Susanna (final)
“A maior atração de cada um
de nós é para o Passado, porque
é a única coisa que conhecemos
e amamos de verdade. Tanto que
o confundimos com a vida. Nossa
meta é o ventre de nossa mãe”
Pier Paolo Pasolini
Pilade, Teatro, 314
“A maior atração de cada um
de nós é para o Passado, porque
é a única coisa que conhecemos
e amamos de verdade. Tanto que
o confundimos com a vida. Nossa
meta é o ventre de nossa mãe”
Pier Paolo Pasolini
Pilade, Teatro, 314
Susanna e Marilyn Monroe
Com A Raiva (La Rabbia, 1963) e Comícios de Amor (este com a participação de Susanna no elenco), Pasolini começa a procurar as mulheres do tempo presente (sua mãe representa o passado): Marilyn Monroe no primeiro filme e, no segundo, mulheres anônimas e algumas amigas intelectuais do poeta/cineasta. Esses filmes mostram as mulheres como sujeitos históricos e um discurso feminino a respeito da autenticidade cultural. Os dois mostram como o Milagre Econômico do pós-guerra na Itália não foi capaz de instaurar mudanças positivas para todos os grupos em todos os níveis da sociedade. (imagem acima, à direita, Suzanna em Teorema; à esquerda, abaixo à direita e no centro, Marilyn Monroe em A Raiva)
Pasolini mostrou a mulher a partir da diferença dela, mas não deixou de articular questões como orientação sexual, diversidade social e opressão cultural. Em A Raiva, ele utilizou Marilyn Monroe para falar da exploração de Hollywood. Em Comícios de Amor, Pasolini experimenta assuntos como casamento, divórcio, trabalho e prostituição, tanto do ponto de vista feminino quanto masculino.
De acordo com Collen Ryan-Scheutz, embora os dois filmes abordem questões de gênero, a feminilidade nunca foi um elemento decisivo no trabalho de Pasolini. Não se pode dizer que apoiava a o Movimento Feminista. Na década de 70, as jornalistas queriam saber a respeito de como ele via a mulher, especialmente nos filmes da Trilogia da Vida (1) – Decameron (Il Decameron, 1971) Os Contos de Canterbury (I Racconti di Canterbury, 1972) e As Mil e Uma Noites (Il Fiore delle Mille e Una Notte, 1974). Apesar de sua amizade com feministas como Adele Cambria, Oriana Fallaci e Dacia Maraini, as personagens femininas que Pasolini mostrava na tela não eram influenciadas por elas.
“Pasolini convidou várias dessas mulheres a colaborar em seus filmes ou aceitou entrevistas com elas em várias oportunidades. Cambria representou o papel de Nanninna em Accattone [1961], e ela mesma em Comícios de Amor. Dacia Maraini auxiliou na criação do roteiro e seleção de locações para As Mil e Uma Noites” (2)
De acordo com Collen Ryan-Scheutz, embora os dois filmes abordem questões de gênero, a feminilidade nunca foi um elemento decisivo no trabalho de Pasolini. Não se pode dizer que apoiava a o Movimento Feminista. Na década de 70, as jornalistas queriam saber a respeito de como ele via a mulher, especialmente nos filmes da Trilogia da Vida (1) – Decameron (Il Decameron, 1971) Os Contos de Canterbury (I Racconti di Canterbury, 1972) e As Mil e Uma Noites (Il Fiore delle Mille e Una Notte, 1974). Apesar de sua amizade com feministas como Adele Cambria, Oriana Fallaci e Dacia Maraini, as personagens femininas que Pasolini mostrava na tela não eram influenciadas por elas.
“Pasolini convidou várias dessas mulheres a colaborar em seus filmes ou aceitou entrevistas com elas em várias oportunidades. Cambria representou o papel de Nanninna em Accattone [1961], e ela mesma em Comícios de Amor. Dacia Maraini auxiliou na criação do roteiro e seleção de locações para As Mil e Uma Noites” (2)
Pasolini tratava as mulheres “reais” nesses filmes de mesma forma que as ficcionais: como mediadores para compreender se ainda existiam elementos das antigas subculturas italianas. O retrato que Pasolini mostrava da mulher era apenas mais um componente de um retrato social maior de opressão e profanação. Portanto, o interesse de Pasolini não era propriamente pela mulher “real” ou por suas questões, mas no que ele poderia concluir a respeito da Itália e a sociedade Ocidental a partir dela (3).
Marilyn Monroe incorporou simultaneamente o anjo e a puta, dois arquétipos da representação do feminino na obra de Pasolini: a garota pobre de cidade pequena e o símbolo sexual número um da América do Norte. Sua história de vida reflete a dicotomia pasoliniana entre modos de vida autênticos e inautênticos, a Mãe Jovem (Madre Fanciulla) e a diva de Hollywood. As curvas de seu corpo tipificam tanto vitalidade sexual e promiscuidade quanto fertilidade e esplendor maternal. As imagens de Marilyn em A Raiva referem-se à perda da inocência para a “máquina” cultural corrupta e sedutora. De forma similar aos amados fazendeiros do Friuli da infância de Pasolini, ou das prostitutas de rua de Roma, Marilyn foi explorada pelo sistema, por isso o poeta/cineasta podia se identificar com ela.
Ainda que Marilyn não represente o subproletário do pós-guerra presente nos filmes anteriores de Pasolini, ou a mãe mítica dos posteriores, sua realidade de moça pobre que se torna objeto da máquina de Hollywood exemplifica a habilidade do Sistema em transformar a identidade e os ideais humanos. Um Sistema que engole indivíduos e nações inocentes. A morte de Marilyn, conclui A Raiva, mostrou-nos o caminho: rejeição radical dos mecanismos de cooptação daquilo que é potencialmente puro (o corpo e os desejos humanos).
Vivendo no Passado
Enquanto A Raiva parte de Marilyn para falar da mulher “real” no mundo inteiro, Comícios de Amor fala da mulher italiana (imagem ao lado e seguintes). Comícios foi um dos poucos filmes daquela época que solicitou e ponderou a respeito do ponto de vista da mulher. Por retratá-la como uma cidadã importante e pensante, cujas aspirações e pontos de vista merecem atenção, este filme é crucial para o estudo da mulher no cinema de Pasolini. Aqui elas não aparecem em função apenas de maridos, cafetões ou filhos, mas também do trabalho, dos direitos e dos desejos. Neste filme, Pasolini soma, ao valor visual do corpo da mulher, a realidade histórica dela na Itália da década de 60 do século 20.
Vivendo no Passado
Enquanto A Raiva parte de Marilyn para falar da mulher “real” no mundo inteiro, Comícios de Amor fala da mulher italiana (imagem ao lado e seguintes). Comícios foi um dos poucos filmes daquela época que solicitou e ponderou a respeito do ponto de vista da mulher. Por retratá-la como uma cidadã importante e pensante, cujas aspirações e pontos de vista merecem atenção, este filme é crucial para o estudo da mulher no cinema de Pasolini. Aqui elas não aparecem em função apenas de maridos, cafetões ou filhos, mas também do trabalho, dos direitos e dos desejos. Neste filme, Pasolini soma, ao valor visual do corpo da mulher, a realidade histórica dela na Itália da década de 60 do século 20.
O filme mostra como a maioria das mulheres italianas ainda era vítima de um sistema patriarcal de valores. Mas Pasolini acreditava enxergar, em algumas palavras e gestos que elas escolhiam para responder as perguntas dele, uma demonstração de que mantinham uma natureza não corrompida no interior de um sistema relativamente opressivo. Neste sentido, a mulher “real” de Comícios de Amor possuiria a característica da Mãe Jovem. Por outro lado, conforme Maurizio Viano, Pasolini atirou no que viu e acertou o que não viu.
“O documentário de Pasolini obviamente falha em sua tentativa de fornecer um documento da ‘Itália verdadeira’. É bem sucedido, entretanto, em documentar a máscara. O valor de Comizi D’amore está na representação documental de homens e mulheres, jovens e velhos, usando máscaras”(...)”Os obsessivos closes de rosto tem como objetivo arrancar fora ‘pelo menos uma verdade psicológica’ e permitir ao espectador perceber a fisionomia da mentira. De fato, mentir não é outra coisa senão a obediência a códigos de auto-representação, os códigos da máscara” (4)
“O documentário de Pasolini obviamente falha em sua tentativa de fornecer um documento da ‘Itália verdadeira’. É bem sucedido, entretanto, em documentar a máscara. O valor de Comizi D’amore está na representação documental de homens e mulheres, jovens e velhos, usando máscaras”(...)”Os obsessivos closes de rosto tem como objetivo arrancar fora ‘pelo menos uma verdade psicológica’ e permitir ao espectador perceber a fisionomia da mentira. De fato, mentir não é outra coisa senão a obediência a códigos de auto-representação, os códigos da máscara” (4)
As mulheres “reais” de Pasolini possuíam um caráter duplo de entidades poéticas e políticas. Ainda que lembrando a Mãe Jovem de Casarsa e a inocência que Pasolini associava a essas origens, tanto Marilyn em A Raiva, quanto as mulheres de Comícios de Amor, estão batendo de frente com os códigos sociais do patriarcado, assim como com as ideologias conformistas da cultura predominante.
Susanna se manteve na vida de Pasolini como alguém insubstituível. Mas o poeta já não via a mãe em função de um ideal poético. Ela passou a definir um grupo de traços de caráter mais geral e valores sociais que inspirariam Pasolini em seus trabalhos futuros. Na obra de Pasolini, as mulheres são, ao mesmo tempo, uma das muitas categorias sociais oprimidas e também uma categoria particular – especialmente em seus filmes. Uma categoria particular porque elas indicam, elas significam as “origens” (quer dizer, o ponto inicial e não contaminado da vida) de uma forma que, para Pasolini, nenhum homem poderia.
Por mais apocalíptica que seja a visão de Pasolini, a mulher sempre era capaz de restaurar sua esperança na existência. A inocência feminina denunciava e constituía um antídoto para se resistir ao ataque da cultura neo-capitalista. Cultura que era uma forma de morte para o ser humano autêntico. Com o tempo, Pasolini deslocou Susana, de signo do presente ela passa a signo do passado. Pasolini também via a si mesmo como parte desse passado. Escreveria em 1962: “Eu sou uma força do passado, meu amor repousa apenas na tradição”.
“Enquanto cineasta, Pasolini tomou o passado em suas mãos, utilizando-o continuamente em dois sentidos. Utilizou pessoalmente, para revelar seus desapontamentos e aspirações. [Publicamente, ele o utilizou] para condenar as mudanças que ocorreram no Ocidente. O que começou no final dos anos 1930 como o itinerário poético de auto-descoberta através de sua terra natal e do amor de sua mãe, tornou-se resistente fundação para profundo criticismo social, tanto nos livros quanto na tela de cinema” (5).
Notas:
1. RYAN-SCHEUTZ, Colleen. Sex, the Self, and the Sacred. Women in the Cinema of Pier Paolo Pasolini. Toronto: University of Toronto Press, 2007. P. 236n53.
2. Idem, p. 236n54.
3. Ibidem, p. 36.
4. VIANO, Maurizio. A Certain Realism. Making Use of Pasolini’s Theory and Practice (1993), pp. 123-5 In RYAN-SCHEUTZ, Colleen. Op. Cit., p. 237n64.
5. RYAN-SCHEUTZ, Colleen. Op. Cit., p. 44.
“Enquanto cineasta, Pasolini tomou o passado em suas mãos, utilizando-o continuamente em dois sentidos. Utilizou pessoalmente, para revelar seus desapontamentos e aspirações. [Publicamente, ele o utilizou] para condenar as mudanças que ocorreram no Ocidente. O que começou no final dos anos 1930 como o itinerário poético de auto-descoberta através de sua terra natal e do amor de sua mãe, tornou-se resistente fundação para profundo criticismo social, tanto nos livros quanto na tela de cinema” (5).
Notas:
1. RYAN-SCHEUTZ, Colleen. Sex, the Self, and the Sacred. Women in the Cinema of Pier Paolo Pasolini. Toronto: University of Toronto Press, 2007. P. 236n53.
2. Idem, p. 236n54.
3. Ibidem, p. 36.
4. VIANO, Maurizio. A Certain Realism. Making Use of Pasolini’s Theory and Practice (1993), pp. 123-5 In RYAN-SCHEUTZ, Colleen. Op. Cit., p. 237n64.
5. RYAN-SCHEUTZ, Colleen. Op. Cit., p. 44.