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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

31 de dez. de 2017

Blow-Up e o Mundo que Escorre entre os Dedos


(...) A realidade retratada, Antonioni concluiu, sempre
é  uma  construção  do  meio  que  a  transmite (...)” 

Klaus Albrecht Schröder (1)

Dentre  os  tantos  temas  presentes em Blow-Up, deve-se incluir a realidade da fotografia: sua realização material 
e proliferação. Também se pode dizer que fala da fotografia em seu boom nos anos 1960, durante o qual, de revistas
e  livros  de  fotos  a  álbuns  de  família  e  a  fotografia  amadora, sua  produção  e  reprodução  se  multiplicou  (2)

A Bola e o Mundo Real

Intolerante, arrogante, provocador, Thomas é um bem sucedido fotógrafo de moda em Londres durante os anos 1960. Como muitos de seus pares, ele também se aventura na fotografia documental, a ponto de se disfarçar de sem teto para tirar fotografias deles num albergue noturno mantido pelo governo. De volta ao trabalho que paga suas contas, Thomas trata as modelos com visível desprezo – comportamento que a sociedade britânica também permitia (ainda permite?) que se compartilhasse com seus pares igualmente misóginos. Certo dia Thomas resolve fotografar um casal no parque sem que saibam que ele os está vigiando em busca da melhor imagem. A mulher percebe a presença de Thomas e se apressa a pedir-lhe as fotos que ele tirou. Thomas se recusa a entregar e revela as fotografias em seu estúdio. Percebe então uma terceira pessoa, escondida no mato com uma arma de fogo na mão. O fotógrafo amplia aquela imagem várias vezes, mas não identifica ninguém. Quanto mais Thomas amplia, menos dados ela fornece e mais abstrata se torna: a única coisa que consegue é desmaterializar a figura. Ele resolve retornar ao parque e encontra um cadáver. Quando volta ao estúdio, descobre que foi arrombado e o filme roubado – menos uma imagem. Retorna ao parque e não encontra mais o cadáver. Sem o corpo e a fotografia, Thomas perdeu a evidência material de que um crime aconteceu.

“(...) Visto que a tradição do filme de arte europeu do pós-guerra está ‘ancorada’ numa ética epistemológica fruto do Neorrealismo italiano e sua convicção de que, apontando a câmera para o mundo, a imagem resultante o registra em sua inesgotabilidade e riqueza, que então nos permite ‘abrir os olhos’ para novas formas de estar no mundo. Certamente é o que se encontra no coração da compreensão de André Bazin e da Nouvelle Vague francesa sobre a centralidade do Neorrealismo para o cinema ‘moderno’. Também foi um componente importante da formação estética inicial de Bertolucci (sob tutela do mentor Pier Paolo Pasolini) e seus primeiros longas-metragens. Poderíamos argumentar que em 1967 – com o surgimento do Blow-Up de Antonioni – esta convicção entra em crise, Blow-Up sendo uma alegoria das vicissitudes da fotografia no ambiente ‘mod’ saturado de imagens da Londres consumista. Aqui, Antonioni está rastreando o que poderíamos chamar de ‘condições materiais’ para a crise na indexação – a saber, a emergência do que Antonio Negri chamaria de ‘trabalho imaterial’” (3)


Thomas acredita que fotografou um assassino.  Contudo, cada vez
que amplia a fotografia para identificar o matador, menos enxerga
Blow Up. Depois Daquele Beijo (Blow-Up, 1966) tem pelo menos dois precursores, Tortura do Medo (Peeping Tom, direção Michael Powell, 1960) e Um Corpo que Cai (Vertigo, direção Alfred Hitchcock, 1958). Dos vários filmes de Hitchcock onde encontramos voyeurs como personagens, Thomas Harris afirma que Um Corpo que Cai é o que mais se aproxima do filme de Antonioni, embora em termos puramente narrativos para sustentar a história (e não para questionar a natureza da imagem): alguém está tirando fotografias de um casal no parque quando percebe, em função da capacidade técnica de seu equipamento, que presenciou um assassinato. Para facilitar a vida de críticos mais acomodados e de vendedores de filmes, Blow-Up sempre poderá ser classificado como um thriller. Contudo, Klaus Albrecht Schröder observa que sua posição central na história da arte e da fotografia mostra que o cineasta italiano desenvolveu um discurso visual sobre como a realidade é representada e a ambivalência fundamental da fotografia. Na opinião de Walter Moser, o mérito de Antonioni em Blow-Up foi utilizar o cinema para mostrar o quanto a realidade é moldada e construída justamente pelos meios (mídias) que utilizamos para enxergá-la. Portanto, a objetividade é sempre relativa. Na famosa cena final, Thomas (esse nome não aparece no filme, apenas no roteiro) retorna ao mesmo parque e encontra o grupo de mímicos jogando uma partida imaginária de tênis. Sem raquetes nem bolas, o jogo é jogado apenas através de gestos. Quando a bola imaginária cai longe da quadra, Thomas se junta ao faz de conta ao pegar a bola que não existe na grama que existe e jogá-la de volta para a quadra. A câmera também embarca no jogo e segue a trajetória da bola invisível (4).

“(...) O que Antonioni está fazendo é transferir para o cinema as implicações das ampliações em relação à teoria da mídia. Apesar de nunca ser mostrada uma bola real, a bola é evocada, visualizando a abstração mais radical de todas: o motivo [a bola] não é apenas abstrato ou borrado, como os motivos das fotografias, ele desapareceu completamente. Tudo que resta é o meio, o referente se foi” (5)


 Na Itália, a crítica de esquerda da época  não perdoa Antonioni. 
Talvez por  Blow-Up  ter sido rodado em Londres em inglês, Mino
Argentieri  escreveu:  “Os  colaboracionistas   de   Hollywood   que
nem  sequer  se  atrevem a denunciar  sua  própria  servidão” (6)
Thomas Seelig lembra que as possibilidades e limitações da fotografia exploradas em Blow-Up também são aplicáveis a outros campos da arte como pintura, moda, música, performance e arte conceitual – certa vez Antonioni definiu seu filme como uma performance sem epílogo (7). O pintor Ian Stephenson, que serviu como modelo para a construção do personagem do artista vizinho de Thomas, realizava composições figurativas meio cubistas que o levaram aos limites da representação. Contudo, enquanto o pintor busca referências da realidade em seus trabalhos que o afastem da pura abstração, a fotografia de Thomas o empurra para o extremo oposto: a cada vez que a imagem é ampliada, parte da informação que contém se perde. Ainda de acordo com Seelig, na época de Blow-Up tanto a fotografia de arte quanto a documental passavam por transformações. A fotografia de moda, por exemplo, experimentava os contrastes acentuados e as formas orgânicas. A fotografia documental, por outro lado, testava campos focais extremamente longos ou se aventurava na fotografia de arte. A fotografia conceitual, Seelig insistiu, parecia oferecer uma alternativa. Os artistas desse período procuravam utilizar o mínimo de meios e parâmetros de técnicas de pouca sofisticação. Enquanto os fotógrafos no laboratório enxergavam a fotografia como um meio para visualizar ideias, os fotógrafos de arte saiam às ruas, identificados essencialmente com a simplicidade e o imediatismo da câmera fotográfica (8).

Da Arte Pop às Cadelas 


Por que Londres? Antonioni disse que não teria sido possível contar
a história que tinha de Blow-Up em cidades como Roma ou Milão (9)

Do ponto de vista do interesse que Blow-Up desperta em relação à fotografia de moda, é preciso observar que todo o glamour da profissão só foi possível em função de uma revolução que aconteceu na indústria do vestuário. Astrid Mahler explica que em torno de 1960 o advento do prêt-a-porter, roupas compradas prontas (o contrário daquelas feitas sob medida) e relativamente baratas abriu um nicho de mercado direcionado à juventude. As fotografias dessa época se tornaram uma fonte histórica de uma democratização constante da moda. Foram os desenhistas britânicos que com suas linhas retas, mini saias, cores brilhantes e padrões geométricos que deram o ponta pé de partida naquilo que logo se tornaria uma tendência global. A fotografia e a moda entraram em simbiose perfeita, especialmente em função da disseminação de sua versão colorida. Essa visibilidade extrema do fotógrafo de moda se encaixava perfeitamente na busca de Antonioni. Os jornais de grande circulação, disse o cineasta, realmente empregavam gente como Thomas, alguém que decidiu tomar parte nessa revolução que afetava a vida dos jovens ingleses inspirados na Pop Art (10).

“No decorrer dos anos 1960, o cinema de Antonioni se engajou diretamente em duas sensibilidades estéticas principais: modernismo e pop. A sensibilidade modernista encontrou expressão penetrante na ‘tetralogia’. A Aventura (L'avventura, 1960), A Noite (La Notte, 1961), O Eclipse (L’eclisse, 1962) e O Deserto Vermelho (Il Deserto Rosso, às vezes também chamado Deserto Rosso - O Dilema de uma Vida, 1964) abordavam aspectos geográficos e culturais precisos da Itália da primeira metade da década: Roma e Milão do boom da construção [civil], o velho dinheiro e o novo empreendedorismo burguês, as realidades arcaicas do sul e o desenvolvimento industrial agressivo do norte. A Itália era aqui vista através de locais historicamente definidos e representativos: a natureza formidável e imemorial das ilhas eólicas, as belezas míticas e intocadas da Sardenha, as arquiteturas barrocas de Noto, o desenvolvimento hipermoderno da EUR em Roma, o vale industrial Viallasa próximo à Ravenna, a fábrica Breda na periferia de Milão. Esses lugares, cuidadosamente escolhidos para expressar características e paradoxos da modernização incompleta do país, foram enquadrados de maneiras que propõem uma visão do presente profundamente influenciada pelo modernismo europeu e, particularmente, como Giorgio De Vincenti observou, pela Arte Informal (Expressionismo Abstrato) dos anos 1950 e 1960. A sensibilidade pop, por outro lado, surge no primeiro filme que Antonioni realiza fora da Itália [...]. Blow-Up, assim como o seguinte Zabriskie Point (1970) e Identificação de uma Mulher [Identificazione di Una Donna, 1982], apresenta afinidades com a Arte Pop e outros movimentos artísticos muito marcados pelo retorno do objeto, após a abstração da Arte Informal” (11)


Antonioni esclareceu que Cortázar, autor da história inspirou
  Blow-Up, só estava interessado nos aspectos técnicos da fotografia. 
A partir daí,  o cineasta descartou o enredo e escreveu uma história
onde o equipamento  fotográfico  assumia  o  protagonismo (12)

No mesmo ano da estreia de Blow-Up, 1966, acontece o movimento hippie e o ano da moda mais louca daquela década. Jocelyn Rickards, responsável pelo guarda-roupa do filme, teve de criar os figurinos seguindo estritamente o esquema de cores estipulado por Antonioni: as tonalidades principais deveriam ser verde, azul, púrpura, prata, preto ou branco. Críticos questionaram o bom gosto do resultado final. Anthony Price chegou a chamar de entediante, uma moda datada num momento em que ela já havia incorporado a estética hippie. Juntamente com as mudanças no vestuário e na nova forma de enquadrar uma fotografia de moda, mudaram também as modelos. De acordo com Mahler, a modelo da alta costura associada a certa elegância arrogante sai de cena e entra o tipo mais adaptável e com talentos de atriz. Em Blow-Up, modelos em voga na época como von Lehndorff, Melanie Hampshire, Jill Kennington e Peggy Moffitt, assim como atrizes aspirantes a modelo Jane Birkin e Gillian Hills, seriam rapidamente identificadas pela plateia. Mahler lamenta a tendência do filme a tratar as modelos como objetos, como bonecas sem vida à disposição do fotógrafo – Thomas chamou algumas de “cadelas”. Reclamação que se estendeu à Antonioni quando Moffitt resaltou posteriormente que o cineasta ordenou que ela e seu grupo fossem congelados de olhos fechados. Contudo, Mahler admite que assim procedendo, Antonioni ajudou a caracterizar o fotógrafo de Londres como um misógino padrão. Anos depois, o ator David Hemmings se referiu aos fotógrafos que se decidiram pela profissão a partir de em Blow-Up. Lamentou que, embora o personagem tenha sido concebido deliberadamente desta forma, muitos jovens rapazes sem o menor senso crítico o tenham tomado como modelo.

Antonioni Pós-Moderno


Antonioni ultrapassa com Blow-Up a questão da imagem enquanto
índice (prova de um acontecimento no real), tão cara a certa tradição
do  cinema  italiano,  apontando  para  uma  imagem  mercantilizada
que  surgia e as novas subjetividades de uma cultura da imagem  (13)

Para Laura Rascaroli Blow-Up é o primeiro passo de Antonioni para fora do Modernismo, embora ainda apresente traços de discursos éticos típicos. Não foi por acaso que em função de tal rompimento o cineasta tenha deixado a Itália para realizar seu filme numa capital europeia internacional, Londres. Blow-Up não seria possível na Itália, seria um filme ilógico então – não existia um David Bailey italiano, um Ian Stephenson nem o rock londrino, o teatro de vanguarda e a cena beat, interesses do cinema experimental do documentarista britânico Peter Whitehead. Para a composição do personagem do pintor, vizinho de Thomas, Antonioni pediu emprestado uma série de objetos de Stephenson. A centralidade dos objetos em Blow-Up, em especial aqueles encontrados pelo fotógrafo na loja de antiguidades, já foi bastante comentada. A leitura mais frequente é a simbólica, uns disseram que a hélice de avião representa o desejo de fugir de Londres, outro que aponta para um passado supostamente mais estável – contudo, caso seja a hélice de um avião de combate da Segunda Guerra Mundial, em 1966 completando vinte anos de terminada, não se vê como sugerir que este passado era mais estável do que o presente da ameaça nuclear. O próprio filme, um objeto estético, é uma obra que transforma os anos 1960 e sua estética em objeto de consumo (Blow-Up foi o maior sucesso de bilheteria da vida de Antonioni; durante entrevista em 1967 perguntaram a ele se ficou rico: “Eu não sou rico e talvez jamais venha a ser. Dinheiro é útil, sim, mas eu não o venero” (14)) (15).

“(...) Parte dos discursos ‘populares-críticos’ em torno do lançamento do filme em 1968 (pelo menos nos Estados Unidos) foi que nos apresentava um retrato da ‘cena swinging mod’ em Londres. Em outras palavras, considerou-se que o filme reivindicava certo tipo de valor de verdade social. De fato, [tal conclusão] permitiu que alguns críticos protestassem [afirmando] que a imagem da cena mod de Antonioni – as ‘festas com droga’, a cena rock e assim por diante – não era convincente [(parece que os meios de comunicação da época confundiam os topetes dos mods e os longos cabelos dos hippies, considerando todos ‘cabeludos’; logo os primeiros ficaram fora de moda e a moda dos segundos seria engolida pela indústria e seus clichês lucrativos. Além disso, as imagens documentais dos clubes londrinos demonstram que as roupas eram muito mais extravagantes do que em Blow-Up, cujo vestuário foi considerado ‘um exagero’ por alguns críticos) (16)]. Entretanto, como de costume com Antonioni, a distância histórica que temos agora nos permite ver que seu interesse não era a verdade naturalista, mas a verdade estrutural: seu projeto era investigar a nova cultura emergente da produção de imagem e explorar sua conexão com aquilo que rapidamente está se tornando um novo estilo internacional, a saber, o ‘pop’. Em 1967, esse estilo havia tomado muitas formas, variando de Andy Warhol e a moda da Carnaby Street até a estética dos filmes dos Beatles de Richard Lester e o interesse por filmes ‘playboy-spy’ e séries de televisão (James Bond ou Os Vingadores [The Avengers, série britânica de espionagem, 1961–69]). Essencialmente, o brilhantismo de Blow-Up emana de sua posição híbrida única: onde a ‘questão italiana’ da indexidade da imagem [prova de um acontecimento no real]  – tendo sido levada a seu limite pela tradição cinematográfica italiana – agora é levada a uma nova imagem mercantilizada e as subjetividades resultantes que emergem de tal cultural da imagem” (17)


A paisagem tem uma importância fundamental em Blow-Up 

O valor duplo (de historicidade e opacidade, presença absoluta e sentido sugestivo) não se refere apenas às antiguidades. Rascaroli cita como exemplo o jeans branco usado por Thomas, um dos itens mais elegantes da roupa da subcultura jovem Mod (rivais dos rockers) – curiosamente, eles adoravam e copiavam a moda e o design italianos. Como Monica Vitti em O Eclipse, Thomas veste roupas que o tornam mais moderno do que os modernos – Mod, diminutivo de “moderns”, surgiram como um grupo de jovens da classe operária interessados em roupas sob medida, que assim eram chamados porque quando surgiram nos anos 1950 havia o boom do modern jazz. As roupas de Thomas, mesmo que seja representativa da moda nos anos 1960, não pode ser reduzida a isso. Elas são, sugere Rascaroli, menos datadas do que as de outros personagens. Seu blazer azul, camisa azul clara e jeans branco, perfeitos para a Swinging London. Esse conjunto marca um estilo casual do próprio Thomas, sendo também intemporal, perfeitamente aceitável atualmente. Ao contrário dos vestidos e cortes de cabelo que podemos encontrar em torno dele. Jocelyn Rikards, a figurinista de Blow-Up, contou que a abordagem de Antonioni para o filme era olhar dois anos a frente no futuro da moda. Embora Rascaroli concorde com Pierre Bourdieu que as escolhas estéticas daquela geração (assim como qualquer outra) são expressões de disposições de classe e ideologia, simultaneamente as coisas podem ultrapassar o discurso historicista. É neste sentido que as coisas e as paisagens apresentam certa opacidade. Como na cena em que Thomas pede um quadro de paisagem ao antiquário e encontra uma no estilo Romântico.

“A paisagem tem uma importância fundamental em Blow-Up. Ele foi muitas vezes descrito como filme de cidade e um retrato de Londres, um parque ocupa um lugar de destaque nesta história. Muitos críticos leram o parque como local de uma natureza não contaminada, em contrate com a artificialidade da cidade. Contudo, o episódio da paisagem pintada que precede a introdução do parque sugere o oposto. [É conveniente] recordar que a origem da paisagem pintada na arte ocidental ao longo do século XV é urbana. (...) [É particularmente significativo] que, nas primeiras imagens onde aparece, o parque de Blow-Up seja enquadrado por elementos arquiteturais (dois conjuntos de casas de dois andares de cada lado da entrada do parque). Além disso, o protagonista entra no parque com a intenção se fotografá-lo e, portanto, transformá-lo em vista, de acordo com a mesma perspectiva artificial que está na base da paisagem pictórica. Finalmente, quando o protagonista vai embora, o parque é emoldurado pela segunda vez por um elemento arquitetural: a porta aberta do antiquário, ela própria enquadrada por um busto e algumas cópias antigas. Esta última imagem constitui claro enquadramento do parque como paisagem urbana. (...) Desta forma, e através do enquadramento, o parque está poderosamente ligado por Antonioni à ideia de paisagem artificial. Evidentemente, a natureza no parque é  construída, podada e feita pelo homem, precisamente  como os jardins da EUR de Roma em O Eclipse” (18)


Angelo Restivo aplica teoria psicanalítica do olhar: objeto parcial
só  faz  sentido  a  partir  de  um  sistema  simbólico  cultural  fora
 de contexto,  hélice e braço da guitarra nada valem.  Na  cena  final, 
última torção da ordem simbólica: o objeto, a bola,  não  existe (19)

Rascaroli chama atenção para o papel central do conceito de opacidade dos objetos em Blow-Up, que ela articula com os discursos artísticos do período, especialmente a Arte Pop. Para tanto, crucial lembrar-se da importância dos objetos encontrados, desde o início do século XX chamados por Marcel Duchamp de ready-made. O objeto torna-se então um elemento vital na arte europeia e estadunidense dos anos 1960 e nos discursos que estão na passagem do modernismo para o proto pós-modernismo – Fluxus, Arte Pop, Arte Povera. Em A Aventura, Antonioni introduz a questão do objeto encontrado através do quadro no hall do hotel em Taormina. Ele “já estava lá”, ele simplesmente estava lá e foi fotografado como qualquer outro objeto poderia ser. Sendo tão irrelevante quanto qualquer outro objeto, comentários morais ou psicológicos não encontram uma superfície onde se agarrar. Uma consequência desse novo realismo é que o universo se torna basicamente algo sem sentido. Para Rascaroli, Blow-Up se encontra com Duchamp através da ideia da fotografia enquanto uma réplica que substitui e se torna o original (que se perdeu para sempre). 

“[Blow-Up se encontra] numa relação importante com uma complexa constelação de questões que emergem diretamente da observação e utilização do objeto na arte da década. Utilização que, desde Duchamp, foi marcada por uma inacessível opacidade, na medida em que [em sua] teoria objetos são escolhidos e usados como formas indiferentes e instâncias de materialidade discreta e sem sentido. Simultaneamente, eles se referem às condições históricas de reprodutibilidade e multiplicação, cruciais na negociação da fronteira entre modernismo e pós-modernismo. Esses objetos também colocam a questão chave do que diferencia arte em relação ao mundo dos objetos de consumo, moda, propaganda e cultura popular [pop], mundo esse que estava em fase de grande expansão naquela época. Não é por acaso que o protagonista do filme de Antonioni é um fotógrafo de moda (e, de fato, na moda) que aspira tornar-se um artista, como é sugerido pelo livro de fotografias de Londres que está preparando, e pela comparação explícita dos personagens entre suas fotografias e as pinturas de seu vizinho e amigo. Da mesma forma, não é uma coincidência que estejam no coração do enredo do filme questões sobre natureza mecânica e infinita reprodutibilidade da fotografia. É na década de 1960 que o debate a respeito do simulacro, a cópia e a autenticidade se desenvolvem, precisamente como parte da reflexão a respeito do objeto. É nesse contexto que surgem outros discursos: o debate sobre a perda da individualidade do artista modernista, singularidade e subjetividade; e a conversa a respeito da dissolução das fronteiras que separam arte, estilo e moda – uma dissolução que Blow-Up claramente anuncia e que se acentuará progressivamente nas décadas seguintes” (20)


(...) Antonioni  é  explícito  em  relação  ao  processo de
objetificação que o fotógrafo impõe às modelos (...)  (21)

Na opinião Rascaroli, a importância do objeto em Blow-Up foi bastante obscurecida na literatura crítica pela ênfase que sempre se deu à conclusão de que o filme é um comentário em relação aos limites da visão e da fotografia (e do cinema). Mas ela também acha que os discursos de Antonioni, sobre a fotografia como reprodução e o objeto como forma, não são incompatíveis, uma vez que o cineasta parece considerar as próprias fotografias como objetos encontrados. Thomas é um colecionador, sempre olhando, tocando, coletando e descartando objetos, mesmo que sejam imagens – no início do filme joga fora a roupa que usou no albergue, depois descarta o braço da guitarra de Jeff Beck. Essa fisicalidade de Thomas não é acidental, para Rascaroli corpo e objetos são mais ou menos iguais. As modelos enquanto objetos manipulados pelo fotógrafo é um fato em Blow-Up. O grupo de mímicos sempre foi associado à ambiguidade da percepção, mas Rascaroli lembra que no happening cada elemento da cena (inclusive atores) torna-se objeto. Objeto encontrado por excelência, o cadáver que Thomas vê e toca no parque nos remete à dualidade possível do objeto. Assim entende Rascaroli, para quem, ao enquadrá-los juntos, Antonioni mostra o objeto em seu valor de cópia inumana do sujeito: a presença do cadáver implica ausência do humano. Ao tocá-lo, um Thomas cheio de certezas se reconhece como objeto entre objetos. Os dois corpos, morto e vivo, são as duas faces da mesma moeda, simultaneamente sujeito e objeto. É a tensão ética entre o sujeito no mundo e sua relação com os objetos que indica a relação de Antonioni com certo modernismo tardio. Mas Blow-Up vai além, constitui um limiar na pesquisa do cineasta sobre a imagem, a modernidade e a linguagem do cinema.

“(...) Enigmática e presente, palpável ainda que incomensurável, sublime e pop, a Swinging London de Blow-Up é o verdadeiro objeto de Antonioni, seu objet trouvé opaco e maravilhoso, paisagem urbana claramente sua, que se encontra maravilhosa na fronteira entre modernismo e pós-modernismo” (22)

Antonioni e os Fotógrafos


Blow-Up também é um filme a respeito do voyeurismo do fotógrafo

Thomas, o protagonista, é o resultado da mistura de vários fotógrafos de moda baseados em Londres no final dos anos 1960: David Bailey, John Cowan, Don McCullin. Na cena em que Thomas e seu editor folheiam um catálogo, são fotos de documentário social feitas por McCullin. Realizadas nas partes pobres da Londres dos anos 1960, especialmente no East End (de onde Bailey é originário), com suas favelas, agitação industrial e tensão racial – ao contrário das fotos realizadas por Cowan e penduradas nas paredes do estúdio, as realizadas por McCullin são mostradas bem de perto e analisadas por Thomas e seu editor. Antonioni quer aproveitar para comentar a respeito da situação política e social e das mudanças em curso naquela época na Grã-Bretanha – Thomas atravessa com seu carrão uma manifestação pelo desarmamento nuclear. As fotografias de McCullin também servem para identificar Thomas como fotografo de moda e documentarista, algo que não era incomum naqueles tempos - como observou Gabriele Jutz, das modelos vemos apenas as fotos sendo tiradas, enquanto dos trabalhadores pobres vemos apenas as fotos deles (23). As imagens que Thomas amplia também foram feitas pelo próprio McCullin no Maryon Park. Para Moser, a relação entre Blow-Up e a fotografia gira em torno de quatro temas centrais: a transformação de filme em fotografia; a problematização dessa relação; a integração de obras de arte no filme; o estudo do contexto foto-histórico do filme. Nenhum outro filme, conclui Moser, apresenta tantos aspectos distintos da fotografia ou os explora de maneira tão intemporal e com tanta profundidade quanto Blow-Up (24).

“(...) Como a teoria feminista do cinema demonstrou, olhar [looking] não é uma categoria inocente de interação social, uma vez que sempre inclui um elemento de jogo de poder. História de um fotógrafo cuja própria profissão o marca como um voyeur, Blow-Up pode ser lido como um comentário a respeito do olhar [gaze] voyeurista – dos protagonistas do filme, dos espectadores e do sujeito autoral. O filme é mais do que apenas a encenação do voyeurismo, é também uma reflexão crítica a respeito” (25)


As imagens documentais mostrando a pobreza no East End
de Londres estão isoladas do restante de Blow-Up.  Enquanto
o filme é multicolorido, elas são todas em preto e branco (26)

Do ponto de vista do contexto histórico, alguns fotógrafos de moda estavam rompendo paradigmas da profissão em Londres durante a década de 1960 quando o produtor Carlo Ponti leu o artigo de Francis Wyndham (The Modelmakers, 1964) e se interessou em realizar um filme em torno de um fotógrafo londrino, que teria David Bailey como protagonista. Como ele declinou do convite, Ponti engavetou o projeto até que Antonioni entrou em cena. O cineasta achou o artigo de Wyndham muito útil, mas montou seu próprio questionário, onde se mostrava mais interessado pelo tipo de vida que levavam os fotógrafos do que por suas fotografias. Quando Thomas se refere às modelos como “pássaros” ou as dirige (profissionais de fato, as já citadas: Veruschka, Melanie, Jill e Peggy), Antonioni se baseou especialmente em Bailey, embora ele não tenha se reconhecido em Blow-Up – a sequência da hélice de avião é tirada diretamente da vida de Bailey, exceto pelo carro, que era mais barato do que um Rolls Royce. Consta que apenas vários anos depois fotógrafo e cineasta se encontraram. O único contato durante as filmagens foi com Donovan (que tinha um Rolls) e Duffy. Philippe Garner cita John Cowan e David Montgomery como tendo servido na composição de Thomas - o primeiro foi contratado por Antonioni como assistente. Nos créditos iniciais de Blow-Up (dentro das letras), é Montgomery quem fotografa a primeira supermodelo negra, Donyale Luna. Além de contratado, o estúdio de Cowan foi usado nas filmagens. Segundo a modelo Jill Kennington, foi a partir dele e não de Bailey que Antonioni monta Thomas, da maneira de se vestir e a linguagem corporal no trabalho até a hélice de avião.


 Para construir o personagem  do  pintor  vizinho  de  Thomas, 
 Antonioni   filmou o estúdio  de  Ian  Stephenson  por  dois  dias, 
vestiu  seu  personagem  no  mesmo  estilo  e  pediu  emprestado
para usar no cenário os pincéis, frascos, cavaletes e pinturas (27)

O que talvez evidencie o foco de Antonioni na questão da imagem é o fato de que, apesar do interesse na vida do fotógrafo de moda, Moser considera que o filme faz uma abordagem superficial da fotografia de moda. Já que disponibilizou seu estúdio, Cowan é o único que aparece nos créditos iniciais de Blow-Up. Algumas fotografias nas paredes são também de Cowan, embora Antonioni não foque nelas especialmente ou as coloque em evidência, seu objetivo é dar autenticidade à figura do fotógrafo de moda ao fazer o olhar do espectador ricochetear entre o clima das modelos sendo fotografadas e o clima das imagens penduradas – sejam modelos pulando de paraquedas ou camelos no deserto. As fotografias de Don McCullin em Blow-Up subvertem a semântica original das imagens. Um dos poucos a se concentrar em fotojornalismo, suas fotos de gente pobre sugerem que Thomas se deu conta da superficialidade do mundo da moda – Astrid Mahler discorda, para ela não havia uma separação clara entre os dois campos e nem preocupação com isso, seja por parte dos fotógrafos e mesmo das revistas (28). É neste contexto que Thomas fotografa as pessoas – embora McCullin o faça pedindo autorização. Curiosa a ironia envolvendo as fotografias que McCullin tirou no parque, nas mesmas posições de Thomas. McCullin nunca entendeu o que estavam pedindo, apenas fez como indicaram. Só que não sabia o que estava fotografando, e desconhecia a presença do homem armado escondido no mato: não foi apenas no filme, mas também na vida real o fotógrafo enxergou menos do que a lente da câmera. As ampliações dessas fotos são as únicas cujo processo de produção será seguido do começo ao fim. 


  A foto seguinte da série engendra  imagem distinta da anterior.  
Para  Matilde Nardelli, na nova era da cópia digital a pluralidade 
da  fotografia  resiste,  nos  sentidos  qualitativo  e  quantitativo

Em Blow-Up, Antonioni aborda os dois sentidos através das “duas vidas” de Thomas (29) 

A escolha de Antonioni pelo fotógrafo de moda como protagonista reflete bem a tendência da época, quando todo mundo queria ser um deles. Desde meados da década de 1960, David Bailey, Donovan e Duffy acabaram levando as modelos para fora dos estúdios, o contexto de Blow-Up já responde ao contrafluxo dessa tendência, quando ocorria um retorno ao espaço confinado em função de novos experimentos de estilo – quando, por exemplo, a estilização ótica (visual) perde importância para a incorporação de um elemento narrativo na fotografia de moda (30). Bill é um pintor abstrato vizinho de Thomas, é ele quem o alertará para a afinidade entre aquelas ampliações cada vez mais abstratas e suas pinturas – as quais foram realizadas originalmente pelo artista britânico Ian Stephenson, que também inspirou a construção do personagem do pintor. As ampliações de Blow-Up tem um precursor no trabalho de Nigel Henderson, cujas fotografias desde os anos 1950 giram em torno de abstrações. Richard Hamilton, um expoente da Pop Art que ampliava cartões postais até o limite do abstrato, também possui uma afinidade com Blow-Up – citada pelo próprio Hamilton em Quem Anda Cantando Nossas Mulheres (Greetings, direção Brian de Palma, 1968): quando o interlocutor de Hamilton sugere que o método dele lembra Blow-Up, o fotógrafo responde que já o utilizava seis meses antes de Antonioni. Em seu trabalho paralelo como pintor em Montanhas Encantadas, o cineasta produz pequenas pinturas abstratas que ampliadas multiplicam as qualidades da pintura e do papel – para a visualização, o próprio Antonioni sugere utilizar uma lente de aumento.

Antonioni Depois da Trilogia


 “Como vários filmes seus, você chamaria Blow-Up de pessimista 
De jeito nenhum, porque no final o fotógrafo aprendeu muitas coisas,  
incluindo jogar com uma bola imaginária uma grande conquista”

Entrevista a Playboy, 1967 (31)

Um dos temas principais é enxergar ou não o correto valor das coisas, questionar a realidade de nossa experiência, produzir uma realidade abstrata. Assim Antonioni definiu seus objetivos em Blow-Up durante entrevista em 1982. Estava preocupado que ao ver o produto final ninguém pudesse dizer que este é um típico filme britânico ou a respeito de Londres, mas que também não se pudessem defini-lo como exclusivamente italiano. A mesma história, explicou, poderia ser contada em Paris ou Nova York, mas apenas Londres possuía o céu nevoento ideal. Naquela altura, ele procurava cores realistas e havia abandonado os efeitos que perseguiu em O Deserto Vermelho. Se aqui perseguiu uma perspectiva achatada através de lentes telefoto, em Blow-Up quis inserir ar e espaço entre pessoas e objetos – utilizaria a telefoto apenas quando Thomas é engolido pela multidão. Embora na entrevista para Playboy em 1967 tenha afirmado que as cenas de nudez são secundárias e que não existe em Blow-Up nenhuma relação com o erotismo, noutra entrevista Antonioni diz que o “erotismo ocupa um lugar muito importante em Blow-Up, embora a ênfase seja dirigida para uma sensualidade fria e calculada” (32). Exibicionismo e voyeurismo são exacerbados, algumas cenas não passariam pela censura na Itália, explicou Antonioni. A mulher tira a camisa e se oferece ao fotógrafo em troca das fotografias. Pouco antes, Thomas presencia o encontro amoroso da mulher e seu amante. Na opinião do cineasta, a cena das duas garotas nuas com Thomas é engraçada, mas admite que algumas pessoas podem considerar provocante (33). Notória é a dificuldade em arrancar de Antonioni considerações a respeito de seus próprios filmes, ou já se passou muito tempo ou tempo nenhum:

“Como escrevi outras vezes em relação a meus filmes, minhas narrativas não são documentos construídos numa sequência de ideias coerentes, mas de flashes, ideias que surgem a qualquer momento. Portanto, me recuso a falar sobre as ideias que coloquei num filme que, em certo momento, ocupa todo meu tempo e atenção. É para mim impossível analisar qualquer dos meus trabalhos antes que estejam terminados. Sou um criador de filmes, um homem que tem certas ideias e que deseja expressá-las com sinceridade e clareza. Estou sempre contando uma história, [mas] sou sempre incapaz de decidir antes de contá-la se ela possui qualquer relação com o mundo em que vivemos” (34)


 Antonioni  sempre   questionou   a   necessidade  de  trilha
 musical para seus filmes.  A partir de Blow-Up isso mudou

Durante a entrevista para Playboy, Antonioni explicou que o que o levou à Blow-Up foi antes de qualquer coisa o fato de estar em Londres acompanhando as filmagens de Monica Vitti em Modesty Blaise (direção Joseph Losey, 1966). Durante sua estada, afirmou sentir-se a vontade com a atmosfera irreverente da cidade, onde as pessoas pareciam mais livres e menos ligadas a preconceitos. Disse também que isso mudou alguma coisa dentro dele, e que tudo que o interessava começou a parecer bastante limitado. Queria aprender coisas novas, explicou. Escolhido o enredo, fez contato com todos aqueles fotógrafos. Antonioni explicou também em que sentido Blow-Up difere radicalmente (o termo é do cineasta) de seus filmes anteriores. Se antes o cineasta sondava os relacionamentos entre duas pessoas (geralmente relacionamentos amorosos, a fragilidade de seus sentimentos e assim por diante), em Blow-Up nada disso importa. Agora a relação é entre um indivíduo e a realidade (as coisas que o rodeiam). Embora existam relacionamentos, não há histórias de amor. O protagonista fotografa duas pessoas juntas ao acaso. Isso é real, Mas a realidade, Antonioni esclarece, possui uma qualidade de liberdade difícil de explicar. Blow-Up, disse ele, é como Zen, explicá-lo é traí-lo. “Quero dizer”, concluiu Antonioni, “um filme que você pode explicar com palavras não é realmente um filme” (35). Ou ainda, como o cineasta explicou a Antonio Moravia em 1968, dois anos depois da estreia, “primeiro vem a história, depois o tema. Por exemplo, eu só descobri o tema de Blow-Up um mês atrás” (36)


“ (...) Um filme, nunca vou cansar de repetir, não precisa
 ser ‘compreendido’. É suficiente que o espectador o ‘sinta’. 
Assistir  a  um  filme  deve  ser  uma  experiência  intuitiva
 pessoal  global,  como  quando alguém lê um poema (...)” 

Michelangelo Antonioni (37)

Além do sexo, a juventude e as drogas são dois temas presentes em Blow-Up – provavelmente os únicos que muitos perceberam ou se interessaram. Na mesma entrevista de 1967, Antonioni foi questionado a respeito do fato de que no final o fotógrafo simplesmente parece ter se esquecido do assassinato e mudado seu foco para o jogo de tênis imaginário. Perguntaram ao cineasta se isso demonstra a maneira como a juventude lida com os problemas. Antonioni acredita que sim, mas não compreende essa decisão como um problema ou deficiência por parte dos jovens. O cineasta acha que gente como os adultos, que parece saber apenas como fazer guerras e massacres (seguramente ele está se referindo à guerra do Vietnã, então em curso e foco dos protestos de grande parte da juventude europeia e norte-americana), não tem nem o direito de julgá-los e nada para lhes ensinar. A respeito das drogas, então muito na moda, Antonioni disse que acha ótimo e que deveria ser distribuído de graça, sem cobrança de impostos. O cineasta contou que certa vez entrou na Catedral de São Marcos em Veneza com uma jovem que estava fumando maconha. Ela disse que sempre quis fumar ali. Antonioni acha que foi um exemplo de como não existe nada de profano em fumar maconha e que a moça a utilizou para ter uma experiência estética. O cineasta acha que a experiência alucinógena é uma dentre muitas formas de comunicação, enquanto algumas “velhas formas” (termos do cineasta) de comunicação se tornaram apenas máscaras que embaralham, confundem, obscurecem a comunicação. 


 Com exceção de O Grito,  os  filmes de Antonioni são centrados  
nas  mulheres,  mais  positivas do que os personagens masculinos.
A partir de Blow-Up o cineasta começa a falar sobre homens  (38)

Antonioni admitiu que sempre teve mais empatia com as personagens femininas. Com exceção de O Grito (Il Grido, 1957), as mulheres ganharam papéis mais positivos e complexos do que os personagens masculinos, confusos e negativos. Foi apenas a partir de Blow-Up, confessou Antonioni, que começou a falar a respeito dos homens – admitiu inclusive que gostava do protagonista e viveu como ele durante algum tempo, mas apenas porque precisava disso para compreender o personagem (39). Numa entrevista para Positif, em junho de 1985, o cineasta reclamava de mais uma crise do cinema italiano e que quando os políticos acordaram já era tarde demais e ainda fizeram bobagem. Para Antonioni, os políticos italianos nunca realmente se interessaram pelo cinema. Pelo contrário, o cinema os assusta veem nele uma ferramenta para enfraquecer o processo político. Primeiro foram os democrata-cristãos, que achavam isso do Neorrealismo. Em 1985, os socialistas pensavam que um cinema controlado pelos diretores é perigoso, então procuravam destruí-lo (40). Na mesma entrevista Antonioni fala do sucesso de de bilheteria Blow-Up e de como começa a ser confrontado pelo mundo das oportunidades...

“Um produtor americano queria que eu filmasse um conto de fadas, Peter Pan. Você consegue me ver filmando Peter Pan? Ele me chamou em seu escritório, de um lado estava Mia Farrow, que deveria assumir o papel principal, do outro estavam o compositor e o diretor artístico (a música e o cenário estavam todos prontos), na minha frente estava esse produtor com seu talão de cheques aberto, oferecendo um milhão e trezentos mil dólares. Então apenas perguntei: ‘Uma vez que tudo está pronto, para quê você precisa de mim?’ Aqueles caras nunca entenderam porque eu desisti. Muitos de meus colegas teriam aceitado. Tenho que dizer que sacrifícios de natureza material realmente nunca me afetaram muito. Os sacrifícios que importam tem relação com nossa visão de mundo, são de tipo moral. É quando você mente para si mesmo, quando se compromete, que realmente paga por isso” (41)

Por outro lado, dois anos antes, durante uma entrevista para Il Messaggero, com certo tom de arrependimento Antonioni já falava de como não aproveitou as oportunidades fora da Itália!

“O cinema não o recompensou muito bem? Ah, não, nada. Eu poderia ter ficado rico, mas não fiquei. Depois de Blow-Up – um filme que, como você sabe, faturou muito dinheiro – tive oferecimentos fantásticos que recusei, porque não concordava como os assuntos dos filmes propostos. Por outro lado, depois de Zabriskie Point – um filme que não foi muito bem – passei por um momento difícil. É sempre assim. Podia ter ganho muito dinheiro com os oferecimentos fantásticos que recebi, e então partir para ser meu próprio produtor. Não fiz isso. Evidentemente, não sou um homem prático” (42)


Leia também:
Blow Up, Depois Daquele Beijo

Notas:

1. MOSER, Walter; SCHRÖDER, Klaus Albrecht (Eds.). Blow-Up. Antonioni’s Classic Film and Photography. Ostfildern: Hatje Cantz Verlag, 2014. Catálogo de exposição. P. 4.
2. NARDELLI, Matilde. Blow-Up and the Plurality of Photography. In: RASCAROLI, Laura; RHODES, John David (orgs.). Antonioni. Centenary Essays. London: Palgrave MacMillan/BIF, 2011. P. 185.
3. RESTIVO, Angelo. From Index to Figure in the European Art Film: The Case of The Conformist. In: GALT, Rosalind; SCHOONOVER, Karl (Eds.). Global Art Cinema. Oxford: Oxford University Press, 2010. P. 168.
4. MOSER, W. Antonioni’s Hypnotic Eye on a Frantic World. Blow-Up and Photography. In: MOSER, W.; SCHRÖDER, K. A. (Eds.). Op. Cit., pp. 4-5, 16-7, 21n30 e 42.
5. Idem, p. 17.
6. GUNDLE, Stephen. Between Hollywood and Moscow. The Italian Communists and the Challenge of Mass Culture, 1943-1991. Durham & London: Duke University Press, 2000. P. 123.
7. ANTONIONI, Michelangelo. Entrevista para Corriere della Sera, 12 de fevereiro de 1982. In: ANTONIONI, Michelangelo. Architecture of Vision. Writings and Interviews on Cinema. USA: University of Chicago Press, 2007. P. 89.
8. SEELIG, Thomas. From Material Evidence to the Dematerialized Figure. In: MOSER, Walter; SCHRÖDER, Klaus Albrecht (Eds.). Op. Cit., pp. 224-5.
9. RASCAROLI, Laura. Modernity, put Into Form: Blow-Up, Objectuality, 1960’s Antonioni. In: RASCAROLI, L.; RHODES, J. D. (orgs.). Op. Cit., p. 68.
10. MAHLER, Astrid. “Fashion Photographers here Belong to the Moment”. British Fashion Photography of the Nineteen-Sixties as Reflected by Blow-Up. In: MOSER, Walter; SCHRÖDER, Klaus Albrecht (Eds.). Op. Cit., pp. 63-5.
11. RASCAROLI, Laura. Op. Cit., p. 65.
12. NARDELLI, M. Op. Cit., p. 188.
13. RESTIVO, A. The Cinema of Economic Miracles. Visuality and Modernization in the Italian Art Film. Durham & London: Duke University Press, 2002. P. 108.
14. ANTONIONI, M. Entrevista para Playboy, novembro de 1967. In: ANTONIONI, M. Op. Cit., p. 166.
15. RASCAROLI, Laura. Op. Cit., p. 68-78.
16. SEELING, Charlotte (Ed.). Moda. O Século dos Estilistas. 1900-1999. Kohl: Könemann, 2000. Pp. 343, 349.
17. RESTIVO, A. 2002. Op. Cit., p. 108.
18. RASCAROLI, Laura. Op. Cit., p. 72-3.
19. RESTIVO, A. 2002. Op. Cit., pp. 110-2.
20. RASCAROLI, Laura. Op. Cit., pp. 75-6.
21. Idem, p. 76.
22. Ibidem, p. 78.
23. JUTZ, Gabriele. Shoot! Shoot! Shoot!. Variants of the Voyeuristic Gaze. In: MOSER, W.; SCHRÖDER, K. A. (Eds.). Op. Cit., p. 27.
24. MOSER, W. Op. Cit., 6-13, 16, 21m54.
25. JUTZ, G. Op. Cit., p. 27.
26. HANREICH, Anna. “The East End is Dirty and Ugly”. Photojournalism in England in the Sixties. In: MOSER, W.; SCHRÖDER, K. A. (Eds.). Op. Cit., p. 137.
27. RASCAROLI, Laura. Op. Cit., p. 69.
28. MAHLER, A. Op. Cit., p. 63.
29. NARDELLI, M. Op. Cit., p. 202.
30. MAHLER, A. Op. Cit., pp. 60-2.
31. ANTONIONI, M. Entrevista para Playboy, novembro de 1967. In: ANTONIONI, M. Op. Cit., p. 149.
32. -----------------------. Entrevista para Corriere della Sera, 12 de fevereiro de 1982. In: ANTONIONI, M. Op. Cit., pp. 90, 148.
33. Idem, pp. 89-91.
34. Ibidem, p. 91.
35. -----------------------. Entrevista para Playboy, novembro de 1967. In: ANTONIONI, M. Op. Cit., pp. 148-151.
36. -----------------------. Entrevista para L’Expresso Colore, 11 de agosto de 1968. In: ANTONIONI, M. Op. Cit., p. 303.
37. -----------------------. Entrevista para Il Tempo, 20 de maço de 1975. In: ANTONIONI, M. Op. Cit., p. 168.
38. -----------------------. em Parla il Cinema Italiano, 1979. In: ANTONIONI, M. Op. Cit., p. 200.
39. Idem, p. 209.
40. -----------------------. Entrevista para Positif, junho de 1985. In: ANTONIONI, M. Op. Cit., p. 240.
41. Idem, pp. 240-1. O grifo da frase final é meu, RAO.
42. -----------------------. Entrevista para Il Messaggero, 31 de agosto de 1983. In: ANTONIONI, M. Op. Cit., p. 224.

30 de nov. de 2017

Fellini e os Trapaceiros do Crucifixo


(...) Profissionalmente,  eu  sabia  que  não  seria  capaz  de  encarar
A Trapaça terminado. Pessoalmente, foi difícil cortar tanto da ótima atuação de Giulietta. Estava tão bem, em especial [onde] cortei (...)(1)

Lamentações  de  Fellini  em  relação  à  ordem  do  produtor  para  mutilar  o  filme  supondo que assim
 diminuiria sua ambiguidade. Mas Fellini nem sabia o que fazer. Como escolher o que cortar num filme que
 já foi completado? No final, isso destruiu o filme, que se tornou incompreendido e subestimado até hoje

O Golpe do Crente Conveniente

Em companhia de seus cúmplices Roberto e Picasso, Augusto Rocca se fantasia de bispo católico para aplicar mais um golpe em pessoas pobres e analfabetas dos arredores de Roma (para alguns ele é conhecido como “monsenhor trapaça”). A encenação do bando convence duas camponesas incrédulas de que um moribundo escondeu um tesouro roubado em suas terras. Em testamento, o morto teria indicado que as peças de ouro deveriam ser entregues aos donos da terra onde foi enterrada, na condição de que fossem rezadas quinhentas missas pelo homem que ele matou. As camponesas sugerem rezar as missas na região pobre onde vivem, mas exatamente aí o bando entra em ação e afirma que seria melhor fazer no Vaticano (ao custo de mil liras por missa). Elas entregam o dinheiro e o bispo-bandido foge com seu bando, deixando-as sem suas economias e um tesouro falso. Enquanto Augusto sonha com seu passado de ladrão bem sucedido (que poderia vender gelo para um esquimó), Picasso mente para Iris, sua esposa, e aparece cheio de presentes para ela e filhinha do casal (financiados pelos roubos) dizendo que é resultado de seu trabalho como vendedor. Já Roberto, está sempre em busca de uma mulher que o sustente. No próximo golpe, o bando vai explorar os despossuídos que aguardam em vão na periferia por uma casa própria digna. Agora Augusto é um comendador que distribui escrituras falsas de casas mediante o adiantamento da primeira prestação. Mais uma vez, a matilha consegue que as próprias pessoas lhes deem o pouco dinheiro que acumularam. A seguir Augusto reencontra Rinaldo, um velho amigo ladrão que está muito bem de vida e começa a se sentir inferiorizado, especialmente quando Roberto se dá ao trabalho de roubar a cigarreira de uma mulher na festa do amigo magnata do crime. (imagem acima, Augusto disfarça para não ser descoberto por uma de suas vítimas)


Numa das cenas que Fellini foi forçado a cortar, Iris abandona
Picasso  e  confronta  Augusto,  culpando-o  pela  vida  de  crimes
do marido.  Augusto  se  defende   com   sua   lógica deformada

Augusto  encoraja  Iris  a  voltar  para  o  marido,  mas  avisa  a  ela  que,  uma  vez  livre
 Picasso não vai querer voltar porque a “liberdade é muito maravilhosa”. Um homem que
 tem dinheiro, Augusto insistiu, tem tudo. Aquele que não tem dinheiro não é nada (2)

Iris acaba percebendo que são todos ladrões, Picasso não consegue inventar nenhuma desculpa e implora! “Você sabe que não me importa ficar sem dinheiro. Eu não tenho medo”, dispara a mulher. “Basta que volte a ser como era no princípio, quando nos casamos”. É a virada do ano e eles fazem as pazes. Contudo, Picasso segue com o bando aplicando golpes. Augusto que dar um golpe mais “produtivo”, mas Roberto só pensa na diversão de pequenos trambiques. Picasso está incomunicável, dividido entre sua vida de golpista e o amor quase incondicional de Iris – acaba seguindo alegremente o conselho de Augusto e voltando para casa. Certo dia, Augusto marca um encontro com Patrizia, sua filha (que mora com a mãe). Depois que a impressiona dizendo que vai pagar os estudos dela, ele acaba reconhecido por uma antiga vítima e acaba preso. Atônita, a filha espera em vão do lado de fora da delegacia, pois ele sai dali direto para a penitenciária. Certo tempo depois, Augusto está de volta para aplicar novamente o golpe do bispo, agora com uma equipe nova. A família é paupérrima e tem uma filha paralítica. Augusto é chamado para falar com ela, pois todos pensam que ele é o que parece ser. Golpe aplicado, na volta Augusto comunica que devolveu o dinheiro à família antes de saírem de lá. Ninguém acredita. Na briga, ele é ferido mortalmente e, quando já estamos convencidos da nobreza de Augusto, encontram o dinheiro com ele. O bando o abandona ali mesmo, uma espécie de fundo do poço em lugar nenhum – onde se lamenta por suas omissões na vida, chega a dizer que isso aconteceu porque ele não cuida de ninguém. No dia seguinte, rasteja até a beira da estrada. É inútil, está morto. (imagem abaixo, a partir da esquerda, Augusto [com o olhar furtivo que Fellini procurava], Picasso e Roberto)

Tragicomédia e Religião


 “(...)  Do  tragicômico  de  Fellini,  o  personagem desencorajador é, 
de fato, o recurso [vital de A Trapaça], além da manifesta capacidade
do diretor em transferir a realidade para a dimensão fantástica” (3)

Dois anos depois de sua primeira comédia, Os Boas Vidas (I Vitelloni, 1953), Federico Fellini ultrapassa os moldes arquetípicos do riso popular ao injetar uma dose de crueldade, sátira e sarcasmo em A Trapaça (Il Bidone, 1955). Na opinião de Rémi Fournier Lanzoni, seus métodos serão imitados pelos mestres da comédia italiana da década de 1960. Lanzoni vai buscar a explicação recuando um pouco no tempo até a comédia francesa, herdeira da tradição do teatro de Molière (1622-1673) e Marivaux (1688-1763), sempre tiveram dificuldade para passar da comédia para a tragédia no interior de uma mesma narrativa, o que não era o caso da commedia all’italiana, como não foi o caso também com precursores, como Os Boas Vidas e A Trapaça. Ainda de acordo com Lanzoni, as comédias italianas raramente eram vítimas de uma classificação rígida de seu gênero, o que teria evitado que autores, cineastas e produtores pudessem até mesmo conceber um filme que atravessasse vários gêneros concomitantemente. As comédias francesas posteriores à Segunda Guerra Mundial, com raras exceções (Lanzoni cita como exemplo A Travessia de Paris, La Traversée de Paris, 1956), eram bem definidas enquanto tal e dificilmente envolviam um elemento dramático agindo como a força motriz do humor. Enfim, para Lanzoni, A Trapaça está longe de representar uma obra menor na trajetória de Fellini. O filme narra de maneira “sério-cômica” a luta de Augusto, um vigarista que está ficando velho, para se redimir de sua vida de crime e financiar os estudos da filha que nunca assumiu – embora para conseguir o dinheiro soubesse apenas roubar. Seu golpe principal consistia em se travestir de emissário de Igreja Católica e arrancar dinheiro dos camponeses pobres da região do Lácio, em torno de Roma (4).

“(...) Ao contrário de grande parte dos filmes de gângster daquela época, A Trapaça, de Fellini, examina o elemento da solidão e o distanciamento social do indivíduo em relação à sociedade italiana do pós-guerra através de uma comédia sarcástica. Em seu reexame da existência equivocada, Fellini oferece um testamento profundamente comovente da honestidade inerente ao coração humano. Desta vez, a inovação chegou com uma estratégia de observação social e psicológica entrelaçada com uma comédia onipresente. Num final fascinante, ironicamente o amor corajoso por uma filha ignorada condena e redime o protagonista” (5)


[Durante os testes,]  uma das garotas tropeça e cai. Sua reação era
o que procurava, [ela ganhou o papel da paralítica]. Era importante
que  lembra-se  a  filha  de  Augusto,  [...] de forma que a consciência
dele   percebesse que pegava  o  dinheiro  pelo  futuro  de  Patrizia”

Federico Fellini (6)

Filmes como Os Boas Vidas e A Trapaça, de Fellini, antes dele Mario Camerini, com Gli Uomini, che Mascalzoni... (1932), ou posteriormente Steno e Monicelli com Guardas e Ladrões (Guardie e Ladri, 1951), ou mesmo Vittorio De Sica com O Ouro de Nápoles (L'oro di Napoli, 1954), concentravam-se num grupo em torno de uma situação específica. Como é frequente na história do cinema italiano, este ciclo se encerra. Para Lanzoni, as comédias da “velha escola” do imediato pós-guerra começaram a perder espaço entre o público justamente por raramente representar um indivíduo socialmente único. A transformação insiste Lanzoni, era inevitável, com a passagem da comédia tradicional para uma nova comédia a partir dos restos da anterior. Novas narrativas estavam agora se afastando do processo de fragmentação do velho formato do enredo para forçar apenas um aspecto do tema e não mais no tema em si. Este foi o motivo porque a commedia all’italiana, distanciando-se da tradição da commedia dell’arte, surge na tela grande com um novo formato, filmes em episódios, como por exemplo, Os Monstros (I Mostri, direção Dino Risi, 1963). Pela mesma razão embora num outro registro, continua Lanzoni, Aquele que Sabe Viver (Il Sorpasso, direção Dino Risi, 1962), representa bem a nova tendência de organizar cuidadosamente uma fragmentação da narrativa ancorada no tempo presente (a época em que o filme foi realizado) e nenhuma progressão lógica particular do enredo: em outras palavras, uma série de sequências ou tomadas, todas sustentando a representação fenomenológica do “épico da vida cotidiana”. (imagem acima, Augusto e a paralítica, abaixo, Augusto e sua filha)

O Mundo dos Vigaristas (na Itália)


(...) [Augusto] está cansado de sua vida e quer mudar, mas não
 reformá-la. Ele realmente quer  se  retirar após um grande final. 
 [Sua   atraente   jovem   filha]   é  o  elemento  humanizador  que 
faltava a Lupaccio e outros vigaristas com quem conversei (...)

Federico Fellini (7)

Fellini descreve a expressão Il Bidone, que segundo ele se refere literalmente a uma grande lata vazia, a promessas vazias feitas por pessoas capazes de vender coisas sem valor à outras pessoas insuspeitas, embora nem sempre inocentes. Eles gostam da emoção de enganar os outros. Talvez o assunto tenha me interessado, explicou Fellini, porque o diretor de cinema é uma espécie de mágico, de mestre da ilusão, embora seu objetivo não seja enganar ninguém. Em Rimini, havia um que atacava turistas (especialmente alemães e escandinavos que visitavam a cidade no verão), mas que era admirando localmente porque divertia as pessoas. Fellini conta que quando ainda era repórter e trabalhava em Roma, foi abordado por um vigarista desses que me ofereceu diamantes para que eu vendesse para as atrizes que entrevistava. O cineasta não sabia distinguir um falso de outro verdadeiro, mas foi salvo do vexame porque como era tímido jamais teria a capacidade de vender nada, sendo assim ele declinou do convite. É claro que durante a guerra, Fellini explicou, era essencial que as pessoas tivessem capacidade de se virar, atitude que era admirada. Em A Estrada da Vida (La Strada, 1954) existe a breve passagem onde um vigarista tenta vender pano barato como se fosse algodão caro – quem o apresentou a Fellini foi o tal que tentou fazê-lo vender diamantes falsos. Ele se dava o nome de Lupaccio, e na opinião do cineasta era mesmo parecido e estranho como um lobo. Orgulhava-se de sua capacidade para enganar as pessoas, até mesmo considerando isso sua grande realização na vida. Lupaccio até via a si mesmo como uma espécie de artista. Fellini então teve vontade de desenvolver um roteiro a respeito do tema, mas os produtores só queriam alguma coisa onde reaparecesse a Gelsomina de A Estrada da Vida. Foi aí que Fellini convenceu a Goffredo Lombardo, da Titanus Films. Contudo, logo o cineasta abandonaria sua visão picaresca do personagem (8). (imagem abaixo, Picasso)


(...) [Richard Basehart] tinha exatamente a correta expressão santa
para  o  vigarista simpático que mal entende as implicações morais
[dos  seus  atos].   Ele  tem  consciênciamas  está  bem  escondida”

Federico Fellini (9)

Bidone (escárnio, fraude, trapaça, pegadinha), do título original de A Trapaça, era em 1955 uma expressão que já contava com uns quinze anos de circulação na Itália. A expressão foi utilizada pela primeira vez por estudantes na Lombardia, mas compreende ou engloba um mundo vivendo na margem da sociedade, enganando e trapaceando, mentindo e cometendo crimes. É uma palavra que não pode ser mapeada, cujas bordas são impossíveis de demarcar., repleta de protagonistas que não podem ser desmascarados. Assim Tullio Kezich procura delinear etimologicamente a escolha deste título por Fellini, que conhecia alguns desses trapaceiros. Gente que conheceu durante a pobreza da guerra e logo depois, quando entre o mercado negro e outros expedientes, todo mundo na Itália meio que recorreu à arte de “se virar” (ou l’arte de arrangiarsi). Entretanto, o lançamento do filme em 1955 coincidiu com um período mais calmo. A vida na Itália estava se reconstruindo e num caminho de crescimento econômico, as pessoas eram cada vez menos forçadas a dar golpes em nome da sobrevivência – provavelmente Kezich não está incluindo aqui aqueles estelionatos mais sofisticados e estruturados, realizados pelo comércio, pelos executivos e suas empresas, pelos políticos ou pela máfia (10). (imagem abaixo, Roberto acha divertido e vibrante ser vigarista, mas o que ele quer mesmo é ser cantor)


 “Após o excelente retrato do mulherengo Fausto em Os Boas Vidas, 
Franco Fabrizi foi ideal para o mesmo tipo de papel em A Trapaça

Federico Fellini (11)

É neste sentido que A Trapaça é um filme a respeito do fim da arte de trapacear, logo da decadência e morte do trapaceiro. É muito mais um filme crepuscular, concluiu Kezich, do que aquele alegre e picaresco que aparecia nos pôsteres. A inspiração veio a Fellini a partir de histórias que ouviu e conversas que teve com um velho vigarista que encontrou no restaurante em Ovindoli durante as filmagens de A Estrada da Vida. Houve também a participação de Eugenio Ricci (Lupaccio). Durante a elaboração do roteiro, veio à lembrança o rosto de Humphrey Bogart para o papel de Augusto, Fellini o considerava um rosto típico de vigarista da Calábria. Mas Bogart já estava doente e o outro nome que surgiu, Frank Sinatra, foi recusado por Fellini, que achava esse outro com fama de arrogante. Alguém sugeriu os franceses Pierre Fresnay ou Jean Servais (que atuaria como um ladrão envelhecido em Rififi, Du Rififi chez les Hommes, 1955). Enquanto isso Fellini, que parou de ir ao cinema desde quando começou a filmar, não assistiu A Grande Ilusão (All the King's Men, 1949), congelou quando viu no pôster o rosto de Broderick Crawford (que atua como um político norte-americano inescrupuloso): pesado, melancólico, com olhos quentes e inclinados. Broderick aceitou o convite alegremente. (imagem abaixo, as camponesas recebem a notícia de que para ficar com o tesouro terão de pagar pelas missas)

Destruir um Filme


 A versão atual de A Trapaça tem 92 minutos - alguns catálogos
 elevem  essa  contagem  à  105.  Em seu lançamento durante o 16º
 Festival  de  Veneza  contava mais de duas horas de duração  (12)

Naquela época na Itália, o Partido Comunista contava com muitos simpatizantes. Contudo, Stephen Gundle já mostrou a dificuldade dos grupos de esquerda em aceitar e/ou compreender os mecanismos da indústria do entretenimento, cinema incluído (13). Uma das iniciativas foi um grupo de críticos de cinema que se dispunha a julgar a capacidade de um cineasta realizar filmes “corretamente” – de resto, tendência despótica típica da crítica em geral, de qualquer coloração. Em relação à Fellini não poderia ser diferente. Talvez numa tentativa voluntária ou não de manter viva a chama do Neorrealismo que já se apagava, o caráter de crítica social era sempre cobrado por esses críticos. A respeito de A Estrada da Vida, por exemplo, Guido Aristarco, então diretor da revista Cinema Nuovo, criticou seus valores religiosos e via neles uma traição em relação Neorrealismo – o termo “traição” ilustra bem o nível do debate. Aristarco foi o principal representante da crítica marxista italiana. Reivindicava um modelo realista baseado na análise dos fluxos sociais e era avesso a toda visão espiritual do mundo. André Bazin, por outro lado, considerava que Fellini parte de uma concepção do realismo de caráter social e progressivamente parece preferir revelar a ambiguidade do mundo. Àngel Quintana observa as repercussões em relação à recepção de A Trapaça, que parece ser a obra de Fellini mais incompreendida da década de 1950, da qual o cineasta foi obrigado a cortar vinte minutos do filme para a Mostra de Veneza de 1955 - Fellini ouviria de Orson Welles suas lamentações em relação aos cortes feitos à sua revelia em Soberba (The Magnificent Ambersons, 1942), outra vítima da tesoura dos produtores, agora em Hollywood (14). Impressionado pela força dramática da sequência final, François Truffaut escreveu: “Ficaria voluntariamente durante horas assistindo Broderick Crawford morrer” (15).

“Depois que A Estrada da Vida ganhou para Fellini o Leão de Prata em Veneza em 1954, e seu primeiro Oscar de melhor filme estrangeiro em 1956 (sem mencionar dezenas de outros prêmios), dando continuidade a seu interesse nas mudanças psicológicas fundamentais da conversão que podem emergir de um ato de graça secular em indivíduos cada vez mais complexos, em sua próxima realização, A Trapaça, escalou Broderick Crawford para o papel de um vigarista chamado Augusto que às vezes se fantasia de padre. [...] Fellini tinha originalmente pensado em Humphrey Bogart para o papel principal, mas Crawford era talvez mais apropriado, uma vez que era associado pelo público de todo o mundo com os filmes de gângster de Hollywood. Com A Trapaça, Fellini se apossa de um gênero tradicional de Hollywood e aplica-lhe uma torção felliniana especial, já que o enredo representa uma variação da história cristã do bom ladrão, e traça a descida de Augusto para dentro de um inferno pessoal durante cinco dias de contos do vigário e crescente remorso. A apresentação de A Trapaça no Festival de Veneza em 1955 foi um desastre, impedindo Fellini de apresentar seus filmes por lá até Satyricon de Fellini (Fellini - Satyricon), em 1969 (...)” (16)


Durante as filmagens,  [houve a]  fofoca [do] romance entre Giulietta
e [...] Basehart.  [Achei a] história tola. Eu ri.  Irritada,  perguntou:  ‘por
que está rindo?  Não acredita que é verdade?  Você não tem nenhum
 ciúme?’  Claro que não, respondi. Então ela ficou realmente raivosa” 

Federico Fellini (17)

Parecia um filme que ninguém queria produzir, o próprio Dino De Laurentiis não se interessou. Por sorte, e apenas após longa reflexão, Goffredo Lombardo, da Titanus, assumiu o projeto. Os cortes impostos após a conclusão e o lançamento do filme serão responsáveis por determinadas oscilações do roteiro que comprometem qualquer trabalho futuro de crítica cinematográfica. Por exemplo, personagens secundários perdem suas histórias, como o casal Iris e Picasso, do qual apenas com certo esforço mental percebemos que pode ter esse apelido devido às poucas vezes que o vemos tentando vender um quadro. Outro que perdeu foi Roberto. Os três simplesmente somem da história com a prisão de Augusto. A Trapaça estreia em 9 de setembro em clima estava tenso. A esquerda confrontava Fellini por sua briga com Luchino Visconti no ano anterior. Como se não bastasse, Giulietta Masina (Iris), esposa de Fellini, leu numa manchete que ela havia fugido para Londres com Richard Basehart (Picasso). Encontrado em companhia de Richard e Valentina Cortese (sua esposa na vida real), Fellini inventou que em seu próximo filme Masina seria uma freira e Basehart um padre. Durante a projeção, Fellini sentou ao lado de um ministro que só fazia perguntas estúpidas (“que tipo de carro é esse?”, “Basehart não é casado no Valentina Cortese?”, “você pode me apresentar à Valentina Cortese?”). A plateia começa a abandonar a sala no final da primeira metade do filme. O Leão de Prata foi para A Palavra (Ordet, 1955) de Carl Theodor Dreyer, enquanto A Trapaça não recebeu prêmio nenhum e sequer menção honrosa. De acordo com Kezich foi, na verdade, Fellini quem decidiu não trazer mais filmes para Veneza – seu retorno, com Satyricon quatorze anos depois, foi em exibição fora de competição (18). Fellini explica:

“(...) Eu acredito que seja essencial que uma plateia se interrogue no final, que nem tudo seja respondido para elas. Eu falhei se elas não desejam saber o que aconteceu com o personagem depois que o filme acabou, não apenas para A Trapaça, mas para qualquer filme que faço. Como se viu, o filme todo era muito ambíguo para as plateias, de acordo com meu produtor, que disse que eu tinha de cortar a versão original de duas horas e meia, o que não a tornou menos ambígua. Disseram-me que isso era necessário para que tivesse uma melhor chance no Festival de Veneza daquele ano. Para mim, este não era um argumento consequente, mas produtores parecem amar festivais de cinema. Festas. Garotas. Quando [o filme] foi ignorado lá – pior do que ignorado – fui forçado há cortar um pouco mais, até os 112 minutos, então 104, finalmente até menor para o lançamento tardio nos Estados Unidos. [...] Cortar A Trapaça foi uma experiência triste para mim, e certamente machucou o filme. Eu não queria cortar. Quando completei A Trapaça, era meu filme, o filme que eu fiz. Forçado a cortar mais, não estava certo do que cortar (...)” (19)


“Quando Giulietta leu a parte de Iris, [...] me disse que tinha de atuar
no   papel.   [...]   Sinceramente,   tinha   imaginado   outra   atriz   para
o personagem. [...] Acho  que  ela  só  queria  parecer  glamorosa, que
 as  plateias   entendessem   que   ela  não  é  apenas  Gelsomina   (...)” 

Federico Fellini (20)

Se no ano anterior exaltaram A Estrada da Vida, tendo Masina como protagonista, agora os críticos são unanimemente negativos a respeito de A Trapaça. Disseram que Fellini estava tirando sarro de gente pobre, repetindo temas antigos, que ele não gosta de seus personagens, que estava mais interessado em casos patológicos. Um importante crítico de esquerda afirmou que o filme foi mau feito e é pior filme da história do cinema. Em geral, todos concordaram que o filme foi um erro. Por outro lado, seus apoiadores rebatiam que Fellini não está em busca de soluções fáceis, ou resultado previsível. Na tragicomédia de Fellini, afirma agora o próprio Kezich, o personagem não encorajador é, de fato, o trunfo mais significante do filme, juntamente com a capacidade manifesta do cineasta em transferir a realidade para uma dimensão fantástica. Lombardo perdeu totalmente a fé no filme, que era lançado nos cinemas acompanhado de um panfleto que procurava mitigar os ataques contra Fellini na imprensa. A bilheteria foi péssima e a distribuição lenta. A Trapaça seria lançado nos Estados Unidos apenas em 1964, recebendo mais algumas críticas ruins. 

“Entre as várias ramificações de Neorrealismo, este filme será eventualmente revelado como um dos mais originais e férteis. Fellini puxava seu anti-herói, preso num sistema de julgamento e condenação kafkiano, para o mundo objetivo, onde os personagens são alienados ou indiferentes. A Trapaça desafia definições e constitui um insulto para os críticos dogmáticos. Está também tão fora do campo dos gostos da época que alguns críticos (incluindo os padres no Centro Cattolico, que escreveram que ‘o ato ilegal final de Augusto é feito para o Deus maior’) interpretam o filme totalmente errado, afirmando que em seu último golpe o herói, disfarçado de padre, efetivamente devolve o dinheiro para a menina deficiente e encontra redenção através da morte. Isto é apenas o que o personagem de Crawford poderia ter feito se essa fosse uma produção de Hollywood. Mas no filme de Fellini, a visão da garota doente apenas lembra a Augusto dos problemas de sua própria filha. É por causa dela que ele tenta seu último golpe procura enganar seus cúmplices, que é o que o mata no final” (21) 

Depois do fracasso de bilheteria de A Trapaça, em relação ao qual tanto historiadores do cinema quanto a crítica em geral parecem ignorar as evidências dos males causados pelos cortes impostos por Lombardo, ficou muito difícil para Fellini conseguir financiamento para seu próximo filme, Noites de Cabíria (Le Notti di Cabíria, 1957) – o próprio Lombardo, que havia feito um contrato com o cineasta para dois filmes, aproveitou que o tema era prostituição, um tema que considerava antipático, especialmente em vista da polêmica em torno dele na Itália da época, aproveito para cair fora. E não foi o único. Em relação ao assunto, Fellini comentou:

“(...) Há uma história frequentemente citada a respeito de algo que eu teria dito quando ofereci o roteiro de Noites de Cabíria para um produtor. Às vezes a mesma história é contada, mas um diferente filme é encaixado. O produtor diz: ‘Temos que falar sobre isso. Você fez filmes sobre homossexuais’ – e suponho que ele está se referindo ao personagem de [Alberto] Sordi em Os Boas Vidas, embora eu não tenha pensado nisso especificamente – ‘você tinha um roteiro sobre um asilo de loucos’ – ele está se referindo a um de muitos roteiros que nunca foi filmado – ‘e agora você tem prostitutas. Sobre o que será seu próximo filme?’ Na sequência da anedota, respondo furioso, ‘meu próximo filme será sobre produtores’” (22)

Trilogia da Salvação


“O  tema  da  solidão  e  a  observação da pessoa isolada sempre
me interessou. Mesmo quando criança, não deixei de notar aqueles
que por alguma  razão  não  se  encaixam    eu incluído. Em minha
 vida e meus filmes, sempre estive interessado no deslocado (...)

Federico Fellini (23)
A Estrada da Vida, A Trapaça e Noites de Cabíria, compõem aquilo que Peter Bondanella chamou trilogia da salvação ou da graça (ou, às vezes, trilogia da pobreza espiritual), quando Fellini focou na questão da pobreza espiritual, questionando-se a respeito da natureza da graça ou salvação. Embora aplicada fora de contexto cristão, aprofundou-se numa noção de conversão enquanto metáfora da crise existencial de seus protagonistas solitários. Bondanella destaca momentos em que aflora a visão peculiar de Fellini do homem de confiança como emblemática da alienação que seus personagens geralmente experimentam. Em especial, a citação de Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette, direção Vittorio De Sica, 1948) na sequência em que sua filha descobre a verdadeira “profissão” de Augusto – ele a manda voltar para casa em tom pouco afetuoso. Quando foi preso ao ser reconhecido pelo parente de uma vítima, a humilhação que Augusto sofre é similar à do pai apanhado roubando uma bicicleta, humilhado em frente ao filho pequeno. Entretanto, no filme de De Sica o final poderia ser otimista, já que o filho pega na mão do pai demonstrando algum laço de afeição. No caso de Augusto, embora demonstre afeto por Patrizia, é capaz de colocar a vida de suas vítimas em risco para conseguir dar seus golpes. Essa humilhação foi apenas o primeiro de muitos paços em direção ao calvário pessoal dele. Como muitos personagens de Fellini, Augusto é um ser humano defeituoso. Mas o cineasta se compadece deles, o que na opinião de Bondanella produz certo calor humano em seus filmes: mais do que qualquer outro cineasta italiano, Fellini detesta o pecado, mas ama o pecador, “elevando” sua visão de mundo para longe de diretores ideologicamente orientados (24) – ou, pelo menos, afastando-se da ideologia de esquerda... A respeito de humanos defeituosos, Fellini esclarece:

“O tema da solidão e a observação da pessoa isolada sempre me interessou. Mesmo quando criança, não puder deixar de notar aqueles que por alguma razão não se encaixam – eu incluído. Em minha vida e meus filmes, sempre estive interessado no deslocado. Curiosamente, são geralmente aqueles ou muito espertos ou muito estúpidos que são abandonados. A diferença é que o esperto isola a si mesmo, enquanto aqueles menos inteligentes são normalmente isolados pelos outros. Em Noites de Cabíria explorei o orgulho de um desses que foi excluído” (25)


“Filmei o final [...] de várias maneiras distintas, 
finalmente me decidindo pela imagem mais poética
e a menos depressiva da morte de Augusto (...)

Federico Fellini (26)

Desta forma, continua Bondanella, Augusto é ao mesmo tempo pecador e santo, ambivalência que fica evidente na última sequência do filme. Disfarçado de bispo, ele encontra mais uma família pobre para roubar. Seu disfarce é tão perfeito que ele é chamado para trocar algumas palavras de incentivo com a paralítica. Contudo, logo suas falas decoradas de fé em Deus e aprendizado pelo sofrimento dão lugar a uma espécie de confissão: “Você não precisa de mim. Você está bem melhor do que muitos outros. Nossa vida... a vida de muitas pessoas que conheço não tem nada de bonito. Você não está perdendo muito. Não, você não precisa de mim. Não tenho nada para dar a você”. Sabemos que não devolveu o dinheiro e pretende roubá-lo dos comparsas. Aqui Bondanella enxerga o gênio de Fellini: não existe conversão sentimental ou artificial em A Trapaça, até o último instante Augusto continua a ser o mesmo vigarista de sempre. Abandonado pelos amigos traídos, ferido mortalmente, Augusto sofre seu drama em completa solidão no meio de lugar nenhum. Já é noite quando o acompanhamos falando sozinho no chão numa posição de cristo no crucifixo invertido, imagem que remete à Zampanò no final de A Estrada da Vida. O padre Angelo Arpa, um amigo de longa data de Fellini procura resumir em palavras o significado da morte para o cineasta: 

“A morte em Fellini é uma participação na medida de uma experiência, certamente a mais misteriosa, mas também a mais pacífica. Não é o fim de tudo, mas a rendição de algo. Um ramo que cai de um tronco resistente, uma laceração no topo, nunca nas origens da vida. Perguntei-me por que, no momento da morte, Fellini confiou o sustento da vida a crianças ou a filhotes de animais. Nisso, eu parecia vislumbrar a surpresa redentora da inocência, como a chuva lavou tudo, o fermento de uma massa que nunca vai às cinzas, o prognóstico de um sinal que escapa ao pensamento, mas não a poesia. Por exemplo, em A Trapaça, o personagem do disfarçado de bispo rola sobre uma parede áspera da montanha. Parece um pacote estopa com esse chão e o cascalho que entupiu tudo. As rochas o perseguem para atingir seu pecado. Sangue nos dentes, narinas, rosto, nas folhas enrugadas. Os olhos são um poço de medo. É o fim... Sobre os criminosos da montanha, algumas crianças com feixes de lenha nas costas, comentam aquela morte cantando-a para todos. Em vez disso, na villa dos suicidas de Satyricon, os dois cônjuges nobres, antes de se render à morte, libertam as crianças escravas, que partem [...] numa carroça. A vida está com eles, a graça para aqueles que morrem é todos” (27)  


Bondanella cita um crítico que observou leve movimento de câmera neste momento em torno de Augusto que funciona como uma benção. Bondanella também enxergou Augusto na Divina Comédia (Purgatório V, I. 107). Quando Dante encontra Buonconte, que como Augusto adiou seu arrependimento até o último instante. Salvo da danação eterna simplesmente por invocar a Virgem Maria, um dos diabos reclama que uma simples “mísera lágrima” é suficiente para salvar um homem.

“Zampanò, Augusto e Cabíria são todos abandonados por seus companheiros, e todos terão de aguentar uma crise existencial em completa solidão. Em A Estrada da Vida, A Trapaça e Noites de Cabíria, Fellini criou três metáforas extensas, três versões de um indivíduo encarando o nada da existência contemporânea e sua pobreza de espírito. Uma lágrima transforma a brutalidade de Zampanò numa forma mais humana, ao sentir afeto pela primeira vez na vida ao ser tocado pelo amor Gelsomina. Mais importante, o sorriso no rosto de uma prostituta [Cabíria] sinaliza para nós que a graça foi finalmente recebida e a salvação alcançada. O processo de ‘salvação’ ou ‘redenção’ no universo de Fellini é, em última análise, de auto revelação. A este respeito, é evidente que seus personagens femininos são bem mais simpáticos do que os masculinos, o que é curioso em virtude dos frequentes ataques das feministas em relação a atitudes supostamente sexistas de Fellini. [...] Sendo assim, a trilogia da salvação, de Fellini, celebra o triunfo da visão lírica e simbólica do diretor em relação ao mundo material que constantemente ameaça engolir seus personagens. [...] Em meados de 1950, ficou cada vez mais claro que os grandes diretores italianos romperam com a tradição neorrealista e estavam ocupados criando um universo fílmico que refletia uma visão pessoal de sua própria criação. E tais visões pessoais poderiam ser cada vez menos otimistas do que a de Noites de Cabíria” (28) (imagem abaixo, Picasso ajeita cuidadosamente um crânio que havia sido enterrado ao lado do tesouro falso, é por causa deste “morto” que as camponesas terão de pagar pelas missas )

O Fator Humano


Alguns inimigos do tempo de boemia de Fellini 
diziam que o cineasta acabaria como Augusto (29) 

O pano de fundo de A Trapaça é a década de 1950 na Itália, com grande parte da população sem dinheiro, sem emprego e sem moradia – o que é agravado pela migração intensa do sul agrário do país para o norte industrializado. Augusto é mais um vigarista que sente a idade chegando e começa a duvidar de seu futuro. Ele pretende arrumar dinheiro para a educação de sua filha, mas talvez apenas para diminuir a sensação de que falhou como pai – insiste com Picasso, então atravessando uma crise no casamento, que tipos como assim têm de viver sozinhos, sem freios. No ano anterior, Fellini realizou A Estrada da Vida, filme angelical muito premiado. Contudo, durante as filmagens já pensava numa espécie de sequência com ladrões profissionais: três vigaristas vivendo no mundo fantasioso e picaresco dos saltimbancos. Como Fellini não chegou a um acordo com Ennio Flaiano e Tullio Pinelli, corroteiristas, a respeito do conceito de “vigarista”, fazem uma pesquisa cujo resultado muda aos planos de Fellini – os verdadeiros vigaristas não eram felizes e farsantes pitorescos. Como não estava interessado num filme de crítica social, Fellini descartou a utilização da pesquisa. Considerava o bidonismo, a vigarice, como um prolongamento natural do vitellonismo esclerosado – referência a seu filme de 1953, I Vitelloni, título original de Os Boas-Vidas. “Os bidonistas, afirmou o cineasta, são os vitelloni que envelheceram”. Richard Basehart, que faz o “maluquinho” em A Estrada da Vida, assumiu o papel de Picasso – provavelmente uma referência aos quadros que ele nunca consegue vender. Franco Fabrizzi substituiu Alberto Sordi como Roberto, e Broderick Crawford substituto Pepino de Filippo como Augusto (30). Na opinião de Sérgio Augusto... 

A Trapaça pode ser dividido sumariamente em quatro momentos. Primeiro, o episódio do golpe do tesouro escondido na aldeia: incitação ao gosto do lucro. Segundo, a sequência do réveillon orgíaco na casa de Rinaldo: humilhação do vigarista de extração superior (enriqueceu com o trafico de drogas) aos escroques amadores (Augusto e Roberto). Terceiro, o encontro de Augusto com a camponesa paralítica: conscientização de Augusto. Quarto, a agonia solitária de Augusto: remorso e redenção espiritual. Criar situações fortes que sobressaiam como avisos de que está sendo dito algo de vital para a compreensão do todo é um expediente típico do cineasta. A filmografia de Fellini é mais uma coletânea de cenas e sequências magníficas que de obras-primas totalmente realizadas. A Trapaça é, juntamente com A Doce Vida [(La Dolce Vita, 1960)], o exemplo clássico desta forma romanesca de contar histórias. Apesar do esquematismo e das redundâncias (A Trapaça é o meio termo entre A Estrada da Vida e Noites de Cabíria, daí, aliás, o reconhecimento dos três como componentes de uma ‘trilogia da solidão’ [que Peter Bondanella chamou de ‘trilogia da salvação ou da graça’]), ainda é o filme de Fellini que mais impacto conserva na memória” (31)


(...) Se eu vejo que um ator como Broderick Crawford está meio
bêbado no local de filmagem, procuro torna isso parte da história.
[...]   Quando  não  posso  corrigir  o  problema,  o  incorporo”  (32)

Federico Fellini
De fato, Crawford não havia conseguido controlar seu vício

Para Méjean, A Trapaça é ainda mais desesperado do que A Estrada Da Vida – no qual talvez a última cena, quando Zampanò se lamenta de que aquela que era seu saco de pancadas humano finalmente morreu, indique que nos dedicamos ao sofrimento e ao luto. Como aquela ideia original de Fellini não vingou, seus vigaristas pitorescos cedem lugar a um mundo sombrio repleto de falta de amor; metáfora moralista a respeito de uma sociedade e as relações entre seus seres humanos. Enquanto os vitelloni viviam explorando as próprias famílias, os bidonistas viviam sugando “otários” bem mais pobres do que eles e muito ingênuos ou desesperados. Sempre de acordo com Méjean, se A Estrada da Vida conta a história de uma moça vendida por sua filha a um saltimbanco, A Trapaça é no geral a história de um homem que abandonou sua filha e que a reencontra quando é tarde demais. Antes deles, Os Boas Vidas apresentou histórias de homens jovens oriundos de boas famílias fadados ao não reconhecimento e ao desamparo. Contudo, Méjean até acredita que não se trate de algo como “Eu te odeio família” (do escritor francês André Gide, 1869-1951), porque parece existir em Fellini a necessidade de acreditar que um casal pode funcionar – Iris e Picasso, por exemplo. Augusto, personagem central de A Trapaça, é vigarista e também algo mais. Segundo Méjean, sua desonestidade seria motivada mais por uma necessidade de encenação, alguém que mente e fantasia o tempo todo – daí a identificação que Fellini admitiu em relação ao personagem. Essa condição de ser outro perpetuamente o enfraquece até o ponto dele não saber mais quem é. No final ele morre, e Fellini o mostra como alguém que sofre – enquanto Zampanò chora e Cabíria sorri para nós, no final de Noites de Cabíria (33).

“O comportamento de Augusto com sua filha é feito de uma curiosa mistura de culpa – por exemplo, quando ele propõe pagar pelos estudos dela – que sem dúvida emana do fato de que a abandonou com a mãe, além de uma dificuldade de comunicar, de dar afeto. Desmascarado, preso no momento mesmo quando ia ser salvo pelo reconhecimento de Patrizia, ele é traído por sua vigarice. O homem que o acusa no meio do cinema – justamente essa sala escura construída para os sonhos de amor e de harmonia – faz cair sobre seus ombros que parecem ainda sólidos, a lâmina da sentença dos homens, e, certamente, a pior. Ele não foi acusado de matar um homem ao vender-lhe medicamentos impróprios? E a ultima palavra que Augusto dirige a sua filha – justamente quando seu rosto está nu, literalmente descoberto – quando os policiais o levam, é um ‘vai pra casa’, num tom seco que se parece com maldade. Augusto está envergonhado? Ou apenas não queria comprometê-la nessa história desonrosa? A menos que essa palavra seja apenas o grito de um último choque, constatação de sua impossibilidade de se desembaraçar de seu pecado de impostura e de viver normalmente em harmonia com os seus. Nesse caso, sim, Fellini é ainda mais uma vez ‘derrubador de máscaras perturbador’. Todos esses sentimentos misturados fazem de Augusto alguém que não julgamos, não condenamos. Enfim, certamente porque ele foi feito à nossa imagem, a vergonha dolorosa que o esmaga é também um pouco a nossa” (34)


Leia também:

Mastorna: Federico Fellini e o Outro Mundo
Quando Fellini Sonhou com Giulietta Masina
O Neorrealismo Italiano e os Afro-Americanos

Notas:

1. CHANDLER, Charlotte. I, Fellini. New York: Random House, 1995. P. 111.
2. Idem, p. 111.
3. KEZICH, Tullio. Federico Fellini. His Life and Work. New York/London: I.B. Tauris, 2006. P. 172.
4. LANZONI, Rémi Fournier. Comedy Italian Style. The Golden Age of Italian Film Comedies. New York/London: Continuum, 2008. Pp. 35, 45n23, 76.
5. Idem, p. 36.
6. CHANDLER, C. Op. Cit., p. 110.
7. Idem, p. 109.
8. Ibidem, pp. 106-8.
9. Ibidem, p. 109.
10. KEZICH, T. Op. Cit., pp. 166-7.
11. CHANDLER, C. Op. Cit., p. 109.
12. KEZICH, T. Op. Cit., pp. 166.
13. GUNDLE, Stephen. Between Hollywood and Moscow. The Italian Communists and the Challenge of Mass Culture, 1943-1991. Durham & London: Duke University Press, 2000. 
14. CHANDLER, C. Op. Cit., p. 111.
15. QUINTANA, Àngel. Federico Fellini. Paris: Cahiers du Cinema, 2007. Pp. 30-1, 34.
16. BONDANELLA, Peter. The Films of Federico Fellini. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. P. 25.
17. CHANDLER, C. Op. Cit., p. 95-7.
18. KEZICH, T. Op. Cit., pp. 170-2.
19. CHANDLER, C. Op. Cit., pp. 110-1.
20. Idem, p. 110.
21. KEZICH, T. Op. Cit., p. 172.
22. CHANDLER, C. Op. Cit., p. 113.
23. Idem, p. 112.
24. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York/London: Continuum, 3ª ed., 2008. Pp. 130, 134-7, 427.
25. CHANDLER, C. Op. Cit., p. 112.
26. Idem, p. 110.
27. CASAVECCHIA, Simone (a cura di). Io Sono la Mia invenzione. L’Europa, Fellini e il Cinema Italiano negli Scritti di Pasre Angelo Arpa. Studio12/Fondazione Interregionale Europa e Cmunità Mondiale, 2003. P. 221.
28. BONDANELLA, P. 2008. Op. Cit., p. 140-1.
29. KEZICH, T. Op. Cit., p. 170.
30. AUGUSTO, Sérgio. Os Boas-Vidas Esclerosados. In: FELLINI, Federico. A Trapaça. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1972. Pp. xi-xii.
31. Idem, p. xii.
32. CHANDLER, C. Op. Cit., p. 147.
33. MÉJEAN, Jean-Max. Fellini, un Rêve, une Vie. Paris: Éditions du Cerf, 1997. Pp. 195-7.
34. Idem, p. 197.


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