Sergio Leone
confessou-se fascinado
pela forma como o cinema japonês utilizava o silêncio. Apesar de repletos de ação, ouvimos esse silêncio em muitos filmes do
cineasta (1)
confessou-se fascinado
pela forma como o cinema japonês utilizava o silêncio. Apesar de repletos de ação, ouvimos esse silêncio em muitos filmes do
cineasta (1)
Um dos maiores sucessos de bilheteria do cineasta japonês Akira Kurosawa foi Yojimbo (1961) – filme que ganhou uma seqüência no ano seguinte, Sanjuro (2). Outra curiosidade sobre Yojimbo é que o cineasta italiano Sergio Leone se baseou nele ao escrever o roteiro de Por Um Punhado de Dólares (Per un Pugno di Dollari, 1964), primeiro filme de sua famosa Trilogia dos Dólares – também conhecida como Trilogia do Homem sem Nome. Em Yojimbo, o samurai Sanjuro Kuwabatake oferece seus serviços como Yojimbo, ou guarda-costas, a duas facções rivais e espera pela melhor oferta. Tendo começado a confusão, aparentemente por falta de algo melhor para fazer, gradualmente Sanjuro se dedica a acabar com a briga de uma vez por todas, causando danos aos dois lados. Por Um Punhado de Dólares segue de perto o mesmo padrão. (todas as imagens deste artigo são do filme de Leone; abaixo, à direita, como em Yojimbo, temos um velho que tem trabalhado muito construindo caixões)
Como nos filmes de
Leone, tudo foi resolvido com Kurosawa quando o dinheiro foi dividido
Leone chegou a anunciar no próprio roteiro publicado que seu filme era baseado no roteiro de Yojimbo - que Kurosawa escreveu juntamente com Ryuzo Kikushima. A compensação veio com a garantia dos direitos de distribuição de Por Um Punhado de Dólares a favor de Kurosawa no Japão, Formosa (Taiwan) e Coréia do Sul, além de 15% dos lucros da distribuição mundial. As modificações introduzidas no roteiro por Leone não implicavam num abrandamento do argumento legal que afirmava que seu filme fosse uma cópia de Yojimbo (3) - Christopher Frayling sugeriu que o argumento foi mais em função do roteiro, pois havia diferenças em relação às cenas, aos diálogos, a caracterização, os estilos de atuação e ao trabalho de câmera (4). A razão do filme de Leone ter sido lançado nos Estados Unidos apenas dezoito meses depois da estréia na Itália foi justamente o processo movido contra ele (5). O próprio Kurosawa, na verdade, já havia comentado a respeito da identificação de Sanjuro, o protagonista de seu filme, com o Oeste Americano: “Bons faroestes são admirados por todos. Uma vez que os humanos são fracos, eles querem ver pessoas boas e grandes heróis. Muitos faroestes foram feitos e um tipo de gramática evoluiu no processo. Eu aprendi com essa gramática do faroeste” (6). Em Yojimbo, a cidade é muito parecida com aquelas no meio do nada que se podem ver nos filmes de cineastas norte-americanos como John Ford. Sanjuro, atuando como um guarda-costas é o forasteiro que chega e vai embora.
Sergio Leone, que admitiu gostar muito dos filmes de Kurosawa, chegou a sugerir (com certa ironia amarga) que as idéias de suicídio do cineasta japonês poderiam se dever ao fato de ter tido mais lucro com o sucesso obtido pelas versões de seus filmes dirigidas por outros cineastas do que com seus próprios filmes! (7) De qualquer forma, argumentou Sergio Leone, Yojimbo foi inspirado no romance Colheita Sangrenta (Red Harvest, 1929), escrito pelo norte-americano Dashiell Hammett (1894-1964). O romance de Hammett, por sua vez, teria sido uma reedição de Arlecchino, Servidor de Dois Amos (Arlecchino servitore di due padroni, 1743), do italiano Carlo Goldoni (1707-1793). O que inverteria a questão, sugerindo que Kurosawa é que bebeu nas fontes ocidentais. De sua parte, Leone se recusou a admitir plágio. O cineasta foi enfático quanto ao fato de que apenas conservou a estrutura de Yojimbo, cuja fonte seria Hammett, tomando o cuidado de não repetir as palavras dos diálogos. Leone nunca admitiu que o sucesso de Por Um Punhado de Dólares fosse devido a não ser mais do que uma cópia do filme dirigido por Kurosawa (8). Frayling sugere ainda outro antecedente histórico tanto para o filme de Kurosawa quanto o de Leone, O Corruptor de Hadleyburg (The Man That Corrupted Hadleyburg, 1899), escrito por Mark Twain. De qualquer forma, o importante é que Leone e Kurosawa sempre disseram que sua inspiração foram os faroestes de Hollywood.
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Notas:
1. SIMSOLO, Noël. Conversation Avec Sergio Leone. Paris : Cahiers du cinéma, 3ª ed., 2006. P. 133.
2. RICHIE, Donald. The Films of Akira Kurosawa. Los Angeles: University of California Press, 3ª ed., 1996. P.156.
3. FRAYLING, Christopher. Spaghetti Westerns. Cowboys and Europeans from Karl May to Sergio Leone. London/New York: I. B. Tauris, 2ª ed., 2006. P. 147.
4. Idem, pp. 148-9.
5. SIMSOLO, Noël. Op. Cit., p. 97.
6. RICHIE, Donald. OP. Cit., p.147.
7. SIMSOLO, Noël. Op. Cit., pp. 98 e 195.
8. Idem, p. 98.