11 de mar. de 2010

A Itália em Busca do Realismo Perdido (final)





O Neo-Realismo
se afastava   do  mundo
de  ficção e fantasia de
Hollywood, em busca
de  realismo  social





Realismo Social e Crítica de Esquerda

Apesar do interesse em afastar o cinema italiano de seu passado fascista, o realismo social nasceu lá. No pós-guerra, uma tendência marxista queria mostrar os elementos estéticos que (na opinião deles) de fato importavam no realismo social. Liderados por Guido Aristarco, editor de Cinema Nuovo, queriam eliminar o tom católico de antes da guerra. Consideravam o cinema uma arma ideológica, opondo-se a todo filme que apresentasse um ponto de vista não materialista. Embora houvesse cineastas, como Visconti e De Santis, que se diziam marxistas, as demandas nesta direção surgiram principalmente dos intelectuais (1).




Esse grupo pretendia ir além da simples reportagem sobre o estado da Itália real apresentado de forma realista, estabelecendo um programa para todo o cinema italiano. Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette, 1948) (imagem acima) foi considerado um filme modelo. Entrementes o próprio Rossellini, universalmente considerado pai do Neo-Realismo (inclusive pelos marxistas), sugeriu que era hora de mostrar a reconstrução do país. Desloca então sua câmera dos problemas estritamente sociais e políticos, buscando outras dimensões da condição humana – solidão, alienação e relações afetivas.



É neste sentido que vai sua defesa do filme A Estrada da Vida (La Strada, direção Federico Fellini, 1954) (imagem acima), recebido por ataques hostis da esquerda. Quando o filme ganhou o Leão de Prata no Festival de Veneza, Guido Aristarco declarou: “Nós não dissemos, jamais dissemos, que La Strada é um filme mal dirigido ou com atuação ruim. Declaramos e reiteramos que ele está ERRADO; sua perspectiva está errada” (2). Michelangelo Antonioni, mais um cineasta que realizou essa mudança de ponto de vista, contou que os críticos franceses da época definiram seus novos trabalhos como “um tipo de realismo interno” (3).



Rossellini não apenas não se considerava o pai do Neo-Realismo como dizia que cada um tem o seu. Disse que o seu Neo-Realismo pode ser traduzido pela frase: ame seu vizinho. Já em 1949 ele começa sua mudança em filmes como Stromboli (Stromboli, Terra di Dio, 1949) (imagem ao lado), Europa 51’ (1952) e Viagem à Itália (Viaggio in Italia, 1953) (acima). Fellini concordava, juntamente com Rossellini e Antonioni, que o cinema italiano precisava ultrapassar esse ponto de vista marxista dogmático em relação à realidade social, optando por tratar de forma poética problemas pessoais e emocionais igualmente profundos (4).






Pasolini, que utilizou
não-atores em seus filmes
,
faz uma crítica feroz da postura l
ibertária de
esquerda na Italia




Não é que Pier Paolo Pasolini não seja de esquerda, a questão é que acredita que no fundo todos os esquerdistas italianos querem mesmo é ser burgueses. Em Accattone. Desajuste Social (Accattone, 1961) (imagem acima), Pasolini mostra um retrato realista da vida dos proletários na periferia de Roma. Entretanto, o diretor não faz um filme de realismo materialista, mostra o pobre como um “outro” - alguém que está fora ou excluído do capitalismo. E Pasolini se identifica com esse “outro” porque esta é a prova de que o homem livre criado pela ordem burguesa não passa de uma ficção elaborada pelo capitalismo e pelo liberalismo.



Pasolini
procurava
mostrar
como
a existência dos excluídos é intrínseca
ao sistema






Pasolini pretendeu mostrar como eles são a medida universal do progresso desse sistema (5). Foi bem neste ponto que Pasolini encontrou todos os seus inimigos, da esquerda e da direita. Apesar dos elementos neo-realistas presentes em seus dois primeiros filmes, Pasolini adotou uma posição crítica em relação ao Movimento. E, na verdade, teria construído Accattone. Desajuste Social e Mamma Roma (1962) (imagem acima) filmes em oposição à estética neo-realista como Guido Aristarco a entendia. Por conta disso, não há problema em reconhecer um elemento poético no realismo de Pasolini, pois a preocupação materialista da estética da esquerda radical nada mais seria do que uma corroboração do discurso burguês.

Em Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione, 1964) (6), talvez contextualizando de forma mais explícita na estória, Bernardo Bertolucci faz o mesmo questionamento contra os clichês do discurso da esquerda (primeira imagem do artigo). O filme mostra as dúvidas de um homem que renega a burguesia, mas ao mesmo tempo não acredita que a esquerda saiba o que está fazendo. Para esse revolucionário em crise, o proletariado sonha com a burguesia. Bertolucci nos deu mais um exemplo deste “realismo interno” que, por tabela, questiona aquilo que os italianos de esquerda acreditavam que era o mundo real. Não por acaso, em certo momento numa mesa de bar são citados Um Corpo que Cai (Vertigo, direção Alfed Hitchcock, 1958) e Viagem à Itália como dois filmes sem os quais não se pode viver. Com alguma ironia, Bertolucci cita em seu próprio filme outros dois que remetem a uma vertigem no interior do homem.




O realismo agora

é aquele do mundo
interno,   cheio   de
dúvidas humanas





Dos sonhos do realismo de esquerda materialista libertário de Rossellini no pós-guerra, passamos à paulatina submissão da revolução da esquerda ao capital (imagem acima, Stromboli; abaixo, A Terra Treme, direção Luchino Visconti, 1948). É como se não houvesse mais esperança de que o exterior (entendido como o real mundo da vida) irá modificar o interior, pois o mundo da vida social já foi dominado e comprado pelo capital. Um mundo interior que parece ser o último refúgio de contradições vividas como drama e que poderiam impulsionar as pessoas para a ação e a mudança.




Essa guinada para
o interior realmente
fez do cinema desses
italianos algo próximo
do âma
go do ser?

1. BONDANELLA, Peter. The Films of Federico Fellini. UK: Cambridge University Press, 2002. P. 45.
2. Idem, p. 63.
3. Ibidem, p. 48.
4. Ibidem, p. 53.
5. VIGHI, Fabio. Pasolini and Exclusion. Žižek, Agamben and the Modern Sub-proletariat In Theory, Culture and Society. London: Sage Publications, vol. 20(5), pp. 99-121. 2003.
6. Como aos 01h28min do dvd lançado no Brasil pela Versátil Home Vídeo.