Poesia, mas ao que parece poucos sabem que foi em função das filmagens de O Evangelho Segundo São Mateus que surge a tese. Outro elemento central no pensamento de Pasolini que deve muito ao trabalho neste filme é sua relação com o passado, bastante problematizado pelo cineasta-poeta em sua denúncia da perda dos valores tradicionais na sociedade moderna consumista. Trabalhos como A Ricota (onde um ator faminto, cujo personagem é um dos ladrões crucificados com Cristo, se encontra atormentado pela indiferença da indústria cinematográfica que, mesmo produzindo um filme sobre a Crucificação, não é capaz de perceber a Paixão quando presencia uma) (5) e Teorema (onde o anjo-Cristo passa sua mensagem através do ato sexual) (6) são dois exemplos dos desdobramentos possíveis da mensagem de Cristo segundo Pasolini.

O Arcaico na Modernidade


Antes de filmar O Evangelho Segundo São Mateus, Pasolini partiu em busca de locações na terra onde tudo teria acontecido. Pesquisa que foi registrada no infelizmente pouco conhecido documentário Locações na Palestina. Embora não estivesse surpreso, Pasolini ficou desapontado com o aspecto industrial moderno de Israel. Mais impressionante foi sua descoberta das dimensões modestas dos lugares santos – como disse Pasolini na época, tudo cabia na palma de sua mão. A diferença entre o aspecto humilde do local real e a sombra grandiosa do mundo arcaico na Bíblia aprofundou a noção de contaminação, já utilizada por Pasolini: “A contaminação [entre] humildade e grandeza talvez descreva, num nível mais fundamental, a impregnação de restos arqueológicos reais - aparentemente apenas ‘fragmentos miseráveis’ espalhados, poeirentos – por uma carga mítico-visionária cuja pretensão de autenticidade e valor é de uma ordem completamente diferente daquela das próprias ruínas” (7). Na contaminação, uma paisagem de pobreza e ruínas, as suntuosas riquezas da arte Cristã, o contemporâneo e o arcaico, o real e o fantasmático, se cruzam e interpenetram sem neutralizarem um ao outro. Em outras palavras, ao invés de utilizar a evidência arqueológica para destruir o dogma teológico, Pasolini abraçou ao mesmo tempo a concretude material dessa evidência e a grande ressonância do mito.

Em Accattone. Desajuste Social, Pasolini já havia utilizado a contaminação (quando Accattone luta com o irmão de Ascenza ao som da Paixão Segundo São Mateus, bwv 244, de Johann Sebastian Bach). De acordo com Pasolini, no caso de Locações na Palestina, filmado na Galiléia, Jordânia e Síria, a contaminação é imanente à própria paisagem. A impressão dominante, repetidamente articulada neste documentário que coleciona locações para O Evangelho Segundo São Mateus, é da humildade – este é o termo utilizado por Pasolini – dos locais que o Evangelho determina como o grande palco da pregação e Paixão de Jesus. Do ponto de vista da contaminação, a paisagem pobre e em ruínas se deixa penetrar pelas riquezas da arte cristã, mas sem se neutralizarem mutuamente. Mesmo antes da viagem Pasolini já havia decidido não utilizar as locações para seu filme sobre o Evangelho de São Mateus. A expedição à Palestina teria como função informar a noção de analogia, que, complementando aquela de contaminação, qualifica a fundamentação cristológica do projeto (8).
De acordo com Noa Steimatsky, ao ressituar, deslocar e criar saltos temporais (cronológicos), a analogia será um elemento recorrente nas adaptações criadas por Pasolini, lançando luz em suas teorias cinematográficas idiossincráticas. As locações no norte a África e da Itália para Édipo Rei (Edipo Rex, 1967), na Anatólia (Turquia) para Medeia (Medea, 1969), em Nápoles para O Decameron (1971) e a cidade de Salò (norte da Itália) para Salò ou os 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 Giornate di Sodoma, 1975), estão entre os celebrados exemplos da prática da analogia por Pasolini. Em Notas Para Uma Oréstia Africana (Appunti per un’ Orestiade Africana, 1970) Pasolini medita sobre como “exportar” o mito grego mediterrâneo para a África subsaariana contemporânea e para os guetos negros nos Estados Unidos. No filme não realizado sobre a vida de São Paulo, a Nova York contemporânea seria a Roma antiga, Paris seria Jerusalém, a Roma moderna seria a antiga Atenas, Londres seria a Antioquia (Turquia), e o Oceano Atlântico do “teatro de viagens” de Paulo seria o Mar Mediterrâneo. No caso de Notas Para Uma Oréstia Africana, Steimatsky ressalta que o método de adaptação por analogia também revelou suas armadilhas. Pasolini estava maravilhado com as fisionomias autóctones, mas retirou o projeto porque aqueles africanos acabaram por se tornar para ele “um Outro” impenetrável (9). (imagem abaixo, vista de Matera)


Mas foi no projeto do Evangelho Segundo São Mateus que o processo de ressituar por analogia tomou corpo. As impressões do lugar original foram “importadas” para o sul da Itália. Pasolini levou tudo isso (Galiléia, Jordânia e Síria) para a Calábria, Basilicata, Puglia e Lazio (mais para o centro do país). Tendo visto os locais por onde Cristo haveria caminhado, e ouvindo seu guia em Locações na Palestina dizer que era preciso ter ido lá para poder reinventar aquele lugar em outro lugar, Pasolini se questionava sobre a responsabilidade de evitar uma redução literal da Terra Santa. E assim Pasolini introduz os locais mais humildes no sul da Itália. Lugares bastante distantes dos centros santos oficiais – Roma ou Jerusalém –, dotados de um valor sacro autêntico pessoalmente traduzido da Terra Santa. Como explicou o próprio Pasolini:

“Eu havia decidido fazer isso mesmo antes de ir à Palestina, o que eu fiz apenas para aliviar minha consciência. Eu sabia que poderia fazer o Evangelho por analogia. O sul da Itália me permite fazer a transposição do mundo antigo para o moderno sem ter de reconstruí-lo, seja arqueologicamente ou filologicamente... [Jerusalém] era a parte velha de Matera [em Basilicata] [imagem acima], a qual agora, ai, está caindo em ruínas - a parte conhecida como Sassi. Belém foi uma vila na Apulia [Puglia] chamada Barile, onde as pessoas realmente estavam vivendo em cavernas, como no filme, há apenas alguns anos atrás. Os castelos eram castelos Normandos pontilhando em volta da Apulia e Lucania. A parte do deserto onde Cristo está andando com os apóstolos eu filmei na Calábria. E Capernaum é formada por duas cidades: a parte próxima do mar é uma vila perto de Crotona, a parte ao se desviar o olhar do mar é Massafra” (10)

Não era a história reconstruída que interessava à Pasolini, mas a persistência de formas arcaicas no interior do mundo contemporâneo: estas formas foram localizadas no mundo deserdado da periferia italiana (o sul do país) na década de 60 do século passado, uma região a que foi negada participação na cultura hegemônica. O sul da Itália, explicou Pasolini na época da estreia de O Evangelho Segundo São Mateus, ainda era visto como uma parte do Terceiro Mundo – ignorado pela modernidade, ainda que fosse explorado pelo norte industrializado. Mas Pasolini não pretende apenas contrapor o arcaico e o progresso, ele os vê como uma força dialética vital, análoga àquela que encontrou no Evangelho de Mateus quando Cristo desafiou seus contemporâneos. O cineasta acreditava que o fato daquela parte da Itália haver escapado da cultura burguesa-capitalista e da racionalidade Iluminista dessacralizada tornava as locações escolhidas capazes de empurrar a modernidade na direção de uma conscientização mais profunda (11). 

A Paisagem e o Olhar


O arcaísmo de Masaccio está presente
na   sequência   da   Última   Ceia

Para filmar Paisà (1946), um dos marcos do Neorrealismo, Roberto Rossellini viajou pela Itália de norte a sul. Quando nos debruçamos no mapa e procuramos as locações de O Evangelho Segundo São Mateus, parece um grande roteiro turístico pelo país. Enzo Siciliano atuou no filme como Simão, um dos apóstolos. Ele disse que o batismo de Jesus no Jordão foi filmado num riacho entre Orte e Viterbo, no norte da Itália. A sequência do Monte das Oliveiras foi filmada entre a Villa de Adriano e Tivoli, próximo de Roma. A seguir todos partiram para Matera e Crotona, no sul. As cenas da tentação por Satanás foram filmadas nas encostas do monte Etna, na Sicília (12). Não se pode dizer que o cinema italiano, pelo menos durante certa época, não fez de seu próprio país um grande palco. 

Steimatsky ressalta a importância das paisagens em O Evangelho Segundo São Mateus. Para além do fato já exposto de uma analogia entre a Terra Santa e o sul da Itália, não foi casual a escolha de Matera, o topo de uma montanha na Basilicata, como análogo de Jerusalém. Ela já foi uma espécie de Terra Santa no princípio do cristianismo. Eremitas fugindo das perseguições ali encontravam elementos “análogos” à suas terras de origem (Palestina, Capadocia, Síria). Naquele lugar isolado coexistem influências bizantinas, ocidentais e latinas. Na verdade, havia um grande trabalho arqueológico em curso por lá entre 1959 e 1966 – lembrando que o filme é de 1964. Pasolini também conhecia outra fama de Matera. Ela era chamada de “a vergonha da Itália”, representando o ponto máximo do subdesenvolvimento do sul do país no pós-guerra: antigas habitações na pedra sem condições sanitárias, conhecidas como Sassi, ainda eram utilizadas pela população campesina na década de 50 do século passado. Portanto, nesta época Matera se torna ao mesmo tempo um modelo para a preservação do patrimônio cultural e local da construção de outro conjunto habitacional – La Martella foi construído nas cercanias de Matera (13).

Pasolini estava atento ao choque entre o arcaico e o novo, e temia que o primeiro sucumbisse ao segundo. Num documentário gravado em 1971, Os Muros de Sana’a (Le Mura di Sana’a), ele já havia tocado no assunto em relação ao patrimônio arquitetônico do Iêmen. Em 1974, no documentário A Forma da Cidade (La Forma della Città), Pasolini se refere ao assunto partindo do exemplo da cidade medieval de Orte – na região italiana do Lazio. Embora o pequeno filme já tivesse sido inserido no documentário sobre Sana’a, Pasolini enfatiza novamente como a arquitetura medieval estava sendo desfigurada por prédios de arquitetura moderna, com parâmetros impostos pela especulação imobiliária. Nos dois casos se pode perceber como Pasolini mescla uma visão estética nostálgica e sua crítica político-ideológica – embora ele insista que não se trata de nostalgia. As imagens que Pasolini fez de Matera, especialmente a beleza severa do Sassi, são também um exemplo de como uma cidade pode se inserir de forma correta na paisagem. Uma cidade habitada por séculos parece emergir da paisagem como se fosse parte dela.


Numa das poucas vezes em que O Evangelho Segundo São Mateus reproduz o ponto de vista de Cristo, Pasolini estabelece uma reciprocidade entre a paisagem e a fisionomia humana, entre o olhar e os objetos. A paisagem é tocada pelo olhar de Jesus (ou pela câmera de Pasolini). A própria percepção do cineasta-poeta se equipara à visão divina. Tocadas por esse olhar, as “coisas do mundo” encarnam o sagrado. Como num ícone religioso, Matera se torna ao mesmo tempo tela de fundo da Paixão prestes a acontecer, sua testemunha compadecida, e ela própria um objeto de contemplação divina. Talvez procurando encaixar a proposta de Pasolini no planeta dos teóricos da imagem cinematográfica, Steimatsky resgata as palavras de Béla Balázs: 

“O filme, como a pintura, oferece a possibilidade de dar ao fundo, às imediações, uma fisionomia não menos intensa do que os rostos dos personagens... É como se subitamente a região rural estivesse levantando seu véu e mostrando sua face, e na face uma expressão que reconhecemos, ainda que não consigamos nomeá-la” (14)

Talvez Steimatsky esteja sugerindo outra fonte para a hipótese de Pasolini, já que os escritos de Balázs foram traduzidos para o italiano ainda durante o Fascismo, no final dos anos 30 do século passado. Os escritos de Walter Benjamin sobre o caráter cerimonial da aura também foram celebrados na Itália de então (15). “Esta é a face da terra”, conclui Steimatsky referindo-se às palavras de Bálazs. 

“Sua expressão, seu olhar de volta, sua praesentia, é desvendada por uma percepção de consagração, agora identificada com a [percepção através] da câmera cinematográfica. Assim como o sagrado é transportado da Terra Sancta para [Matera], sua encarnação na humanidade de Cristo incide sobre a paisagem arcaica que fundamenta essa imagem, permitindo uma expressividade mais duradoura do que aquela de um rosto sozinho. Pasolini busca capturar na superfície filmada, nas ‘coisas do mundo’, um vislumbre da imagem icônica de Deus: vistos, porém não completamente nomeáveis, excedendo o particular e o histórico em sua apoteose na paisagem. Não é captado como texto, nega a arbitrariedade dos signos, transpira no filme. De acordo com tal teologia, a analogia enquanto princípio de trabalho é complementada pela anagogia (16), a participação do trabalho no sentido divino, onde aquilo que foi dito no escuro é projetado na luz” (17)

Realidade e Realismo Segundo Pasolini


Portanto, o conceito de analogia alcançaria um status especial na teoria pasoliniana de cinema. O referente e a representação, a realidade e sua inscrição num filme, são entendidas como partes análogas de um mesmo contínuo. A analogia define a relação entre o signo audiovisual cinemático particular e sua fonte no campo de visão da câmera. Técnicas como enquadramento e edição levam a analogia para além do “naturalismo” (algo que Pasolini abomina). Na aposta de Pasolini, o signo não é apenas aquilo que está no lugar de outra coisa, é algo que a torna manifesta e legível: o signo cinematográfico é a própria articulação intensificada da realidade. Steimatsky observa que existe uma relação entre esta proposta de Pasolini e a semiologia de Roland Barthes – não o estruturalista, mas a parte de sua obra dedicada à fotografia. A semiótica de ambos aponta para uma fenomenologia, sendo que a de Pasolini transborda para o teológico. Um filme poderia assumir a expressividade da realidade, sua plenitude de sentido, aproximando-se de uma plenitude sacra (18). (imagens acima, a mãe de Pasolini, Susanna, atuou no papel da Maria mais velha, aqui durante a crucificação)

Pasolini tinha consciência de que sua tese do signo cinematográfico como o sentido encarnado poderia ser vista como uma percepção arcaica, religiosa e até infantil. Mas o poeta-cineasta insista em dizer que quando contava a história de Cristo seu objetivo não era reconstruí-lo como realmente foi. Como Pasolini não era um crente, um fiel, nem se quisesse conseguiria. Fazer isso, disse ele, seria proceder a uma secularização, uma postura pequeno-burguesa detestável. O que Pasolini afirmou desejar através do cinema foi resantificar, reaproximar as coisas do mito o máximo possível. Como sugeriu Steimatsky, um cinema que visava interromper o “fluxo correto” do discurso ao isolar o objeto e catequizá-lo, seria também capaz de interferir no estilo de cinema que apostava na edição voltada à continuidade e também no Neorrealismo das tomadas longas.

Antes de qualquer coisa, existiria uma “linguagem escrita da realidade” que seria transcrita em filme. Nesse sentido, a impressão cinematográfica (a relação entre imagem e objeto) implica “um certo” realismo, um análogo espacial. Maurizio Viano (19) credita ao próprio Pasolini esta expressão, que também foi abraçada por Steimatsky. Da mesma forma, este “certo realismo” propiciaria um salto temporal para o arcaico. Segundo este ponto de vista, a imagem cinematográfica leva tanto à realidade quanto ao passado. Pasolini pensou a imagem cinematográfica enquanto uma emanação direta da realidade, no mesmo sentido do ícone religioso e da relíquia: a evidência visual da encarnação do sagrado no mundo. Além disso, existe a hipótese do ícone feito “sem as mãos”, que se acredita ter recebido a impressão diretamente do representado - seria total a identidade entre a imagem e seu referente. Foi esta hipótese que levou historiadores da arte, e mesmo figuras eminentes da Igreja nos tempos atuais, a considerar a imagem fotográfica em relação a essa tradição. Foi então que abraçaram as possibilidades do cinema.


A atitude de veneração do retrato/ícone havia informado a arte do século XV na Itália. Foi nesta fonte que Pasolini bebeu quando articulou o arcaico e o moderno em sua adaptação do Evangelho. De fato, sua afinidade com práticas do cinema “arcaico”, frequentemente privilegiando a encenação frontal, muitas vezes atribuída à influência do teatro, poderia estar associada com a frontalidade na imagem devocional. Pasolini fala sobre isso já a respeito de Accattone. Desajuste Social (20). Segundo ele, e lembrando-se do posicionamento do rosto no ícone, falar em frontalidade é o mesmo que dizer sacralidade. Em O Evangelho Segundo São Mateus, essa frontalidade é aparente, apesar do aumento da distância focal. Nos quadros de Masaccio (1401-1428), um dos modelos de Pasolini ao lado de Giotto (1266?-1337) e Piero della Francesca (1415-1492), pode-se pensar uma frontalidade das figuras mesmo quando estão de lado (21). Com relação a frontalidade das figuras, Pasolini também citou como influências o espanhol El Greco (1541-1614) e elementos da retórica dos ícones Bizantinos (22).

Por outro lado, para Stéphane Bouquet tal frontalidade, pelo menos em O Evangelho Segundo São Mateus, aponta também para toda a abordagem estética com a qual Pasolini concluiu que deveria romper – rompimento que resultou na elaboração do conceito de “cinema de poesia”. De fato, admite Bouquet, Pasolini reterá de Giotto o caráter popular do cristianismo. Já em Masaccio, Bouquet observa que Pasolini encontraria sua teoria do “fundo” – onde o cenário perde sua função simbólica, conservando apenas uma função plástica. Um fundo em geral uniforme, cuja função é fazer com que os personagens sobressaiam. Em Accattone. Desajuste Social e Mamma Roma, por exemplo, essa tendência era muito forte. De acordo com Bouquet, a frontalidade, presente na imagem da Virgem no começo de O Evangelho Segundo São Mateus, foi abandonada por Pasolini devido à redundância. No caso de Accattone e Mamma Roma, o elemento sagrado inerente a frontalidade era necessário porque fora aplicado a figuras mundanas (gente comum, bandidos, etc). No caso de O Evangelho, Cristo não tinha necessidade de ser identificado com ele mesmo. Não era necessário filmar o sagrado de maneira sagrada, concluiu o poeta-cineasta. A frontalidade, afirmou Bouquet, foi um dos perigos inerentes a utilização da pintura como inspiração, algo que Pasolini percebeu logo no começo das filmagens (23).

A Contaminação e o Cinema de Poesia


 “O cinema de poesia é uma adaptação
 pasoliniana   das   teses   brechtianas”

Stéphane Bouquet (24)

Mas Steimatsky também sugeriu que Pasolini vai além das citações pictóricas. Como na sequência da Última Ceia, onde o cineasta-poeta interioriza o arcaísmo de Masaccio e o transfere para a linguagem cinematográfica. Entre os Apóstolos que olham para ele e o rosto de Cristo, que olha para fora daquele espaço, insere-se uma dimensão estranha. O espaço cinemático (entre os personagens), que estabelece uma cena doméstica, cede lugar ao olhar de Cristo próximo daquele dos ícones. É um toque de contaminação entre o mundano e o divino. A Adoração dos Magos é outra sequência apontada por Steimatsky como exemplo de contaminação. Pintado em 1426, o quadro homônimo de Masaccio mostra figuras de perfil, já Pasolini começa com o perfil e passa para um ângulo alto, filmando a procissão de frente, do ângulo da Madonna. Mais especificamente, a partir de um ângulo por cima dela (25). Steimatsky ressalta também que Pasolini estaria, ao enumerar os elementos mecânicos que contribuem para uma poética da contaminação, implicitamente descrevendo O Evangelho Segundo São Mateus em seu famoso texto O Cinema de Poesia (26). De fato, Pasolini afirmou em 1965 que apenas O Evangelho Segundo São Mateus poderia ser considerado cinema de poesia:

“Provavelmente, meus filmes não pertencem a esta corrente. Ou então só em parte: isso valeria exclusivamente para meu último filme, O Evangelho Segundo São Mateus. Mas Accattone, Mamma Roma, A Ricota foram feitos segundo a sintaxe clássica; aquela do cinema de Chaplin a Bergman, de Mizoguchi a Dreyer” (27)

Apresentando como referência um livro organizado por Jean Duflot (28), Pino Bertelli cita (sem datar) uma frase de Pasolini bastante direta em relação à Pocilga (Porcile, 1969), um filme posterior. O poeta-cineasta dizia que este é o “que mais tende ao cinema de poesia. É o irmão gêmeo de Gaviões e Passarinhos [Uccellacci e Uccellini, 1966] e é parente de Teorema [1968] no aspecto estilístico (...)” (29). De qualquer forma, Steimatsky considera que, em O Evangelho Segundo São Mateus, Pasolini ultrapassou a falácia do ilusionismo (cópia pura e simples dos elementos da história da arte que agradavam) em favor de uma imanência da visão que permeia não apenas o mundo representado, mas também a própria materialidade do equipamento cinematográfico (lentes, câmeras de mão, etc). Steimatsky é bastante específico a respeito, referindo-se a uma consciência da perfeita tematização da imaginação arcaica por parte de Pasolini desde as primeiras cenas de O Evangelho Segundo São Mateus

“Considere esta primeira tomada muda da jovem Maria grávida, modelada talvez pela Madonna della Misericordia, de Piero [della Francesca], contra um arco cego que a emoldura como seria o feixe icônico ou estrutura de painel. Tais áreas enquadradas, sugeridas por arcos, janelas e portais, freqüentemente utilizados no cinema para aumentar planos adicionais em composições em foco profundo – nós vimos isso em A Terra Trema [La Terra Trema. Episódio del Mare, 1948, de Luchino Visconti] – são normalmente bloqueadas no filme de Pasolini. Ao invés de levar o olho para a profundidade, elas servem aqui para enquadrar uma figura impressa sobre o solo que, orientada na direção de nosso espaço, comprime a figura na superfície da tela. Pasolini combina esta disposição hierática com uma trilha musical quase silenciosa sobre as tomadas em campo/contracampo de José e Maria. Mesmo quando a narrativa começa, o tratamento vigoroso de Pasolini mantém essa orientação dominante: poucos quadros depois, José é enquadrado em plano médio pelas costas, seu torso uma sombra escura contra o fundo brilhante, sua silhueta estampada sobre a vista de Barile, a vila de montanha na Apulia que serve como a Belém de Pasolini. A paisagem, que parece projetada bem na frente dele, preenche o quadro quase inteiramente com muito pouca definição de céu no topo para quase não sugerir distância e dimensão.Por todo o filme, o enquadramento  da paisagem raramente permite mais do que este pedaço de céu para definir os contornos de uma encosta de morro. De fato, onde quer que exista céu sobre as paisagens de O Evangelho Segundo São Mateus, de Pasolini, está normalmente nublado para manter uma superfície opaca e achatada. Em preparação para o sonho de José, uma panorâmica traçando os ritmos ondulantes do morro descreve a extensão das características naturais e elementos arquiteturais – ruínas, cavernas, caminhos -  misturando-se um com o outro na superfície. O próprio movimento de José ao girar e se ajoelhar para dormir repete o movimento da panorâmica descendente: o corpo humano é tomado como sinônimo da paisagem que se descortina, [o surgimento] do anjo parece ‘naturalizado’ no lugar humilde: quase não distinta das crianças mostradas brincando aqui momentos antes, como se tivesse sido sempre parte desse cenário. É como se a paisagem estivesse esperando por esta ilustração para oferecer à vista seu fardo sagrado, sua própria figura oculta: a natural, a diária, e a miraculosa aparição ‘contaminam’ uma a outra. Já nessas tomadas iniciais, portanto, a câmera de Pasolini busca relações de repetição, identidade e reciprocidade entre a paisagem e as figuras. Como se fossem desenhadas por uma única mão sem nenhum abismo, nenhuma sombra separando uma da outra, mas se sobrepondo, colidindo na tela, pertencendo a uma única totalidade hierática” (30) 


A figura de Maria aparece emoldurada como
 numa  pintura  renascentista.  Pasolini repetiria
o procedimento  apenas  mais algumas vezes

De acordo com Bouquet, Pasolini experimentou de tudo em O Evangelho Segundo São Mateus. Colocou o zoom em sua câmera para ver no que dava, multiplicou enquadramentos assimétricos e ângulos pouco habituais. Pasolini procurava uma maneira de desnaturalizar a imagem. Para filmar o sobrenatural acentuando os milagres, a maior parte dos cineastas lança mão de efeitos especiais. Mas Pasolini era ateu, ele não faria um filme para mostrar milagres. De fato, o cineasta-poeta lamentou a incorporação de milagres no filme como um “Barroco quase contra-reforma, repelente... um pietismo repugnante” (31). Bouquet esclareceu que a maioria dos milagres em O Evangelho (com exceção da cura do leproso, que dá lugar a uma transição em fusão – crossfade) são substituídos por elipses. A vinda de Deus a terra corresponde a uma mudança das lentes. Pasolini também utiliza a câmera portátil buscando um plano tremido que introduz a imprecisão e a desordem, se contraponto aos planos estáticos de alguns personagens. Planos amplos são seguidos de closes e vice-versa e/ou por planos que rompem a continuidade (numa mesma ação, como os sermões de Cristo, os planos feitos de dia e à noite são colocados em sequência). Bouquet se pergunta qual é a necessidade de filmar O Evangelho com tantos ruídos e descontinuidades quando outros, como Carl Theodor Dreyer em A Palavra (Ordet, 1955), enxergam aí um acontecimento de grande calma e retorno a inocência? (32)
Para Bouquet existem duas respostas. Em primeiro lugar, a violência da filmagem corresponderia à violência da mensagem política do Evangelho – o Cristo de Pasolini não é da contemplação, mas do combate (um dos poucos planos contemplativos é aquele onde o personagem de Ninetto Davoli brinca com uma criança). A segunda resposta é, justamente, o “cinema de poesia”. O problema teórico que o cineasta-poeta se colocou foi o seguinte: como contar a vida do Cristo e ao mesmo tempo deixar claro que não se compartilha das crenças católicas, que não se confunde a verdade histórica (a existência real de Cristo) com a interpretação religiosa (Cristo é a encarnação de Deus na terra)?

Na resposta tradicional da identificação, esta lacuna teria sido perdida. O espectador teria se identificado com o personagem de Cristo e reconhecido a presença de Deus. Mantendo a lacuna, Pasolini não confundia sua própria voz com a de Cristo. Como decorrência, o espectador não seria engolido numa identificação que aniquila a consciência. Bouquet esclarece que essa postura fora teorizada pelo dramaturgo marxista Bertold Brecht (1898-1956) e se chama distanciamento. Recusa a ilusão e reforço da consciência crítica do espectador, que não está mais lá para experimentar os efeitos (teoria aristotélica e clássica da catarse), mas para acordar o pensamento. O distanciamento, não para de dizer: não acredite naquilo que você vê, mas pense nisso que você vê, tire conclusões e as utilize para mudar o mundo do lado de fora do cinema. Portanto, o conceito de cinema de poesia seria uma adaptação das teses de Brecht. Doravante, disse Pasolini, “sem clímax narrativo, sem catarse, sem encerramento da narrativa” (33).


Bouquet mostra como o conceito de discurso indireto livre desenvolvido por Pasolini não é mais do que o desdobramento do ponto de vista. No ponto de vista clássico, um personagem vive, vê e age no mundo da ficção – é o discurso direto. Do outro lado, a câmera vê esse personagem vivendo naquele mundo. Ela pode ter um discurso que não coincide com aquele do personagem, mas o critica e o transforma – é o discurso indireto livre. Durante o filme, os dois discursos (do personagem e do filme) coexistem. Para que isto ocorra, é necessário que o espectador nunca se esqueça de que está assistindo a um filme, que não se esqueça da história que é contada, que permanentemente tenha consciência da presença da câmera. Desta forma, o cinema de poesia multiplica os efeitos de ruptura, quebrando a gramática clássica do cinema e desestabilizando as expectativas do espectador. Como na sequência do Sermão da Montanha, onde o espectador é “acordado” e impedido de se identificar em função da sucessão de planos (começando de dia, passando para a noite e terminando de dia). 

Bouquet sugere que o emprego do zoom é o que mais claramente demonstra a existência de uma consciência estética do filme independente da consciência do personagem. O zoom é a câmera funcionando, é um poder autônomo em relação a Cristo. Ela pode decidir se aproximar quando o personagem permaneceu imóvel. Este poder da câmera, este gosto dela pelo mundo, é na verdade a disposição do cineasta. No cinema de poesia a noção de personagem é retrabalhada, como condição para que essa dupla consciência surja. O personagem, no sentido clássico do termo (cujas ações são orientadas para a resolução de conflitos objetivos: salvar a pele; reconquistar quem se ama; vingar seus filhos, enriquecer, etc.), não deve mais impressionar o espectador. Pasolini identificou o discurso indireto livre em Antonioni, Godard e Bertolucci, insistindo no fato de que os personagens deles são neuróticos. Bouquet explica que Pasolini sugeriu isso porque o personagem neurótico de certa forma justifica o discurso duplo. Citando O Cinema de Poesia, Bouquet conclui: 

“(...) Existe o mundo filmado (real) onde [o neurótico] vive e aquilo que ele percebe, deformado por sua neurose, sua loucura. É de certa forma essa ‘loucura’ do personagem que apoia a câmera e seus distúrbios. Por exemplo, segundo Pasolini, a insistência sobre detalhes, assim como a duração dos planos em Antonioni, testemunha ‘a tentação de fazer outro filme’, sobre o filme real. Deixar surgir outro mundo, exterior à intriga, e que vem da cabeça do personagem neurótico que é, no fundo, o representante ‘das próprias experiências vitais’ do cineasta. Isso significa que Cristo também, para Pasolini, é um personagem neurótico? Talvez não. Mas isso significa certamente que o Cristo não se reduz a seu nome de Cristo, que ele também é uma existência múltipla, que encarna algumas das experiências vitais do cineasta e escritor Pasolini” (34)


Exceto por pequenas correções gramaticais, Arcaísmo e Cinema no Evangelho de Pasolini foi publicado originalmente na Revista Universitária do Audiovisual, da Universidade Federal de São Carlos (RUA/UFSCar), São Paulo, em 15 de janeiro de 2011.

Leia também:

Notas:

1. BOUQUET, Stéphane. L’Évangile Selon Saint Matthieu. Paris: Cahiers du Cinéma/Scérén-CNDP, 2003. P. 39.
2. STEIMATSKY, Noa. Italian Locations. Reinhabiting the Past in Postwar Cinema. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008. P. 206n3.
3. Idem, pp. 120-1.
4. Ibidem, p. 207n7.
5. Ibidem.
6. BOUQUET, Stéphane. Op. Cit., p. 60.
7. STEIMATSKY, Noa. Op. Cit., p. 126.
8. Idem, pp. 122, 126 e 128.
9. Ibidem, pp. 127-8, 208n14.
10. Ibidem, pp. 132-3.
11. Ibidem, pp. 133-4.
12. BOUQUET, Stéphane. Op. Cit., pp. 72-3.
13. STEIMATSKY, Noa. Op. Cit., pp. 160-4 e 215n54.
14. Idem, 164.
15. Ibidem, p. 215n56.
16. “Pasolini está, certamente, familiarizado, com a formulação de Dante do quarto sentido de leitura no Convívio 2.1.6.: ‘O quarto sentido é chamado anagógico, isto é, transcendendo os sentidos (...)”. STEIMATSKY, Noa. Ibidem, pp. 215-6n57.
17. STEIMATSKY, Noa. Ibidem, p. 165.
18. Ibidem, pp. 137 e 209-10n26.
19. VIANO, Maurizio. A Certain Realism: Making Use of Pasolini’s Film Theory and Practice. Berkeley: University of California Press, 1993. Citado em Steimatsky, Noa, Ibidem, p. 210n30.
20. STEIMATSKY, Noa. Ibidem, pp. 143-4 e 212n40.
21. SITI, Walter; ZABAGLI, Franco (Eds) Pier Paolo Pasolini per il Cinema. Milano: Mondadori, 2 vols. 2001. Vol. 2, pp. 2768, 2771.
22. STEIMATSKY, Noa. Op. Cit., p. 213n41.
23. BOUQUET, Stéphane. Op. Cit., pp. 42 e 45-6.
24. Idem: p. 49.
25. STEIMATSKY, Noa. Op. Cit., pp. 149-52 e 214n49.
26. Idem, pp. 154, 214n49; PASOLINI, Pier Paolo. Empirismo Eretico. Milão: Garzanti, 2000 [1972]. O artigo Cinema de Poesia, constante desta coletânea está datado de 1965. P. 185.
27. SITI, Walter; ZABAGLI, Franco. Op. Cit., p. 2899.
28. DUFLOT, Jean. Il Sogno del Centauro. Roma: Editori Riuniti, 1982. P. 89. Citado em BERTELLI, Pino.  Pier Paolo Pasolini. Il Cinema in Corpo. Atti Impuri di um Eretico. Roma: Edizioni Libreria Croce, 2001. P. 89.
29. BERTELLI, Pino. Op. Cit., p. 219.
30. STEIMATSKY, Noa. Op. Cit., pp. 156-8.
31. Idem, p. 214n51.
32. BOUQUET, Stéphane. Op. Cit., pp. 46-7.
33. Idem, p. 49.
34. Ibidem, pp. 50-1.