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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

31 de jan. de 2017

Silvana Mangano e o Corpo-Paisagem


(...) Um colunista [de mexericos] num jornal londrino escreveu
que   De   Sica   havia   dito   que   la   Mangano,   la   Pampanini
la  Lollobrigida  tinham  muitas  curvas  e  pouco  talento (...)

Vittorio De Sica   declarou  ter  havido  um  problema  de 
tradução mal feita, nessa entrevista realizada em 1953 (1)

Do Neorrealismo às Super Mulheres

O ano é 1946, os italianos ainda separavam os escombros da guerra e o país estava para destituir o rei e inaugurar uma república. Roberto Rossellini havia lançado Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta, 1945) no ano anterior e agora realizava Paisà (1946), enquanto Vittorio De Sica vinha com Vítimas da Tormenta (Sciuscià, 1946), inaugurando a temporada do Neorrealismo. Então com dezesseis anos, Silvana Mangano foi eleita Miss Roma. Nascida em 1930, numa época em que o Fascismo pregava que lugar de mulher é na cozinha, ela viveu uma infância pobre, e as coisas iriam piorar durante a Segunda Guerra Mundial. Na disputa pelo reinado de Miss Itália, perdeu para Lucia Bosè. Mas a essa altura Mangano já havia conseguido um contrato de filmagem – muitos cineastas famosos participavam dos júris e contratos faziam parte do prêmio. Marcia Landy observa que a ascensão meteórica de Anna Magnani e Mangano ao estrelato mundial ajuda a compreender o confronto entre o velho e o novo em relação ao cinema do pós-guerra, além de identificar o caráter contraditório do Neorrealismo. Havia os gêneros populares com estrelas (comédias e melodramas dos anos 1950) e o cinema de autor da década seguinte. A estética neorrealista, apresentou uma maneabilidade filosófica, cultural e política na complexidade do pós-guerra. Transfigurado, o estrelato oferecia agora um sentido igualitário que redimia a estrela (2). Stephen Gundle lembra também que, embora participassem dos júris dos concursos de beleza, os neorrealistas desconfiavam do glamour artificial hollywoodiano de algumas vencedoras. Apesar disso, reconhecia-se a necessidade de novos rostos, que deveriam ser jovens e belos. Magnani tornou-se o símbolo do renascimento da nova Itália, mas não era nem jovem nem bela (3). (imagem acima, as axilas não raspadas de Silvana Mangano em Arroz Amargo, 1949; abaixo, como uma prostituta bem/mal casada em Teresa, episódio de O Ouro de Nápoles, 1954)


(...)   Vencedora  de  concurso  de  beleza,   [Silvana]  Mangano
permaneceria estrela por vária décadas, e sua imagem capturou a
trajetória cambiante da feminilidade nos anos 1940 e 1950 (...)

Marcia Landy (4)
Em 1958, Glauber Rocha explicava a emergência de atrizes como Mangano e Lollobrigida na esteira da tese da degenerescência do Neorrealismo. Esta tendência do cinema italiano do pós-guerra, também responsável segundo ele pelo surgimento de “supermulheres” como Silvana Pampanini, Sophia Loren, Claudia Cardinale e Monica Vitti entre outras, que optou pelos atores não profissionais e se contrapôs ao estrelismo do cinema anterior (do italiano ao francês, passando pelo hollywoodiano), passa a readmitir justamente esse estrelismo. Este, que alguns chamariam de divismo, convence até os mais dogmáticos. Então De Santis lança Arroz Amargo (Riso Amaro, 1949), unindo realismo e erotismo (5). Contudo, naquela época, nem mesmo a luta da Igreja Católica italiana para restaurar os valores da família foi capaz de frear a força dos novos rostos encontrados pelos concursos de beleza, os quais iriam sobrepujar a própria instituição religiosa na construção da nova imagem da nação. Em 1952, o escritor e jornalista italiano Alberto Moravia (pseudônimo de Alberto Pincherle, 1907-1990) escreveu em L’Europeo (24/02) a respeito de Silvana Mangano, fazendo referência direta a sua personagem em Ana (Anna, direção Alberto Lattuada, 1951):

“Essa atriz é, sem dúvida, uma das mais belas que surgiram em nossas telas por muito tempo. Sua beleza, coisa rara na Itália, não é contaminada por propriedades sociais, burguesas ou populares, é a beleza absoluta, de um caráter que, sem exagero se pode chamar angélico. Para ver o rosto de anjo de Silvana os italianos se aglomeravam e continuam se aglomerando nas salas de cinema onde se projeta Anna” (6) (imagem abaixo, Uma Noite como as Outras, episódio de As Bruxas, 1967)

Empoderamento x Atentado ao Pudor


 Uma  associação  entre  transgressão sexual  e   poder da mulher, 
juntamente  com  a  subordinação  do  homem ao  prazer feminino, 
representa clara provocação contra os valores morais católicos (7)

Capitaneada pelo Vaticano, a Igreja Católica italiana de meados da década de 1950 condenava o comportamento de Giovanna Blasetti, personagem de Mangano em Mambo (direção Robert Rossen, 1954), por disseminar e pertencer ao mundo da sexualidade dissimulada (uma demônio que se disfarça de anjo frágil), capaz de destruir os valores da família tradicional, defendidos por eles. Embora os filmes vindos dos Estados Unidos fossem menos censurados do que os italianos, o Vaticano se preocupava com o afrouxamento da moral (8). Durante entrevista em 1992, o crítico italiano Goffredo Fofi relembrou seu tempo de coroinha comentando a respeito da censura imposta pelos padres nos cinemas paroquiais, que durante seções privadas aplicavam o critério do Centro Cattolico Cinematografico – retratado por Giuseppe Tornatore em Cinema Paradiso, Nuovo Cinema Paradiso, 1988. De acordo com Fofi, “beijos nunca podiam ser carnais. Beijos carnais eram proibidos. Os beijos no cinema Francês e italiano são sempre carnais, ao passo que no cinema [norte-]americano beijos eram muito raros, sempre castos e nunca beijos franceses” (9). Na Rivista del Cinematografo, ligada ao Vaticano (pelo menos até a década de 1980), Mambo era apontado como medíocre. Tudo isso pode dar uma ideia da reação da Igreja contra uma personagem como Giovanna Blasetti, a quem a dança trouxe sucesso, dinheiro e poder sobre os homens que no passado a fizeram sofrer, e que disparava frases como: “eu cheguei, ganhei meu dinheiro e eles estão de joelhos” (10). Assim como determinados filmes, especialmente alguns estrelando Gina Lollobrigida, Loren e Marilyn Monroe, o comportamento e as roupas da protagonista de Mambo foi considerado inapropriado. (imagem abaixo, por fora Mangano é uma esposa submissa, por dentro odeia o marido machista, Uma Noite como as Outras, episódio de As Bruxas, 1967)


Na Itália das primeiras décadas do pós-guerra, atrizes e atores serão
considerados   modelos   de   comportamento,   sendo   cobrados   pelo
 Vaticano, que  os  confunde com seus personagens na tela de cinema 

Giovanna Blasetti será considerada um personagem negativo pelos defensores dos valores católicos, não apenas por seu uso do poder, condenado como imoral. Mario, o namorado de Giovanna, convence a mulher a dar o golpe do baú, a casar-se com o conde enrico Morisoni e conquistar a estabilidade financeira, levando vantagem depois da morte do marido. Isso foi muito criticado por outro semanário católico, Segnalazioni Cinematografiche, porque desta forma o casamento será transformado numa “especulação cínica sobre a infelicidade do marido”. O fato de que Giovanna trabalha e sustenta Mario, apenas se soma ao ilícito da coabitação do casal não casado – Vittorio Gassman, no papel de Mario, contracenou muitas vezes com Mangano, assim como Alberto Sordi; Marcello Mastroianni contracenou com a atriz em Scipião, O Africano... General de César (Scipione detto anche l'africano, direção Luigi Magni, 1971) e Olhos Negros (Orci Ciorne, direção Nikita Mihalkov, 1987). Não vai nem mesmo importar que, no final do filme, surjam sentimentos positivos que contrabalançam os negativos. Segundo este tipo de crítica, Giovanna não deixará de ser um personagem negativo: uma mulher excessivamente forte e que trabalha, é independente e utiliza sua sexualidade para conquistar homens. Tudo isso, afirmavam, é danoso para a imagem da mulher totalmente dedicada aos filhos. Por outro lado, apesar de questionarem na tela grande os papéis tradicionais na vida real, em sua esfera privada a maternidade e a “normalidade” das estrelas ganharam muita publicidade – verdade ou simulação, não é incomum encontrar mulheres do “mundo da mídia” sugerindo que tudo o que fazem é uma concessão à sobrevivência, ao dinheiro (11).  (imagem abaixo, Glória, uma atriz famosa, tem seu sorriso “remontado” porque vai aparecer para a imprensa, A Bruxa Queimada Viva, episódio de As Bruxas, 1967)

De Carne Enlatada à Bruxa


Marcello Mastroianni conheceu Mangano quando ela tinha 17 anos
de idade e desejava uma carreira no cinema. Seu breve relacionamento foi definido pelo ator mais como um flerte do que uma aventura (12)

No filme em episódios As Bruxas (Le Streghe, 1967), produzido por seu marido, Dino De Laurentiis, Mangano se desdobra em cinco personagens de cinco histórias. Em A Bruxa Queimada Vida (La Strega Bruciata Viva, direção Luchino Visconti), ela Glória, uma atriz de sucesso que não consegue do marido (e produtor de cinema) seis meses de férias para poder ter um filho (ela está grávida). A mulher que enfeitiça plateias é agora vítima do próprio sucesso. Em Senso Cívico (direção Mauro Bolognini), ela é uma motorista apressada que simula socorrer um acidentado no trânsito (que morre no final) apenas para se livrar do trânsito caótico. Sem escrúpulos e egoísta, como muitos no trânsito, ela não enxerga a contradição entre a desgraça alheia e seu próprio prazer. Em A Terra Vista da Lua (La Terra Vista dalla Luna, direção Pier Paolo Pasolini), Mangano é Assurdina, uma surda-muda. Certo dia, simulando se suicidar do alto do Coliseu (para que seu marido recolhesse donativos e “evitasse” uma morte), escorrega numa casca de banana e acaba caindo mesmo, mas depois reaparece viva no barraco do casal em Fiumicino, em Roma (a moral anunciada do filme: estar vivo ou morto é a mesma coisa). Para pai e filho, é a esposa perfeita: gosta de arrumar a casa e não fala nem escuta nada. Em A Siciliana (direção Franco Rossi), Nunzia incita o pai a se vingar de um pretendente, gerando uma escalada de mortes. No final, comparece vestida de preto ao funeral coletivo e faz seu papel tradicional de carpideira histriônica. Em Uma Noite como as Outras (Una Sera come le Altre, direção Vittorio De Sica), Giovanna é uma esposa submissa que em pensamento reclama furiosa com o marido que ela parece invisível para ele. Em comum, todas as histórias apontam para uma mulher cujo corpo físico está sempre em risco de dilaceramento. (imagens abaixo, A Minha Senhora, La Mia Signora, 1964)


Em  A Minha Senhora (1964),   Mangano   apresenta   várias   facetas
da mulher,  a tagarela,  a prostituta  e  a  esposa  cujo  marido está mais
preocupado com o roubo de seu carro do que com a infidelidade dela

Durante a recepção de Glória em A Bruxa Queimada Vida, encontramos pelo menos uma bajuladora incondicional, enquanto a maioria, pelas costas, critica a convidada ilustre, seja por seu penteado, seus cílios postiços, etc. em determinado momento, um industrial da área de enlatados dá seu diagnóstico a respeito do sucesso de Glória como se estivesse descrevendo o processo de produção de um objeto qualquer: “Você é um produto. Um produto sublime. Maravilhoso, certo, mas continua um produto. E o produto é a base de toda indústria. Se ele não for regular em sua qualidade, com a mesma cor, aroma ou composição, isso trará problemas para o produtor. A menor variação favorece os competidores. Na minha carne enlatada, eu sempre coloco ou mesmos ingredientes. Sou muito escrupuloso, lhe asseguro. Não se pode comprometer os negócios”. Do ponto de vista do capitalista ingênuo, ele estava fazendo um elogio... Mas ela não gostou: “É muito indelicado de sua parte me comparar à carne enlatada”. Talvez pretendendo fazer referência à pele da atriz, ele piora ainda mais as coisas tentando consertar: “Então usaremos pêssegos enlatados na próxima comparação”. E ele continua a insistir: “o fato é que vocês artistas são um tipo peculiar de indústria, precária e improvável. Basta que peguem uma gripe ou que se apaixonem e todo o capital vira fumaça”. Luchino Visconti, que realizou este episódio, via na estrela não apenas um símbolo erótico, mas a encarnação moderna da bruxa. Tanto uma quanto a outra, sugere Suzanne Liandrat-Guigues, nos instala na ambiguidade. Ao mesmo tempo produto e objeto, causa e efeito, a natureza e a magia. Citando Jules Michelet, Suzanne nos lembra de que a bruxa surge como um problema (ou uma opção) na medida em que as relações sociais se empobrecem: durante a Idade Média, quando o ouro começa a substitui as relações humanas, é então que a bruxa nasce.

“A bruxa da história foi queimada viva a fim de que sua carne fosse mortificada. Existe, [explicou Roland Barthes em seu prefácio à Feiticeira (1862), de Michelet,] ‘afinidade entre a Mulher e a magia, essa afinidade é física, a Mulher se harmonizando com a natureza através do ritmo sanguíneo. O que estimula na mulher é aquilo que ela esconde. Não a nudez (o que seria banal), mas a função sanguínea’. Nada transparece sob os enfeites. Vestida de cinzas ou coberta de ouro, o corpo desaparece. Seja o da estrela ou da bruxa. Nenhuma nudez comum, mesmo quando da dança lasciva [de Glória] parecida com a das bruxas poderia sugerir um strip-tease. Glória desmaia, o corpo desaparece. O que surge então é a palidez do rosto, o trabalho secreto do sangue, o único verdadeiramente proibido. Glória mortifica duplamente seu corpo: em função da criança que ela espera, e à qual deve renunciar em razão dos imperativos da produção, e pela severa disciplina da maquiagem. Entre o rosto da mulher que deve recusar a anunciação feita pela carne e a figura da estrela que mãos de especialista recompõem à vontade, surge uma máscara inesperada. Máscara mortuária que revela o mal-estar de Glória. Estrela morta para si mesma na função sanguínea da mulher violada, ela é bruxa e voa para longe na noite dos homens a bordo de um helicóptero, levando consigo uma maleta com ouro e joias” (13) (imagem abaixo, os seios provocativos de Silvana Mangano em 1949, Arroz Amargo)

Cinema do Corpo


 “(...) [Silvana] Mangano foi introduzida [em Arroz Amargo]
  como ‘a maravilhosa nova beleza provocadora italiana’  (...)” 

Stephen Gundle, reproduzindo as notas da produção do filme na época (14)

De acordo com Marcia Landy, certos filmes realizados por De Sica, De Santis e Rossellini refletem a respeito do estado da cultura passada e contemporânea através do cinema e indicam a emergência de novas imagens do corpo da mulher. Landy recorda um detalhe que passa despercebido para a grande maioria dos espectadores atuais, o pôster de Rita Hayworth no papel de Gilda que Antônio está colando quando, em Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette, 1948), roubam sua bicicleta. Através de Rita-Gilda, De Sica articula a estrela e a pinup enquanto símbolos de lazer, prosperidade e consumo, numa Itália ainda fortemente marcada penas ruínas da guerra, desemprego, falta de moradia e fome. Com Arroz Amargo, De Santis evoca o mesmo tipo de imagem através de Silvana Mangano – vistos por este ângulo, o segundo filme parece mesmo uma sequência mais aprofundada do primeiro. Crias dos concursos de beleza, Mangano, Lollobrigida, Loren e Lucia Bosè foram símbolos vitais da “restauração” do corpo erótico da mulher italiana ao corpo do cinema. Como Loren, seguiu o padrão de estrelas que se casam com produtores e fisgou Dino De Laurentiis, com quem a atriz tinha contrato exclusivo (15) – ele queria que Mangano substitui-se Giulietta Masina no papel de Gelsomina, em A Estrada da Vida (La Strada), mas o produtor de Fellini vetou; pretendia também que Fellini a escalasse para A Doce Vida (La Dolce Vita, 1960) (16). Seu corpo é sinônimo de sex appeal e movimento erótico, evidenciados em O Lobo da Montanha (Il Lupo della Sila, direção Duilio Coletti, 1949), Ana, e Mambo. Landy mostra que estrelas como Mangano, Lollobrigida e Loren não eram divas místicas nem a mulher de todos, modelos típicos dos anos 1930 e 1940 (17). (imagem abaixo, Arroz Amargo, 1949)


(...)  Arroz Amargo,  de  De Santis,   é   um   prenúncio
 da união do Neorrealismo com o cinema do corpo (...) 

Marcia Landy (18)
As estrelas desta época, como Isa Miranda, era criadas por uma máquina que teatralizava e despersonalizava os corpos. Por outro lado, as estrelas do final dos anos 1940 insinuavam uma nova vida que chegaria ao cinema dos anos 1950 e 1960. Como Magnani, Mangano trouxe o gesto de volta à tela de cinema. Da mesma forma, continua Landy, o caminhar rebolado de Loren em Pizza a Crédito (também conhecido como Pizza Fiado, episódio de O Ouro de Nápoles, L’Oro di Napoli, direção Vittorio De Sica, 1954), o caminhar ardente e sedutor de Lollobrigida em Pão, Amor e Fantasia (Pane, Amore e Fantasia, 1953) e Pão, Amor e Ciúme (Pane, Amore e Gelosia, 1954; ambos realizados por Vittorio De Sica), assim como a dança de Mangano em Arroz Amargo, trouxeram de volta o corpo sexualizado para o cinema: cintura fina, seios grandes, pernas torneadas. Para Landy, Arroz Amargo é a ponta de lança da união entre o Neorrealismo e um cinema do corpo. Não é por acaso que apresente estrelas que se tornarão parte importante daquilo que virá a ser pejorativamente chamado de Neorrealismo “rosa”, considerado por muitos uma traição ao impulso original neorrealista. Juntamente com Roma, Cidade Aberta, realizado por Rossellini, Arroz Amargo é um exemplo de como o Neorrealismo combinou melodrama e documentário utilizando atores não profissionais, paisagem e personagem, um foco no presente com alusões a remanescentes de um passado associado com a atuação e estilos de Hollywood/Cinecittà. Enquanto Roma, Cidade Aberta faz um releitura critica do cinema anterior, Arroz Amargo introduz outros elementos da cultura popular (fotonovelas, música e dança).

“Ao selecionar Silvana Mangano para o filme, De Santis parecia projetar a catadora de arroz oprimida, [que também se chama] Silvana, como símbolo sexual. Isso levou a uma série de comentários negativos, quando vários críticos o acusaram de explorar o potencial erótico dela para o sucesso do filme. Contudo, De Santis insistiu que sua escolha por Silvana destinava-se a expressar a qualidade primitiva da catadora de arroz e que a fascinação dela pelo melodrama era um sintoma de sua vitimização econômica e cultural [enquanto trabalhadora braçal naquele tipo de serviço sem qualificação]. De fato, o filme é especialmente interessante na forma como De Santis projeta o belo corpo de Silvana como imagem mítica de beleza natural e força instintiva, enquanto sua condição difícil de vida sugere sua vitimização enquanto ser humano [materialmente] desfavorecido, levada a sonhar com um tipo melhor de vida” (19) (imagem abaixo, Arroz Amargo, 1949)


Com  sua  aparição  em  Arroz Amargo,  Silvana  Mangano
se transformou na primeira diva italiana do pós-guerra (20)

Silvana Mangano atua como Silvana Melega em Arroz Amargo, uma garota pobre cheia de ambições. Suas fantasias giram em torno da cultura de massa, suas revistas, músicas e filmes. Consciente de seus dotes físicos, Silvana abusa da sensualidade. O corpo de Mangano se torna um elemento controverso, porém crítico, na exploração que o filme, e cada vez mais o cinema como um todo, faz da sexualidade. Seios grandes pressionados por camisetas apertadas, seu corpo ondulante e sorriso sedutor suscitaram a censura por parte da Igreja Católica ao simbolismo sexual, mas também a popularidade pelo erotismo de sua imagem. O Centro Cattolico Cinematografico realizava julgamentos morais dos filmes através de seu semanário, Segnalazioni Cinematografiche, influenciando a população católica em geral e os filmes veiculados nos cinemas paroquiais em particular. Dentre os valores mais claramente apresentados pelo cinema italiano como formadores da nova persona italiana, a saber, família e lar, paisagem do país, música, esporte e população jovem, havia aqueles que a Igreja pretendia promover ou evitar. Apesar de sua biografia demonstrar que ela foi paulatinamente se retirando do palco para a vida em família, desde Arroz Amargo até seus filmes com Pasolini, que a considerava a expressão do próprio ideal de beleza (21), suas escolhas de roteiros estavam em choque direto com muitos valores católicos.

“Quando se fala da família e do lar, a representação da mulher – enquanto ponto fundamental de referência no ambiente familiar – é certamente o primeiro aspecto a considerar, especialmente em relação ao que o Vaticano acreditava que fosse o papel da mulher: ‘aquele subordinado de mãe e ajudante do marido, com suas virtudes de modéstia, submissão e sacrifício’. Esta posição, que certamente não se distingue da ideologia fascista interessada em ‘confinar a mulher no interior do espaço doméstico’, definido pela vida em família e maternidade, não estava em concordância com os papéis femininos interpretados por Marilyn Monroe nos filmes [norte-]americanos, e nos italianos por Gina Lollobrigida, Sophia Loren e Silvana Mangano” (22) (imagens abaixo, Édipo Rei, 1967)


Pasolini achava Silvana Mangano muito parecida com sua mãe
e  até  pediu  que  fosse  filmada com roupas dela em Édipo Rei

Marylin Monroe era uma espécie de “ícone da não domesticidade” que entrava em colisão direta com a imagem a mulher divulgada pelo Vaticano. O mesmo acontecia às três atrizes italianas citadas, especialmente em A Mais Bela Mulher do Mundo (La Donna più Bela del Mondo, direção Robert Z. Leonard, 1955), em relação à Lollobrigida; Pizza a Credito, em relação à Loren; Mambo, em relação à Mangano. As quatro eram identificadas pela visão católica como figuras nocivas, imorais e frívolas, dissimulando uma energia sexual não reprimida por trás de uma “sexualidade inofensiva” (23). Descrevendo a opção de De Santis por Mangano, Antonio Vitti lembra que o cineasta tinha Rita Hayworth na cabeça. Ela teria que representar uma garota cheia de fantasias, mas também mostrar-se uma personagem complexa em busca de algo novo. Silvana, a personagem de Mangano é, na opinião de Vitti, uma das figuras femininas mais complexas do cinema italiano do pós-guerra. De Santis tratou o papel de Mangano como uma evidência adicional e ambígua do corpo da nação em busca de regeneração e como uma crítica das falsas promessas das fotonovelas, histórias em quadrinhos e Hollywood. A propósito da censura, ao ser veiculado pela televisão francesa em 1961, Arroz Amargo foi marcado com um quadrado branco do lado inferior direito da tela, destinado a alertar os pais a respeito do caráter violento ou erótico da programação a seguir - o problema era a cena tórrida onde Mangano suspende a saia no arrozal (24).

“Os filmes italianos de comédia durante os anos 1950, [...] mostram uma tendência contínua para a aceitação das mulheres enquanto objetos sexuais de prazer. Os homens apreciam e desfrutam esses objetos sexuais como imagens positivas daquilo que a natureza pode oferecer à sociedade, mesmo num momento em que a preocupação com o dinheiro e o sucesso financeiro parece subjugar todos os outros valores humanos na vida. As maggiorate fisiche [(mulherão, mulher rechonchuda ou voluptuosa)] desta época, tais como Gina Lollobrigida, Sophia Loren e Silvana Mangano, tornaram-se protagonistas muito populares na maioria das comédias dessa década e da próxima” (25) (abaixo, Teorema, 1968)


A imagem de Silvana Mangano é também uma advertência ao futuro
do  cinema  italiano,  especialmente à fábrica de estrelas, ao evidenciar
os  paradoxos  do  Neorrealismo  em  relação  ao   corpo   da   mulher

Antonio Vitti chama atenção em relação aos usos que De Santis faz dos corpos humanos em seus filmes. O cineasta exigia de seus atores e atrizes que o corpo fosse instrumento e forma de comunicação. Com suas formas opulentas e perfeitas, além de sua personalidade de contrastes, Mangano era a encarnação visual de uma modernidade que não podia mais ser suprimida pelos padrões esquemáticos da estrutura do cinema. As outras personagens femininas se justapunham a ela e contribuíam para as consequências inesperadas ligadas a sua forma de feminilidade. A imagem transgressora de Mangano domina Arroz Amargo, contrastando com outras formas do feminino de então: ela não era um tipo nem mediterrâneo nem nórdico, mas uma mistura de ambos. De acordo com Landy, se Silvana Melega é realmente o personagem mais complexo do cinema italiano do pós-guerra, isso se deve em grande medida ao fato de incorporar desafios morais, sexuais e sociais contra a ordem patriarcal, com a mulher utilizando seu corpo para virar de cabeça para baixo noções estabelecidas do “feminino apropriado”. Desafios que são inerentes à preocupação crítica do Neorrealismo, que encara o cinema como meio de detectar conexões entre artifício e realidade. Arroz Amargo paradoxalmente revela, segundo Landy, que sua força é dependente da persona perturbadora de Mangano. Ainda segundo Landy, a força dominadora da presença física de seu personagem melodramático criou dificuldades para os críticos socialmente engajados da época, que encaravam o filme como uma traição dos ideais neorrealistas. Como Roma, Cidade Aberta, o filme conseguiu romper com os clichês culturais de então dentre os quais, paradoxalmente, a emergência de uma estrela é o instrumento para dar visibilidade aos clichês. (imagem abaixo, a futura freira em sua hora de dançarina de mambo, Ana, 1951)


Alberto Lattuada acabara  de  dividir um fracasso comercial
com  Fellini  em  Mulheres   e   Luzes  (1951).  Naquele  mesmo
 ano,   socorreu-se   com   Dino  De  Laurentiis  e  realizou  Ana, 
maior sucesso italiano de bilheteria desde Arroz Amargo (26)

Em O Lobo da Montanha (1949), Mangano retorna com a persona enigmática e sensual que a levou ao estrelato. Sua personagem se chama Rosaria, determinada a vingar o assassinato de seu irmão, Pietro, injustamente acusado de matar um homem e a mãe dele. O verdadeiro responsável pelas mortes é Rocco, que temendo pelo bom nome da família, não permite que sua irmã Orsola testemunhe que Pietro estava com ela durante o assassinato. Anos depois, Rocco encontra e salva Rosaria quase morta na neve. Ele não percebe de quem se trata e permite que fique como empregada. Rosaria termina por seduzir Rocco e seu filho, Salvatore. Ela se veste de maneira a acentuar suas curvas, enquanto Orsola é amargurada, recusa o prazer e se veste de preto. Como em Arroz Amargo, Mangano domina o filme, não através do diálogo, mas por seu distanciamento, segredo e presença física calculada, características que se tornariam permanentes em suas personagens, desde essa época até os filmes de Pier Paolo Pasolini. Em Ana, Mangano é uma freira que trabalha como enfermeira num hospital católico, apanhada num triângulo amoroso. Entre os close-ups da freira, flashbacks mostram seu passado de dançarina de boate – Nanni Moretti mostra uma cena de dança do filme em seu Caro Diário, 1993. Sucesso comercial na época, Ana repete os elementos de Arroz Amargo, focando na feminilidade, especialmente no conflito entre desejo sexual e prática religiosa. O dilema sexual de Ana se “resolve” numa imagem de libertação em relação à dominação masculina, ao mesmo tempo em que a prende numa “alternativa aceitável”, a saber, servir aos outros através da religião. Agora as plateias podem contemplar dois lados da imagem de Mangano, como pecadora e como santa, transgressora e penitente, como corpo físico e ícone espiritual.

“Os atores que contracenaram com Mangano contribuíram para consolidar ainda mais a imagem erótica da atriz. Enquanto objeto de desejo, frustrando os desejos deles, ela domina a narrativa, como fizeram outras estrelas que surgiram no final dos anos 1940 e 1950, como Gina Lollobrigida e Sophia Loren. Contudo, Mangano consentiu em contracenar com Alberto Sordi, um persistente pretendente de seu afeto, em Semeando a Ilusão (Lo Scopone Scientifico, direção Luigi Comencini, 1972), comédia de sucesso onde ela atua como uma faxineira (tirando pó de carros novos numa agência de vendas de automóveis) favelada e mãe de cinco filhos. Nos papéis em que contracenaram com Mangano, [Vittorio] Gassman e, em menor grau, [Raf] Vallone, virão a se tornar estrelas numa paisagem cinematográfica em mutação, e que nas próximas décadas começa a sondar, mesmo satirizar, concepções da masculinidade italiana (...)” (27) (imagem abaixo, Mangano é surda-muda em A Terra Vista da Lua, 1967)


 Enquanto Anna Magnani ficou marcada com uma persona 
 eminentemente   vocal,   a   partir da década de 1960 Mangano
vai   sendo   colocada   sob   o   manto   de   personagens   discretos
  e  silenciosos,  como  nos  filmes  em  que  atuou  para Pasolini, 
cineasta que percebia no silêncio uma alta  carga  simbólica

Em 1954, quando surgiu como dançarina em Mambo, Silvana Mangano já havia atingido o status de estrela, sua persona se tornara familiar e os enredos que protagonizava eram reconhecíveis. Novamente sua personagem, Giovanna Masetti, é uma figura problemática dividida entre desejo, carreira e casamento. De modesta vendedora, Giovanna passa à dançarina de mambo, para então se tornar a esbelta e elegante esposa de um aristocrata. Na verdade, Landy afirma que essa passagem marca as transformações graduais na imagem de estrela de Mangano, que culminarão com papéis em torno de personagens refinados da classe alta e/ou de comportamento distante: inocente e sofisticada, serenidade arcaica e moderna neurótica – por exemplo, como Jocasta em Édipo Rei (Edipo Re, 1967), a esposa burguesa do industrial em Teorema (1968), e a Madona no sonho de Giotto, em Decameron (Il Decameron, 1971), ou ainda Assurdina, a surda-muda de A Terra Vista da Lua, todos de Pasolini. Contudo, antes disso acontecer, em 1959 ela ainda vai aparecer como a prostituta Costantina numa comédia de Mario Monicelli, A Grande Guerra (La Grande Guerra), apresentando um lado cômico da atriz que contrasta com grande parte de seus personagens em filmes posteriores. Para Luchino Visconti, Mangano atuou como Cosima Von Bülow em Ludwig: A Paixão de um Rei (Ludwig, 1973), e como a condessa aristocrata Bianca Brumonti em Violência e Paixão (Gruppo di famiglia in un interno, 1974), papel que ela confessou sentir que violava sua imagem conservadora e maternal. Durante a década de 1980, Mangano atuaria apenas como uma reverenda madre na ficção científica Duna (direção David Lynch, 1984), e, já doente, no papel de uma esposa traída em Olhos Negros. A atriz faleceu em 1989. (imagem abaixo, Mangano e suas axilas não raspadas em Arroz Amargo, 1949)

Um Corpo que Trai?


(...) O cinema italiano do pós-guerra estava repleto de papéis
femininos e imagens, porque o corpo feminino era o ‘lugar imaginário
de seu renascimento’, assim como foi para o próprio país” (28)

Para a maioria dos espectadores de cinema entre os anos 1940 e 1960, as estrelas italianas eram exóticas, ardentes, apaixonadas, lindas e adultas. Assim as definiu Gundle, dizendo ainda que elas podiam ser tudo menos familiares como a garota que mora no vizinho ou ainda como os produtos artificiais que os estúdios de Hollywood pariam há décadas. Naturais assim, para os estrangeiros elas representavam uma Itália que possuía o eterno apelo de uma civilização antiga e a vibração fresca de um país que, por todos os seus problemas, parecia basicamente dinâmico e otimista. Silvana Mangano, Gina Lollobrigida, Sophia Loren e outras resumem as melhores qualidades associadas àquele país e o novo espírito que parece impregná-lo: são representantes de um estilo de vida baseado em papéis de gênero definidos, uma forma de interação pessoal emocional e dramática, e uma ideia vaga da boa vida, na qual lazer, comida, aparência pessoal e sexo têm um lugar especial. Essas atrizes também foram uma peça importante na imagem de elegância que a Itália possuía naquela época. Contudo, Gundle esclarece que tal conexão entre as atrizes e a identidade não foi automática, surgindo em função do tipo de papéis em que elas atuavam. Ainda de acordo com Gundle, quase todas as mulheres que emergiram no início dos anos 1950 o fizeram disfarçadas de camponesas ou trabalhadoras agrícolas, em filmes situados no ambiente rural - embora nenhuma delas fosse do interior, muitas haviam experimentado as privações da pobreza. Estabeleceu-se assim uma conexão entre as mulheres jovens e a paisagem que gerou uma ressonância simbólica nas primeiras. Mas não se trata de uma propaganda exclusiva sobre a prosperidade do mundo rural, elas também apareciam em papéis mais urbanos, como pinups ou garotas da classe baixa, ou pessoas ambiciosas com aspirações mais urbanizadas em filmes de costumes focados mais em momentos históricos do que no meio ambiente (29). (imagem abaixo, Mangano e seus seios discretamente a mostra em Arroz Amargo, 1949)


(...)  O   enorme   sucesso   internacional   de   Arroz  Amargo,   [...]
  pavimentou o caminho para outras pinups durante os anos 1950” 

Gian Piero Brunetta (30)

Arroz Amargo, melodrama ambientado entre as trabalhadoras da colheita de arroz de Vercelli, ao norte da Itália, foi justamente o filme que produziu o primeiro ícone italiano da beleza nos primeiros anos do pós-guerra. A jovem Silvana Melega dança o boogie woogie, masca chicletes, lê fotonovelas, e, eventualmente, trai suas companheiras de trabalho. Durante vários minutos, acompanhamos a conversa entre Silvana e sua rival, as duas estão vestidas apenas com uma combinação, o que para a época já seria bastante erótico, embora atualmente seja uma peça do vestuário íntimo feminino em desuso. “Numa cena famosa, há um breve vislumbre de seu seio nu, uma imagem ousada para a época. (foi tão incomum que quando o filme foi projetado em cinemas do interior, os projecionistas cortavam esta parte como recordação de pinups!)” (31). O diretor, Giuseppe De Santis, já havia realizado muitos testes e rejeitado muitas candidatas, dentre elas a própria Lucia Bosé, Miss Itália 1947. De Santis também não queria Mangano, não se impressionou com a aparência produzida da moça, bem vestida e maquiada como apareceu no escritório dele. O cineasta persistia na decisão de que ela não se adequava ao papel, até que certo dia mudou de opinião:

“(...) Estava caminhando pela Via Veneto indo para algum lugar que não lembro quando a vi surgir diante de mim, sob a chuva, vestida com uma capa de chuva desgastada de cor clara e seu rosto pálido de frio. Tinha uma flor em sua mão e o cabelo encharcado. Foi como um relâmpago vê-la novamente assim, linda e despretensiosa, autêntica em seu verdadeiro estado de mulher jovem não muito afortunada. Porque quando ela se apresentou para mim a primeira vez estava com seu melhor vestido e tinha se embonecado toda, perdendo autenticidade no processo. Fiz o teste de cena novamente, que foi magnífico, e a selecionei para o papel” (32) (imagem abaixo, em Arroz Amargo, 1949)


 No ambiente de ruínas físicas,  materiais e morais do pós-guerra, 
Silvana  Mangano,  Gina  Lollobrigida  e  Lucia  Bosè  simbolizavam
a “restauração” do corpo erótico  da  mulher italiana  no  cinema

Privada de sua elegância, Mangano se encaixava perfeitamente no tipo que De Santis tinha em mente, alguém que deveria lembrar uma Rita Hayworth da periferia italiana. Alain Bergala faz uma comparação que pode soar curiosa aos gostos atuais. Compara as axilas raspadas de Hayworth, seguindo os códigos de censura de Hollywood e do music hall, durante sua dança de simulação de strip-tease em Gilda (direção Charles Vidor, 1946) com as cabeludas de Mangano, durante sua dança de boggie woogie em Arroz Amargo. “Nessa metáfora socialmente autorizada do rock enquanto simulação da união sexual, a exibição de uma axila [substitui] aquela do pelo pubiano, impensável em 1949, num filme de vocação comercial” (33). De fato, Walter Winchell, do Daily Mirror, afirmou na época: “Silvana Mangano, em Arroz Amargo, é mais sexy do que Mae West e Jane Russel”. O crítico do New York Times, Bosley Crowther, afirmou a respeito de sua atuação em 19 de setembro de 1950: “Encorpada e graciosamente muscular, com uma voz rica e um rosto dócil e bonito, ela maneja com vigor e autoridade a caracterização de uma libertina torturada. Não é excessivo descrevê-la como Anna Magnani menos quinze anos, Ingrid Bergman com uma disposição latina, e Rita Hayworth mais [uns onze quilos]. A paixão cai e rola por todo Arroz Amargo. É tão terreno e elementar quanto qualquer filme que você provavelmente verá”. No filme, Mangano é uma garota que só tem os Estados Unidos na cabeça. Ela sabe que é bonita e se utiliza disso para escapar da pobreza – durante a eleição da Miss Mondina, todas chamam seu nome. Assim como a própria Mangano, lembrou Gundle, ela poderia ter sido atraída pelo cinema apenas porque tinha de ganhar a vida, não em função de algum interesse artístico.

“Ao longo dos anos 1950, houve um florescimento genuíno do sistema de estrelas, que conseguiu colocar o cinema dos Estados Unidos em cheque. Isso permitiu a certas atrizes desbancar as estrelas na mente dos italianos. Elas se tornariam os novos embaixadores do cinema italiano no mundo. Em meados dos anos 1950, Gina Lollobrigida (Blasetti cunhou o termo maggiorata, para ela) e Sophia Loren obscureceriam as outras. Por algum tempo, Silvana Mangano se manteve próxima de Loren, mas ela se sentia desconfortável sob os holofotes. Ao contrário de outros mulherões italianos do pós-guerra, ela deixou claro que escalou o Monte Olimpo do estrelato apenas por acaso e que sua razão para ficar lá era a sobrevivência. Em todo caso, na Itália não ocorria um fenômeno como esse desde o tempo dos filmes mudos. Embora Anna Magnani fosse parte do fenômeno da estrela dessa era, sua carreira seria mais bem analisada em termos de sua soberania cinematográfica no cinema do século XX e o fogo que alimentou as paixões de suas personagens. Em parte, o fenômeno da estrela floresceu graças a ela, mas foi, em última análise, baseado na exibição de atributos físicos que Magnani – em virtude da genética – não possuía. Os símbolos sexuais do cinema italiano do pós-guerra ofereceram ideais de beleza baseados em dotes naturais excessivos e no triunfo do ‘naturalismo’” (34)

Apesar de ganhar concursos de beleza apenas em nível local, a fotogenia de Mangano chamou atenção de muitos frequentadores do set de filmagem. Foi o caso de certo Italo Calvino, então com vinte e seis anos de idade, trabalhando para o comunista L’Unità:

“Silvana Mangano... é a garota mais bonita que eu vi. Silvana Mangano será uma das grandes vantagens do filme. Ela é romana, tem dezoito anos de idade, e tem o cabelo e rosto da Venus de Botticelli, mas uma expressão que é ao mesmo tempo orgulhosa e compreensiva, com olhos escuros e cabelo claro, uma cor de pele sem luz ou sombra. Seus ombros se abrem para um decote digno de um camafeu e a parte superior de seu corpo é harmonicamente triunfante e bem torneada. Sua cintura é como um tronco esguio em meio a um ritmo incrível de curvas completas e membros longos. Em outras palavras, em suma, Silvana Mangano causou uma grande impressão em mim e nenhuma fotografia pode fazer total justiça a ela” (35) (imagem abaixo, fotografia atribuída à Robert Capa)

Robert Capa, o fotógrafo, foi outro
que visitou as filmagens  de  Arroz
Amargo e fez  algumas imagens  (36)

As imagens rústicas da atriz de dezoito anos de idade, com as pernas enfiadas na água, vestida com blusa apertada e shortinho, foram reproduzidas pela imprensa internacional. Isso gerou interesse em relação ao filme e levou a que se percebesse tal imagem como uma nova visão italiana do sex appeal hollywoodiano. Carlo Lizzani, que colaborou no roteiro, sugeriu que ao significado da representação de Mangano foi além do planejado. Segundo ele, a presença mágica da atriz sugeria uma relação entre a natureza e o corpo humano que não estava presente no roteiro ou apenas vagamente insinuada. Nesta relação, a natureza é vista como o grande recipiente não apenas de água, arroz, capim, céu e árvores, mas também de seres humanos, de corpos. Em tal contexto, resumiu Lizzani, a atriz foi oferecida à visão como um prodígio natural, um belo animal ou uma bela árvore. Esta conexão estabelecida no pós-guerra entre o corpo feminino e a paisagem foi crucial, na medida em que formou a base do “renascimento” tão frequentemente invocado no período da reconstrução e do neorrealismo. De acordo com Gundle, qualquer discussão sobre “autonomia cultural” corria o risco de ser confundida com os discursos dos fascistas, a fórmula encontrada para evitar isso investir nos roteiros com histórias de renascimento centradas nas mulheres. Para reconstruir é necessário voltar até as raízes, à própria terra. A terra, quer dizer, a paisagem, em seu sentido mais profundo. A origem, quer dizer, o lugar da mãe, ou do feminino em geral. Para Giovanna Grignaffini, o fenômeno do corpo-paisagem deriva de duas fontes. Por um lado, o neorrealismo absorveu a tradição da recitação corporal do teatro popular. Por outro, a presença de neorrealistas nos júris dos concursos de beleza em busca de rostos e corpos.

“Nesta perspectiva, Arroz Amargo foi um filme chave. Seu enredo melodramático foi estruturado em torno da beleza de Mangano. Ela foi apresentada como uma criatura da terra, um arquétipo cuja figura generosa; sexualidade aberta e simplicidade instintiva emprestou a ela uma qualidade primitiva, primal. Contudo, ao mesmo tempo, ela foi uma figura complexa que tinha algo dos estereótipos femininos recentes: a pinup, a vamp de Hollywood, a heroína das fotonovelas, a rainha da beleza, e mesmo a mocinha Grandi Firme [(revista feminina editada entre 1924 e 1939)]. É a contaminação recíproca destes modelos, a apropriação de algo de cada um, que tornou Mangano uma figura única. Ela representou uma paisagem na qual novos elementos do mundo exterior foram introduzidos” (37) (imagem abaixo, Uma Noite como as Outras, episódio de As Bruxas, 1967)


“Os símbolos sexuais da Itália do pós-guerra
ofereciam ideais de beleza baseados em dotes naturais
excessivos e no triunfo do ‘naturalismo’   (...)

Gian Piero Brunetta (38)

A crítica de esquerda hostilizou Arroz Amargo, Gundle considerou essa crítica puritana e hostil ao sex appeal enquanto produto da cultura de massa crescente na Itália. Falava-se muito na época que estrelas como Lollobrigida, Eleonora Rossi-Drago, Silvana Pampanini e Silvana Mangano eram escolhidas para os filmes em função de seus corpos belos, porque não possuíam treino formal algum e não sabiam atuar. De qualquer forma, Arroz Amargo foi o primeiro sucesso de bilheteria daquilo que ainda se considerava Neorrealismo e o primeiro maior sucesso para uma participante de concursos de beleza no final do anos 1940, inaugurando a era daquelas “fisicamente bem dotadas” – as maggiorate fisiche (39). Enquanto os críticos italianos questionavam as opções estéticas americanizadas de De Santis, um comunista, nos Estados Unidos uma parte o saudava, enquanto outra se horrorizava com as indecências da personagem de Mangano. Embora tenha se mantido como uma figura em alta estima no cinema italiano, o fato de Silvana Mangano engravidar significava estar fora do próximo filme, Páscoa de Sangue (Non c’è Pace tra gli Ulivi, direção Giuseppe De Santis, 1950) - não podemos esquecer que sua contemporânea, Claudia Cardinale, pressionada pelo produtor optou por esconder sua gravidez do público para não perder o estrelato que havia conquistado. Lucia Bosè assumiu o posto de Mangano no filme, mas apesar de possuir todos os ingredientes faltava-lhe a conexão com a identidade nacional. Em 1961, Mangano faz uma ponta como ela mesma na comédia Uma Vida Difícil (Una Vita Difficile, direção Dino Risi), onde se mostra uma estrela impaciente e esnoba Silvio, personagem de Alberto Sordi, que nunca consegue melhorar de vida.

“(...) O exemplo mais relevante de rejeição feminina ao padrão da beleza florida foi fornecido por Silvana Mangano. A atriz, muito deliberadamente, procurou alcançar uma aparência refinada após suas primeiras gestações e colocou a si mesma para além do tipo de beleza que havia ajudado a criar na tela. Por volta de 1960, ela havia evoluído para uma presença etérea, mais espírito que corpo, cujos papéis nos filmes não tinham qualquer semelhança com aqueles do início de sua carreira. Paradoxalmente, ela também era a estrela mais direcionada para a família, que muitas vezes aparecia em revistas com o marido, o produtor Dino De Laurentiis, e seus quatro filhos” (40)


Leia também:


Notas:

1. CANALES, Luis. Gina Lollobrigida. Uma biografia não autorizada da Vênus Imperial. Rio de Janeiro: Nórdica, 1996. P. 65.
2. LANDY, Marcia. Stardom, Italian Style: Screen Performance and Personality in Italian Cinema. Indiana: Indiana University Press, 2008. P. 91.
3. GUNDLE, Stephen. Bellissima. Feminine Beauty and the Idea of Italy. New Haven & London: Yale University Press, 2007. P. 124.
4.  LANDY, Marcia. Op. Cit., p. xvi.
5. ROCHA, Glauber. O Século do Cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2006. Pp. 259, 355.
6. CARRANO, Patrizia. Malafemmina. La Donna nel Cinema Italiano. Firenze: Guaraldi Editore S.p.A., 1977. P. 168.
7. GENNARI, Daniela Treveri. Post-War Italian Cinema. American Intervention, Vatican Interests. New York/London: Routledge, 2009. P. 146.
8. Idem, pp. 108, 109.
9. Ibidem, p. 109.
10. Ibidem, pp. 123-4.
11. Ibidem, pp. 120, 124, 136.
12. DEWEY, Donald. Marcello Mastroianni. His Life and Art. New York: Carol Publishing Group, 1993. P. 32.
13. LIANDRAT-GUIGUES, Suzanne. La Stregha Brucciata Viva. In: BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque. Pp. 367-8.
14. GUNDLE, Stephen. Op. Cit., p. 146.
15. GENNARI, Daniela Treveri. Op. Cit., p. 100.
16. KEZICH, Tullio. Federico Fellini. His Life and Work. New York/London: I.B. Taurus, 2006. Pp. 147, 197.
17. LANDY, Marcia. Op. Cit., p. 109-115.
18. Idem, p. 110.
19. COTTINO-JONES, Marga. Women, Desire, and Power in Italian Cinema. New York: Palgrave MacMillan, 2010. P. 73.
20. BRUNETTA, Gian Piero. The History of Italian Cinema. A guide to Italian film from its origins to the twenty-first century. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2009. P. 139.
21. BERTELLI, Pino. Pier Paolo Pasolini. Il Cinema in Corpo. Atti Impuri di un Eretico. Roma: Edizioni Libreria Croce, 2001. P. 143.
22. GENNARI, Daniela Treveri. Op. Cit., p. 115.
23. Idem, p. 119.
24. DOUIN, Jean-Luc. Dictionnaire de la Censure au Cinéma. Paris: Quadrige/Puf, 2001. P. 88.
25. COTTINO-JONES, Marga. Op. Cit., p. 76.
26. KEZICH, Tullio. Op. Cit., p. 117.
27. LANDY, Marcia. Op. Cit., p. 115.
28. GUNDLE, Stephen. Op. Cit., p. 145.
29. Idem, pp. 142-7.
30. BRUNETTA, Gian Piero. Op. Cit., p. 114.
31. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York/London: Continuum, 3ª ed., 2008. P. 83.
32. GUNDLE, Stephen. Op. Cit., p. 143.
33. BERGALA, Alain. Aisselle. In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs). Op. Cit., p. 23.
34. BRUNETTA, Gian Piero. Op. Cit., p. 146-7.
35. GUNDLE, Stephen. Op. Cit., p. 144.
36. Idem, p. 145.
37. Ibidem, pp. 145-6.
38. BRUNETTA, Gian Piero. Op. Cit., p. 147.
39. SMALL, Pauline. Sophia Loren. Moulding Star. Chicago: University of Chicago Press, 2009. Pp. 16, 18.
40. GUNDLE, Stephen. Op. Cit., p. 174-5.

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