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Roberto Acioli de Oliveira

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31 de ago. de 2018

Cinema Político Italiano: Entretenimento e Civismo


 “(...)  A  outros cabe  a  tarefa de curar e de educar.  A nós,  o  dever
 de reprimir! A repressão é nossa vacina! Repressão e civilização!”

Trecho do discurso de posse do delegado de polícia/assassino no Gabinete Político, sendo ovacionado
por  seus  pares,  em  Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita  (Elio Petri, 1970)

Era uma vez a História...

Na Itália, o período que se inicia com o final da Segunda Guerra Mundial assiste ao florescimento de uma “nova onda” de cineastas, diretores que se depararam com um novo e fragmentado modo de ver a história, a cultura e até os próprios personagens, sem esquecer os cineastas e os críticos de cinema – como bem lembrou Gian Piero Brunetta a propósito de Fellini, com seu 8 ½ (Otto e Mezzo, 1963). Talvez mais do que qualquer outro, o “cinema político” (cinema ideológico? cinema engajado?) não poderia ser uma exceção. Desde o final da guerra, o clima político na península italiana favoreceria uma mudança de perspectiva em relação à interpretação dos que seriam ou não considerados eventos históricos relevantes à compreensão da autoimagem daquele país. A década de 1960 apenas amplificou a vontade/necessidade de revisitar a história recente desse país unificado cem anos antes. Subitamente, observa Brunetta, os cineastas resolveram contar essa história a partir do olhar daqueles personagens que nunca foram considerados heróis, mas vítimas, meros espectadores até então sempre vistos como apenas parte da paisagem (1).
Pela primeira vez, cineastas começaram a lidar com temas tabus: Fascismo, a Resistência, as condições de trabalho dos operários de fábrica, o papel dos fascistas nos massacres entre 1943 e 1945, a República de Salò. O legado do Neorrealismo foi vital para este processo, embora também houvesse uma pressão para estar ligado ao presente e às novas tendências. Além disso, Brunetta insiste, com o advento do movimento de centro esquerda, o afrouxamento do “cordão sanitário” dos países capitalistas em torno do Comunismo, a queda de muitos tabus, Igreja Católica e comunistas pressionam em favor de um movimento de secularização. Muitos cineastas italianos foram atraídos pelo tema político/histórico/civil. Florestano Vancini, Marco Bellocchio, Gillo Pontecorvo, Elio Petri, Carlo Lizzani, Luigi Comencini, Mario Monicelli, Dino Risi, Nani Loy, Gianni Puccini, Sergio Corbucci, Steno, sem esquecer Luciano Salce, tentaram através das lentes do drama e até da comédia a vasculhar a memória de um passado que se recusa a passar: utilizaram o cinema como uma transferência freudiana de expectativas revolucionárias traídas ou não realizadas. (imagem abaixo, Juízo Final, Elio Petri, 1975)


(...) Representando relações mutáveis de poder na Itália, os thrillers 
políticos  italianos  são  melodramas  masculinos disfarçados [como] 
Giallo para atingir o público de massa, e servindo-se das convenções
do filme noir para referir-se aos elementos  disfuncionais  [do  país]

Alan O’Leary (2)

No início dos anos 1960 o Estado italiano, que desde o imediato pós-guerra estava praticamente ausente das vidas dos cidadãos, começa a se desintegrar no imaginário da população – e também ao nível da realidade objetiva. Nessa época o Estado se transformou num poder dominado por forças da escuridão e conspirava contra os próprios cidadãos, o que se pode avaliar através de Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (Indagine su un Cittadino al di Sopra di Ogni Sospetto, direção Elio Petri, 1970), Juízo Final (Todo Modo, também de Petri 1975), O Dia da Coruja (Il Giorno della Civetta, 1968), Confissões de um Comissário de Polícia (Confessione di un Commissario di Polizia al Procuratore della Repubblica, 1971), Perché si Uccide un Magistrato (os três filmes sob direção de direção Damiano Damiani, 1975), Cadáveres Ilustres (Cadaveri Eccellenti, 1976) e Três Irmãos (Ter Fratelli, os dois direção de Francesco Rosi, 1981). Durante um período de mais ou menos quinze anos, foram tantos os filmes abordando a questão dos governos bons e ruins que os críticos começaram a considera-los filmes de gêneros e fizeram muitas críticas violentas. Durante aqueles anos, explica Brunetta, o senso de direção crítico e ideológico da nação começa a falhar. Ao mesmo tempo, críticos de cinema e cineastas correm para tentar superar uns aos outros, enquanto os “filmes políticos” artísticos continuavam na mira das armas de todos.

“(...) Os filmes realizados por Rosi, Petri, Orsini, Vancini, Pontecorvo, Damiani, Irmãos Taviani, Bellocchio, Montaldo, Maselli e outros, representam uma fonte de fundamental importância para a compreensão deste período da história italiana, das mortes do Papa John XXIII e Palmiro Togliatti até o assassinato de Aldo Moro” (3)
Alguns filmes deste período estremeciam com a visão de movimentos antigoverno, enquanto mostravam abertamente sua simpatia pelo Terceiro Mundo e as lutas de outros povos. Eles reconheciam a diminuição da fé das pessoas na política organizada. O cinema italiano sentiu-se novamente parte de um movimento político progressista, até perceber que se encontrava no meio de uma terra de ninguém, onde não era mais possível distinguir entre inimigos e aliados ou de onde vinham os ataques. Como resultado, continua explicando Brunetta, os filmes políticos foram obrigados a se disfarçar de filmes de gênero ou revelar sua solidariedade (mais ou menos explícita) por formas violentas de agitação política. “Nem o Estado, nem as Brigadas Vermelhas”, este era o slogan de alguns grupos de esquerda que não reconheciam mais os partidos políticos italianos sancionados historicamente. Em Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, filme onde Petri mostra que naquela Itália nem todos são iguais perante a lei, é sintomático o discurso de posse do policial no gabinete de repressão à manifestantes na rua e grupos terroristas (de esquerda, é claro):

“(...) O uso da liberdade ameaça por todos os lados os poderes tradicionais, as autoridades constituídas. O uso da liberdade, que tende a fazer de qualquer cidadão um juiz, que nos impede de cumprir livremente nossas sacrossantas funções! Nós somos as sentinelas da Lei, que queremos imutável, esculpida no tempo. O povo é imaturo. A cidade está doente. A outros cabe a tarefa de curar e de educar. A nós, o dever de reprimir! A repressão é nossa vacina! Repressão e civilização!”


“Nossas  mãos  estão  limpas!”    Repetem  os  políticos  de  Nápoles
sobre a especulação imobiliária, em As Mãos Sobre a Cidade (1963)
Muitos cineastas políticos adotaram uma postura antigoverno, porém sem endossar a causa dos terroristas (Brigadas Vermelhas, entre outros). Eles fizeram isso, mais uma vez esclarece Brunetta, criando personagens que representavam o Estado como uma intensificação do mal. A importância de seus filmes foi intensificada pelo fato de que entre 1966 e 1976 houve um momento mudança nos modelos ideológicos, no sentimento de pertencimento ideológico das pessoas e da habilidade dos cineastas de esquerda interpretarem a história. Entre dezenas de exemplos, poderiam ser citados, As Mãos sobre a Cidade (Le Mani sulla Città, direção Francesco Rosi, 1963), A China Está Próxima (La Cina è Vicina, direção Marco Bellocchio, 1967), Lettera Aperta a un Giornale della Sera (direção Francesco Maselli, 1970), Sacco e Vanzetti (direção Giuliano Montaldo, 1971), Cadáveres Ilustres, Juízo Final. Neste contexto, Brunetta aponta Francesco Rosi como o melhor diretor em termos de interpretar a história política, econômica e institucional da Itália do pós-guerra. Inspirado por seu trabalho com Visconti, possui um estilo que não descarta o cinema dos Estados Unidos, ou modelos retirados do jornalismo e da investigação jurídica. Com um ponto de vista reformista e sem nunca perseguir os movimentos revolucionários, seus filmes mostram como a região sul mais pobre definiu o ritmo do resto do país ao força-lo a considerar as necessidades da região.

“Em O Bandido Giuliano (Salvatore Giuliano, 1962), Rosi empregou uma técnica de narração claramente baseada em Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles. Ele mostrou como trabalharam de mãos dadas, poder político e Máfia, seus líderes muitas vezes sendo os mesmos. A Sicília e o sul da Itália se tornaram um laboratório onde a política contemporânea começa a lembrar antigos rituais, mitos e modos sociais. Os filmes de Rosi estão destinados a ser citados como fontes históricas não menos importantes do que relatórios preparados pelas comissões italianas anti Máfia. No futuro, serão úteis para compreender a ascensão da Máfia ao poder e seus conluios nacionais e internacionais. Seus filmes com temáticas sociais e políticas continuarão a falar e manter viva sua chama graças a seu estilo de escrita visual, seu senso de ritmo, sua habilidade para calibrar o talentos dos atores, e sua mistura perfeita de ética, paixão civil e domínio do cinema” (4) (imagem abaixo, Aldo Moro - Herói e Vítima da Democracia, Il Caso Moro, Giuseppe Ferrara, 1975)


 Cesare Zavattini dizia que o Neorrealismo deve ultrapassar 
 a atitude  em  relação  ao  mundo  em  direção à uma análise 
dele. O filme-inquérito foi a resposta  de  Francesco Rosi  (5)

Rosi acumulou através de seus filmes uma série de documentos jurídicos contra o sistema político na Itália: em A Vontade de um General (Uomini Contro, 1970) (denúncia da estupidez dos comandantes italianos durante a Primeira Guerra Mundial), O Caso Mattei (Il Caso Mattei, 1972) (questiona as razões da morte de Mattei, diretor da empresa petrolífera estatal italiana e a complexa ligação entre o governo e a iniciativa privada), Lucky Luciano - O Imperador da Máfia (Lucky Luciano, 1973) (explora a ligação entre o gângster e o exército dos Estados Unidos enquanto invade a Sicília, durante a Segunda Guerra Mundial) e O Bandido Giuliano (mostra a pouca diferença entre quem está fora e quem está dentro da lei, numa época em que poder e dinheiro dominavam a vida na Itália). Esta lista poderia incluir ainda adaptações literárias como Cadáveres Ilustres (sobre as relações entre corrupção e poder político), Cristo parou em Eboli (Cristo si è Fermato a Eboli, 1979) (sobre a pobreza no sul do país) e Três Irmãos (uma visão da Itália contemporânea) (6).

Enlouqueçam ou Morram


 “O  indivíduo  trabalha  para  comer.   [...]  A  comida  desce
e aqui tem uma máquina que amassa. [...] O indivíduo
é  como  uma  fábrica!  [...]  Fábrica  de  merda!”

Lulu Massa, o torneiro mecânico de A Classe Operária vai ao Paraíso,
durante  conversa  com  sua  esposa, onde  expõe  toda a sua frustração

Para Brunetta, a chegada da modernidade no cinema italiano foi considerado em geral um momento de crise, enquanto o mundo do fazendeiro sempre foi visto em termos de sua progressiva alienação em relação ao caminho do país em direção à industrialização e a fábrica, temas tabu até a década de 1960, quando os cineastas começaram a examiná-los. Para citar um exemplo, a industrialização do norte da Itália e as mudanças traumáticas que os fazendeiros tiveram que suportar para se tornarem parte do mundo industrializado aparecem em Rocco e seus Irmãos (Rocco e I Suoi Fratelli, direção Luchino Visconti, 1960), onde o cotidiano dos operários de fábrica é o pano de fundo de uma história trágica de camponeses que trocaram o campo pela cidade grande. De fato, o mundo dos operários do norte do país era relativamente desconhecido para uma tradição cinematográfica que sempre favoreceu Roma como pano de fundo quando contava as aventuras da classe média italiana. Em alguns casos, os diretores focalizaram as emoções desses operários. Noutros, o foco era sua consciência ideológica e dificuldades de adaptação ao novo ambiente (7).
Na década de 1970, filmes de Petri como A Classe Operária vai ao Paraíso (La Classe Operaia va in Paradiso, 1971), de Lina Wertmüller como Mimi, o Metalúrgico (Mimì Metallurgico Ferito nell'Onore, 1972), Trevico-Torino (Viaggio nel Fiat-Nam) (Trevico-Torino, 1973), de Ettore Scola, ou Delitto d’Amore, de Comencini, e ainda Romance Popular (Romanzo Popolare, 1974), de Monicelli, nos dão acesso direto ao mundo dos operários, que parecem cada vez mais confusos e perturbados. Na opinião de Brunetta, essa janela histórica para o mundo dos operários aguarda ainda por análise mais profunda. Ainda segundo o pesquisador, os operários retratados nas telas do início dos anos 1970 ainda não refletem o desenvolvimento econômico do país. Ao invés de glorificar suas lutas, procurou-se mostrar a desconexão dos personagens, a deterioração de uma força ideológica que certa vez foi grande, a descoberta de suas emoções privadas, sua ira, e os vários tipos de protesto organizado e desorganizado. Durante os “anos de chumbo” (no caso da Itália, uma espécie de ditadura sem golpe de Estado), quando o país se viu nas garras do terrorismo internacional e doméstico, as condições de trabalho das fábricas italianas foram reestruturadas e toda uma espécie social de trabalhadores aparentemente desapareceu. O cinema italiano os defendeu e documentou as histórias dessas pessoas. Elio Petri falou (não sabemos a data) a respeito do tema:

“Não é que eu tenha feito grande pesquisa sobre os operários: registrei alguns metros de película em câmera pequena na Fatme [Fabbrica Apparecchiature Telefoniche e Materiale Elettrico], bem nos dias quando nas portas das fábricas italianas estavam os militantes da esquerda operária, num momento muito interessante. Seja o que for que os comunistas do PCI digam hoje, aquele de 69-70 foi um período que, em minha opinião, permanece um dos mais vivos da história [do século passado] na Itália. Do meu ponto de vista, enfrentar um trabalhador é como enfrentar um ser humano como qualquer. Naquele momento, e também hoje, o operário é considerado um santo, um mártir. O operário é apenas uma criatura humana dentro de quem existem divisões como em cada um de nós, embora, naturalmente, sua profissão seja muito mais difícil: em certo sentido, é quem sofre mais com as contradições, constrangido como é a assumir o modelo burguês, uma vez que a sociedade de consumo o obriga que para a própria sobrevivência ele se torne consumista, ajudando ao mesmo sistema capitalista” (8)


Em O Grito (1957), Antonioni mostra um operário trágico, 
 mas  em  luta  contra  o  mundo  do  que  contra  as  fábricas, 
vagando pelas estradas  com  sua  filhinha  até se suicidar
Para Maurizio Fantoni Minnella, as palavras de Petri permitem recordar que, apesar da figura do operário constituir uma espécie de fetiche da extrema esquerda, esta se mostrava incapaz de narrar a condição operária sem lançar mão do uso fácil e frequente de estereótipos fáceis – resultado provavelmente da tendência de uma cultura provinciana, como também pelo interesse na exaltação de tal figura enquanto portadora de valores “de classe”. Sempre houve por parte do cinema italiano, esclarece Minnella, uma dificuldade grande para compreender os valores da cultura operária, atualmente quase desaparecida. Talvez isso explique, segue Minnella, por que falar da vida privada de um operário seja mais fácil. Em Obsessão (Ossessione, 1943), Luchino Visconti levou desconforto à propaganda fascista quando mostro um vagabundo desocupado naquela paisagem desolada. Dando um salto para 1971, Minnella se pergunta se é por esse motivo a Lulu Massa, em A Classe Operária vai ao Paraíso, se mantém como a figura mais ilustre do cinema italiano (9). 
Elio Petri escreveu o roteiro em parceria com Ugo Pirro: em primeiro lugar, o cotidiano alienado do operário, já então completamente massificado; a fábrica nos anos 1970 é o detonador de uma violência de classe (com segmentos orientados à luta armada). Todavia, porque alienada, na cabeça da classe operária vivos estão os modelos de sociedade de consumo impostos pelos patrões e pela publicidade. A ideia de trabalho em linha de montagem tem uma raiz na dupla necessidade de maior salário e de adesão a tais modelos, e Lulu é o campeão dessa modalidade de trabalho. A atmosfera da fábrica levará tanto à perda do dedo de Lulu quanto à sua tomada de consciência do papel de “explorado”. A tese do filme é a seguinte: a única possibilidade de fuga da alienação é a loucura. Lulu percebe a própria loucura ao visitar Militina, o companheiro do chão de fábrica agora no manicômio. Para Minnella, Militina é a prova viva de que através da linha de montagem a classe operária transforma a própria alienação em loucura coletiva, a condição mais próxima ao paraíso, que já em si um ato revolucionário.


É difícil ou até inútil comparar filmes dos anos 1970 sobre o mundo
 operário com filmes mais recentes,  pois vivemos hoje num universo 
 pós-operário de reinvenção  do  trabalho  (Il Posto dell’Anima, 2003, 
de Riccardo Milani),  mais  do  que  de  sua  pura  e  simples negação

Maurizio Fantoni Minnella (10)

Escrevendo em 2004, Minnella conclui:

“O processo de espetacularização da realidade operária e do sujeito individual de classe parece mais o resultado parcial de uma tomada de consciência cinematográfica que enxerga em tal sujeito o elo perdido de uma representação mais ampla da sociedade capitalista contemporânea. Esta, contudo, principalmente orientada para sujeitos individuais, que interagem sozinhos com o problema ocupacional, revelando todos os desequilíbrios e perspectivas. Mesmo quando existe uma coletividade trabalhadora (como no caso de Arroz Amargo, Riso Amaro, 1949, de Giuseppe De Santis), é sempre o destino do indivíduo a fornecer o ponto de vista interpretativo de uma realidade específica. De fato, é sobre a responsabilidade do indivíduo que se forma a dimensão crítico-narrativa dos diretores italianos dos anos 1950 até hoje” (11) (imagem abaixo, Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer...)

Casamento de Conveniência


No pós-guerra, os problemas existentes no ordenamento jurídico
 italiano determinaram existência e tarefa do filme político-indiciário, 
 o qual  não  deve  ser  confundido  com o filme político e o Giallo

Anton Giulio Mancino (12)
Embora a vasta gama de posições ideológicas contidas no assim chamado cinema político da década de 1970 represente rico comentário a respeito do passado e do presente do país, na opinião de Peter Bondanella a repercussão na Itália dos protestos de Maio de 68 na França nem tem muito a ver com o fato de que entre 1968 e 1970 a cultura italiana alcança um ponto de virada: o terrorismo (entre 1969 até início dos anos 1980, seja de esquerda ou de direita); o fim do “milagre econômico” dos anos 1960 e a crise do petróleo; a aprovação do divórcio em 1970 e a perda de confiança nos governos (a burocracia estatal, os partidos políticos e os sindicatos) em função de escândalos de corrupção. Tudo isso, além da crescente competição da televisão, se refletiu negativamente na produtividade da indústria cinematográfica italiana, que já havia sido a maior da Europa. O cinema político dos anos 1970 foi dominado por um grupo de cineastas que alcançou fama na geração pós-neorrealista. Damiano Damiani, Elio Petri, Marco Bellocchio, Giuliano Montaldo e Francesco Rosi, estão dentre os nomes mais lembrados de uma lista bem maior (13). 
Ainda segundo Bondanella, a frequente preocupação temática com a relação entre pais e filhos serve uma dupla função: não apenas fornece uma imagem concreta do problema mais geral da autoridade e da rebelião numa sociedade caracterizada por mudanças rápidas de valores (pelo menos no pós-guerra), como também reafirma a cada passo a necessidade de um retorno à segurança da família nuclear, valor tradicionalmente dominante na cultura italiana.

“(...) A atitude altamente crítica tomada pela maioria desses cineastas ‘políticos’ em relação ao Estado e suas instituições é um barômetro incrivelmente preciso dos problemas sociais na península. Independentemente de sua posição ideológica ou estilo individual, os diretores italianos [da década de 1970] permaneceram fiéis ao à visão essencial do Neorrealismo italiano – lançaram um olho crítico sobre a sociedade que os produziu e tentaram, na medida do possível através de meios artísticos, mudar seu mundo para melhor. Com seus trabalhos, ampliaram a ideia de cinema enquanto ‘entretenimento’ e criaram para os filmes uma função essencialmente cívica e positiva enquanto fórum público no qual questões muito debatidas e grande arte se juntaram num muitas vezes desconfortável ainda que saudável casamento de conveniência” (14) 

Leia também:


Notas:

1. BRUNETTA, Gian Piero. The History of Italian Cinema. A guide to Italian film from its origins to the twenty-first century. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2009. Pp. 173-7.
2. O’LEARY, Alan. Moro, Brescia, conspiracy. Lo Stile Paranoico nel Cinema Italiano. In: UVA, Christian. Strane Storie. Il Cinema e i Misteri d’Italia. Soveria Mannelli, Italia: Rubbettino Editore, 2011. P. 77.
3. BRUNETTA, G. P. Op. Cit., p. 177.
4. Idem, p. 179.
5. RESTIVO, Angelo. The Cinema of Economic Miracles. Visuality and Modernization in the Italian Art Film. Durham & London: Duke University Press, 2002. P. 51.
6. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York/London: Continuum, 3ª Ed., 2008. P. 332.
7. BRUNETTA, G. P. Op. Cit., p. 175-9.
8. MINNELLA, Maurizio Fantoni. Non Riconciliati. Política e Società nel Cinema Italiano dal Neorealismo a Oggi. Torino, Itália: UTET Libreria, 2004. P. 75.
9. Idem, pp. 75-7.
10. Ibidem, pp. 79-80.
11. Ibidem, p. 77.
12. MANCINO. Anton Giulio. L’Affaire Rosi. Il cinema, L’Italia, il deficit di verità. In: UVA, Christian (a cura di). Strane Storie. Il Cinema e i Misteri d’Italia. Soveria Mannelli, Italia: Rubbettino Editore, 2011. P. 67.
13. BONDANELLA, P. Op. Cit., pp. 318-9, 346.
14. Idem, p. 346.

30 de abr. de 2018

Misoginia Fascista e Cinema Italiano

A mulher que trabalha foi pouco
retratada  no  início   do   cinema
 italiano, a não ser nalguns filmes 
de Elvira Notari,  nos  anos  1910

A Vida Continua

Para sobreviver num Estado ditatorial aprendemos que as pessoas devem obedecer sem questionar as declarações do regime totalitário. Para Marga Cottino-Jones, isso também vale para os papéis de gênero que as ditaduras estabelecem como necessários ao bom funcionamento da sociedade. No caso da Itália durante o regime fascista de Benito Mussolini, dos homens era exigido que projetassem uma imagem viril de masculinidade e que respondessem corajosa e espontaneamente ao chamado dos militares, quando estes decidissem que aqueles teriam de ir morrer no campo de batalha das colônias italianas na África. Às mulheres, era pedido que cumprissem seu papel de reprodutoras-mães, para prover o regime com muitos soldados no futuro. De fato, um programa social de crescimento demográfico inclusive premiava financeiramente as famílias com mais filhos. Situação retratada em Um Dia Muito Especial (Una Giornata Particolare, direção Ettore Scola, 1977), onde Antonietta, moradora de conjunto habitacional, leva uma vida que se resume a cuidar dos vários filhos e da casa. Enquanto passa a vida vestida como uma empregada, seu marido fascistóide vai para a rua viver a vida. Prostitutas, este foi o outro papel que o regime fascista reservou às mulheres que não eram apenas empregadas de seus maridos. (imagem acima, capa misógina da revista semanal Gente Nostra, de junho de 1943, portanto durante a guerra, onde se vê soldados italianos feridos desprezando com o olhar à mulher que só se preocupa com sua aparência)

Mussolini se preocupava com a sexualidade da população masculina e financiava bordéis, onde as prostitutas recebiam tratamento médico gratuito. Mãe e prostituta, papéis que o Fascismo de Mussolini reservou às mulheres italianas entre as décadas de 1920 e 1940 – num registro talvez mais próximo da comédia, os bordéis estão em Amor e Anarquia (Film d'Amore e d'Anarchia, Ovvero 'stamattina alle 10 in Via dei Fiori nella Nota Casa di Tolleranza...', direção Lina Wertmüller, 1973) (1). 

“(...) Os filmes norte-americanos eram essenciais para a vitalidade econômica do setor de exibição da indústria [italiana] do cinema até uma fase adiantada do período [fascista]. Os filmes norte-americanos forneceram ao regime um mapa fictício da decadência urbana contida nas fronteiras estadunidenses. [Muito embora,] mais importante, os sistemas de representação do filme clássico de Hollywood não fosse fundamentalmente transgressoras em relação a uma ordem social fascista imaginada. [...] Por outro lado, Hollywood representa uma ameaça em vários outros níveis. O domínio do produto norte-americano, dada a ausência de medidas protecionistas por parte dos italianos, significava que o cinema nacional não tinha oportunidade de se integrar verticalmente. A gama indiscutivelmente mais rica de representações de mulheres por Hollywood, assim como seu retrato mais moderno da sexualidade, eram uma grande preocupação do regime. Caso isso não fosse modificado, as plateias italianas poderiam desejar e abraçar modelos  manifestamente não fascistas. Numa palavra, o regime temia que essa imagens exóticas pudessem se popularizar e satisfizessem mais aos espectadores do que seu próprio cinema nacional. Portanto, no contexto de sua política industrial decididamente confusa, Estado e cinema competiam tanto econômica e intertextualmente com Hollywood enquanto um outro amigável” (2) (imagem abaixo, Gli Uomini, che Mascalzoni..., 1932)


 A gama indiscutivelmente  bem  mais  rica  de  representações  de 
mulheres  por  Hollywood,  assim  como  seu  retrato  mais  moderno
da sexualidade, eram uma grande preocupação do regime fascista

Lá pela década de 1930, quando os fascistas descobriram que o cinema poderia ser uma arma de propaganda bastante eficaz, inicialmente os documentários de curta-metragem foram o tipo de filme mais produzido. Mussolini gostava bastante deste tipo de cinema, quem além de dar publicidade ao Estado demonstrava visualmente os papéis prescritos pelo regime para os cidadãos. Enquanto o documentário Madri d’Italia (Mães da Itália, 1934) delineava o papel exclusivo que os fascistas projetavam para as mulheres, Figli d’Italia: Caduti in Africa (Filhos da Itália: Caídos na África, 19??) fazia o mesmo pelos homens. Partindo dessa representação documental supostamente fiel da realidade, o governo demandou a ficcionalização da história através de longas-metragens que deveriam forjar uma ligação direta entre o passado histórico glorioso da Antiga Roma (ou a renascença italiana) e o presente fascista. Em especial, os cineastas deveriam apresentar heróis nos quais a plateia pudesse reconhecer Mussolini – ele próprio gostava de se deixar fotografar em diferentes poses que pudessem retratá-lo como um herói popular dos tempos modernos, gostava também especialmente de ser comparado a Maciste, herói do ainda mudo Cabiria (direção Giovanni Pastrone, 1914). Cottino-Jones destaca deste período Cipião, o Africano (Scipione l’Africano, direção Carmine Gallone, 1937), para a Roma Antiga, e Ettore Fieramosca (direção Alessandro Blasetti, 1938), para a Renascença. A comédia leve também começa a ser utilizada para entreter (ridicularizando homens e mulheres que não se enquadram no padrão ditado pelo Estado). Ainda distante da commedia alla italiana, o humor coletivo dos anos 1950, também conhecido como “comédia coral” (onde valores burgueses são encarnados pela coletividade), mostra que a mulher ainda terá de lutar muito.

“Juntamente com a predominância do humor coletivo, a apreensão patriarcal convencional em relação à sexualidade das mulheres e sua promoção social esteve evidentemente cada vez mais e mais presente nas comédias italianas. Vence o Amor (Totó, Peppino e la... Malafemmina), de Camillo Mastrocinque; A Sorte de Ser Mulher (La Fortuna di Essere Donna, 1956), de Alessandro Blasetti; Arrivano i Dolari (1957), de Mario Costa; Costa Azul, a Praia dos Amantes (Costa Azzurra, 1959), de Vittorio Sala; Gli Innamorati (1956), de Mario Bolognini; Um Moralista em Apuros (Il Moralista, 1959), de Giorgio Bianchi; O Ouro de Nápoles (L’oro di Napoli, 1954), de Vittorio De Sica e O Solteirão (Lo Scapolo, 1955), de Antonio Pietrangeli, são apenas alguns exemplos da representação da sexualidade feminina ainda em luta para abrir novos caminhos em termos de identidade e representação, ainda distante daquilo que será alcançado menos de uma década depois. Esta característica é ainda mais pertinente uma vez que a masculinidade também foi associada à infância. Como [descreveu Maggie Günsberg]: ‘A associação cômica da masculinidade com a infância em algumas comédias, especialmente sua propensão para brincar ao invés de trabalhar, e no seu divertimento com o consumismo, pode ser tomado como uma indicação de que a Itália não estava preparada para lidar com a rápida disseminação da cultura do consumo’” (3) (imagem abaixo, Sofonisba em Cipião, o Africano, 1937)

Parábola Fascista da Boa Mulher 

Em Cipião, 
o Africano, a 
companheira 
do  herói é um 
ideal de mulher 
fascista:   esposa 
(de  um  homem 
viril) e mãe (dos 
filhos dele)  - e
Sofonisba é
o oposto

Na opinião de Cottino-Jones, embora Cipião, o Africano represente a mesma situação histórica de Cabiria (guerra entre Cartago e Roma pelo domínio das rotas do Mar Mediterrâneo), lida com seus protagonistas de forma bem distinta - para então realçar a ideologia de gênero do regime fascista. Em Cipião, o herói é apresentado com as características positivas que um romano ou líder fascista deveriam possuir (ousadia, popularidade, sentir orgulho nacionalista, compromisso militar e demonstrar muita habilidade estratégica no planejamento de batalha). Além disso, é dotado com o tipo promovido de masculinidade (tópico ignorado em Cabiria), já que deve ter filhos, é uma característica exigida de todos os homens pelo regime fascista. Como o próprio Mussolini dizia: “um homem não é um homem se também não é marido e pai”. Logo, concluiu Cottino-Jones, revela-se a importância que o Fascismo dava à virilidade do homem e a seu papel reprodutivo no interior da família. Cipião aparece no ambiente da família no começo e no final do filme, onde será acolhido pela devotada esposa com um bebe nos braços e um filho pequeno que brinca de soldado com ele. O personagem da esposa/mãe foi introduzido para representar a “boa” mulher, segundo a ideologia fascista. Além de Claretta Petacci, Mussolini tinha várias outras amantes, mas se deixava fotografar com seus filhos e esposa. A esposa de Cipião projeta aquilo que se espera de uma “boa” mulher (fascista) na vida real: esposa de um homem que a protegerá enquanto soldado e que também fará dela uma mãe. De fato, conclui Cottino-Jones, este é o único papel aceitável na vida que uma mulher “boa” poderia aspirar na Itália fascista (4). Para Patrizia Carrano, a coisa até piora nas telas italianas dos anos 1960 e 1970:

“(...) A dialética homem/mulher é resolvida ao som de risadas: nosso cinema relata com solidariedade masculina o direito dos maridos de espancar suas próprias esposas ou companheiras quando estas resiste obstinadamente, estimulando assim o riso gordo e sádico dos espectadores. Monica Vitti foi mandada para o hospital por [Alberto] Sordi em Amor, Ajuda-me (Amore mio Aiutami, direção do próprio Sordi, 1969); Mariangela Melato leva uma surra de Giancarlo Gianini em Por um Destino Insólito (Travolti da un Insolito Destino nell'Azzurro Mare d'Agosto, direção Lina Wertmüller, 1974); sempre Gianini enche Vitti de bofetões (os parceiros se entendem, mas as surras continuam) em À Meia-Noite, a Ronda do Prazer (A Mezzanotte va la Ronda del Piacere, direção Marcello Fondato, 1975); [Sophia] Loren é surrada por [Marcello] Mastroianni como se fosse um saco de pancadas em A Garota do Gangster (Pupa del Gangster, direção Giorgio Capitani, 1975); [Giovanna] Ralli esbofeteada com gosto por [Gigi] Proietti em Languidi Baci... Perfide Carezze (direção Alfredo Angeli, 1976). As surras que os homens aplicam e as mulheres recebem não são consideradas violência, mas direito (...)” (5) (imagem abaixo, Sofonisba em Cabiria, 1914)


Em Cabiria e Cipião, o Africano, Sofonisba é o modelo da mulher
antifascista: aquela que sabe usar sua sedução para conseguir poder. 
  O Fascismo  nunca  realmente  aprovou  a  mulher  independente  

Em Cabiria, as duas mulheres protagonistas são a própria Cabiria (garotinha que precisa da ajuda de um herói ousado, que no final se transforma num belo e virtuoso e jovem noivo) e Sofonisba, retratada como uma mulher sexy e perigosa. Em Cipião, também encontramos Sofonisba, mas Cabiria é substituída por Velia, que tem um papel diferente embora também seja uma escrava cheia de virtude e bondade. Bela e jovem mulher romana em idade de casamento, Velia foi prometida para Urunte, valoroso soldado romano. Contudo, Aníbal invade a aldeia de Velia e escraviza todo mundo. Ele se interessa por ela e a toma para si, mas não deseja criar uma família, apenas transar com ela e a humilhar, já que Velia questiona suas ordens. A função de Velia na narrativa é enfatizar a inadequação de Aníbal enquanto homem (desejo sexual sem paternidade) e enquanto herói (vaidade e exploração de poder). Por outro lado, a virtude e a fidelidade de Velia em relação à Urunte fazem dela outro modelo para as mulheres italianas, sublinhando a importância para uma mulher de ser virtuosa e renunciar à sedução e poder pessoal de maneira a ser fiel a “seu” homem. Tanto em Cabiria quanto em Cipião, Sofonisba desempenha o papel de uma mulher perigosa para os homens, uma vez que sabe utilizar a sedução para aumentar seu poder. Se no primeiro filme, ela é uma personagem complexa que combina elementos heroicos e qualidades perigosas, em Cipião seu papel é reduzido ao de uma mulher “má”. Ela seduz e controla Siface e Massinissa, apenas Cipião, com sua virtude e autoridade, consegue dominá-la. Para Cottino-Jones, Sofonisba reflete a visão negativa do Fascismo em relação à mulher independente e controladora, daí a “necessidade” de que elas devessem necessariamente ser controladas pelos homens. 


Em Ettore Fieramosca, o herói ajuda a defender o castelo de uma
mulher independente e forte contra o inimigo. Como recompensa,
ela  se deixa transformar em esposa dedicada e mãe de seus filhos

Ettore Fieramosca realiza idêntica torção ideológica, só que desta vez durante a Renascença italiana, quando os exércitos da Espanha e da França pretendiam invadir e conquistar a península italiana. Havia uma fortaleza estratégica governada por uma mulher, Giovanna Monreale. Logo de saída, sugere Cottino-Jones, percebe-se que a narrativa é organizada em termos de sexo e poder: conquistar a fortaleza equivale a conquistar a mulher no controle. Giovanna está impressionada com o heroísmo de Ettore Fieramosca na defesa do castelo – ele é apenas um guerreiro local que se ofereceu para protegê-la. Asti, cavaleiro que gostaria de se casar com Giovanna, não hesita em fingir que são seus feitos heroicos na verdade realizados por Fieramosca. Assim que Asti conquista Giovanna com esta enganação, conquista também a fortaleza para os franceses. Até aqui, Giovanna é apresentada como uma mulher virtuosa, sempre vestida de branco e no interior do castelo. Ela descobre o ardil e demonstra admiração por Fieramosca, recompensando sua bravura e o protegendo de inimigos. Giovanna já não é mostrada pela câmera como alguém isolada no poder, agora ela está mais sociável. Para Cottino-Jones, é como se fosse necessário mostrar que um governante deve ser capaz de viver entre seu povo, governar com eles e não acima deles. Ele a ama, e, embora tenha seus objetivos nacionalistas (proteger a fortaleza e Giovanna contra franceses e Espanhóis), pensa em começar uma família (que reinará para sempre em sua terra). Temos então o interesse fascista na difusão da ideia nacionalista, assim como no herói como um homem viril que gostaria de formar uma família. Giovanna, por outro lado, se no início do filme era uma líder autossuficiente, agora assume o papel de esposa do herói e futura mãe de seus filhos. (imagem abaixo, La Segretaria Privata, 1931)

Ridicularizar é Preciso


Os filmes  que ainda durante o Fascismo por acaso  falassem  sobre
a mulher independente, sugeriam que a sociedade deveria rir delas

Desde seus primórdios em 1904, o cinema italiano pouco havia retratado o fenômeno da mulher trabalhadora, a não ser em alguns filmes de Elvira Notari, como Carmela, la Sartina di Montesanto (1916) e Chiarina, la Modista (1919). Durante a década de 1930, enredos em torno de mulheres que trabalham fora se tornam bastante comuns. Seja no espaço do escritório, mais do que no interior da família, como em La Segretaria Privata (direção Goffredo Alessandrini, 1931), ou em hotéis, lojinhas ou grandes lojas de departamentos, como em Gli Uomini, che Mascalzoni... (1932), Os Apuros do Senhor Max (Il Signor Max, 1937) e I Grandi Magazzini (1939) – os três dirigidos por Mario Camerini. Contudo, Cottino-Jones adverte que esta nova imagem da mulher foi veiculada através da comédia, utilizada na literatura e no teatro por séculos para entreter o público com personagens e situações que leitores e espectadores considerariam inferiores a si mesmos e sua condição social, tornando-se objetos fáceis de riso e ridículo. Os filmes cômicos dessa época na Itália, conclui Cottino-Jones, perseguiam o mesmo objetivo. Em La Segretaria Privata, acompanhamos o final feliz da história de Elsa, a garota do interior que vai para Roma atrás de emprego e marido, conquistando a todos com seu otimismo e visão positiva da vida. Cottino-Jones sugere que o fato de Elsa não ser particularmente bela ou sedutora sugere que o filme aponta o potencial da mulher para além da aparência física. Embora Elsa também esteja procurando marido, maternidade e autossacrifício não é seu objetivo principal. Estabilidade econômica e ascensão social é o que ela espera da vida. Para Cottino-Jones, tais interesses representam bem as expectativas da classe média que começa a chegar ao poder na Itália durante nessa época (6).

 Em Gli Uomini, che Mascalzoni...
   Mariuccia   é   mulher  romântica, 
  mas  trabalha fora  e  pretende ser
  respeitada  por  isso. Contudo, ela
  se encaixa  no  grupo de mulheres
  que ainda  acha necessário contar
 com  a  proteção  de  um  homem

Os filmes de Camerini caminham na mesma direção, apesar do sentimentalismo que substitui os relacionamentos mais sérios encarados pela nova mulher trabalhadora. Mariuccia é vendedora numa perfumaria de Milão em Gli Uomini, che Mascalzoni..., seu dia-a-dia é corrido, bem no estilo da representação desse novo tipo de mulher – seu personagem combina traços tradicionais e modernos. Aldo surge interessado nela, a ponto de seguir com uma bicicleta o bonde onde ela está. Mariuccia reage de maneira contraditória, parece gostar do assédio desse fã, mas também demonstra certo receio da ousadia dele. Quando uma amiga a convida para trabalhar numa grande feira comercial, ela inicialmente aceita, mas então recusa ao perceber as intenções sexuais do amigo do patrão, dando preferência à ajuda de Aldo. Neste sentido, explica Cottino-Jones, Mariuccia reconhece seu direito de ser respeitada enquanto trabalhadora e recusa a vitimização, ao mesmo tempo em que reconhece os perigos a que uma mulher está exposta no mundo dos homens, não hesitando em pedir a proteção daquele em quem confia. Esse pedido de proteção satisfaz os interesses da ideologia fascista, sem esquecer que Mariuccia aparece como uma mulher romântica, que prefere se relacionar com um homem por amor, ao invés de por oportunismo financeiro. A mesma tendência transparece em Os Apuros do Senhor Max, onde tanto o homem quanto a mulher optam por uma vida modesta de amor e respeito, ao invés de aventuras no planeta da alta sociedade.

Em Os  Apuros  do  Senhor  Max, 
é  Lauretta  que toma a iniciativa
de  demonstrar seus sentimentos
 por   Gianni.  De  classe   inferior, 
frequentavam  a  alta  para tentar
subir   na   vida,  mas   concluirão
 que  o  melhor  é  ficar onde  está 

O jornaleiro pobre Gianni é convidado por seu amigo rico Max para tomar seu lugar num cruzeiro marítimo caro – os dois são muito parecidos. Paola, uma viúva rica, se interessa por ele. Lauretta, funcionária da viúva, é a única trabalhadora naquele grupo de ricaços. Gianni se envolve com ela, que o reconhece como uma alma gêmea e comenta com ele os problemas que está enfrentando em seu novo emprego como babá – ela cuida da irmãzinha de Paola. Lauretta percebeu que fez um péssimo negócio ao trocar seu emprego modesto de secretária por essa oportunidade de viajar junto com a alta sociedade. Seu excelente salário não compensa os constantes insultos da menina de doze anos de idade, protegida pela irmã mais velha, que não demonstra nenhuma paciência com Lauretta. Ela percebe que somente será feliz vivendo o tipo de vida onde é respeitada e consegue se respeitar. Influenciado pela família, que também gosta de Lauretta, Gianni se apaixona por ela, que acaba alegremente aceitando o papel constantemente aspirado pelas mulheres: o casamento. 

“(...) A contrário das relações tradicionais de gênero, seu caso de amor com Gianni foi iniciado por ela. Apesar de mostrar abertamente seu interesse sexual por Gianni, Lauretta também é a dona do ponto de vista, uma vez que é ela quem constantemente procura por ele e o segue com seu olhar, e não o contrário, como fomos acostumados a esperar nos relacionamentos tradicionais homem-mulher. Mesmo que o clima do filme seja cômico, a independente e ativa mulher dos tempos modernos parece ter nascido aqui, com a Lauretta de Camerini. Obviamente, de maneira a ser capaz de veicular um ponto de vista não tradicional assim naquele tempo fascista, todos esses filmes devem propor isso em termos cômicos – ou seja, risíveis, projeções ridículas, para não serem, levados a sério. Vai demorar muito tempo antes que sejamos capazes de ver os gostos de Lauretta levados a sério no cinema italiano” (7)

Apesar da recorrência do emprego
da  comédia  ao  mostrar  mulheres
ativas  e  independentes,  o  cinema
fascista   deixava   passar   algumas
coisas. O problema era o  contraste
 mulheres  fortes  /  homens  fracos, 
como    em   I   Grandi   Magazzini

Em I Grandi Magazzini, Bruno e Lauretta trabalham na mesma loja de departamentos. Eles estão juntos, mas Bruno não hesita em procurar a companhia de outras mulheres. Comportamento que em parte será responsável pelo fato de Lauretta se considerada uma ladra por seu chefe inescrupuloso. Sempre numa veia cômica, ainda que o filme apresente Lauretta como uma mulher forte, inteligente e autoconfiante, no final a ênfase recairá no interessa dela em conseguir a proteção masculina através do casamento - apresentado como um final feliz. Diferentemente de Os Apuros do Senhor Max, aqui não há conflito de classe, pois todos pertencem à classe média baixa. De fato, dentre todos os filmes de Camerini, neste tudo gira em torno de explicitar a diferença no tratamento de homens e mulheres no ambiente de trabalho – elas são muitas vezes vítimas de patrões patologicamente instáveis. Ao contrário dos outros dois filmes, onde a mulher pode confiar e contar com a assistência dos homens que as amam, Lauretta não conta com esta possibilidade, já que não pode esperar de Bruno nenhum comprometimento. Logo, ela tem de se virar como uma mulher forte faria. Contudo, lembra Cottino-Jones, como que para testar a capacidade dela, essa fortaleza é apresentada num clima de comédia. Cottino-Jones conclui que nestes filmes da década de 1930, as mulheres tem de pagar caro por suas primeiras tentativas de emancipação. Apesar da questão da comédia, Cottino-Jones acredita que aqui elas conseguem provar seu valor, além de relegar os homens a uma posição de passividade e submissão nada aceitável no cinema italiano tradicional. Não é difícil entender porque, mesmo ridicularizando a mulher, a ideologia fascista não aceitava a representação de machos fracos e mulheres fortes.

“Todos esses filmes se encaixam no gênero cômico, e isto pode explicar a passagem dos heróis masculinos para fracos e desprovidos de poder. Tal mudança promove o clima cômico, normalmente desencadeado pelo inesperado e pelo processo de desmistificação típico do carnavalesco. Neste processo, como observado por Bakthin, os personagens normalmente tidos como heróis e superiores ao público são desmistificados e reduzidos a um nível inferior ao que é esperado. Então, os heróis masculinos, que são apresentados como fracos e incapazes de enfrentar uma protagonista mulher, criam uma situação inesperada e consequentemente tornam-se objeto de ridículo e motivo de riso. Neste sentido, é útil mencionar uma citação de Ruby Rich a respeito do poder da comédia, que ‘possui um potencial revolucionário com limitador da ordem patriarcal e extraordinário nivelador e reinventor da estrutura dramática’. Iremos encontrar situação similar posteriormente em filmes pertencentes ao gênero comédia- estilo-italiano dos anos 1960 e 1970, que propõem combinação similar de personagens masculinos inesperadamente fracos e protagonistas femininas fortes” (8)

Independência ou Morte

“O dilema moral que uma  mulher
deve   encarar  em  uma  sociedade
injusta  retornará em vários filmes
de  Rossellini e de outros diretores
neorrealistas  do  período com seus
resultados  distintos, em função do
tipo  de  indivíduos   retratados” (9)

Com o Neorrealismo no pós-guerra, filmes que representam a mulher de maneira mais positiva começam a surgir nas telas. Contudo, Cottino-Jones lembra que mesmo durante o regime fascista alguns filmes já tentavam escapar da representação tradicional, como é o caso de A Culpa dos Pais (I Bambini ci Guardano, direção Vittorio De Sica, 1944) e Obsessão (Obsessione, direção Luchino Visconti, 1943). De Sica, que posteriormente irá se tornar um dos expoentes do Neorrealismo no cinema italiano, se junta a Cesare Zavattini (um dos teóricos do movimento) para realizar A Culpa dos Pais, que aborda a obsessão fascista com a maternidade e o patriarcalismo reinante. Nina é uma mãe italiana que abandona o marido e o filho pequeno para viver com o amante. Com pouca consideração em relação aos motivos dela, o filme foca em suas ações e nos efeitos em sua família. Sabemos que se um homem agisse desta forma a sociedade não diria nada, mas a opção de Nina é desaprovada seja por seus parentes, seus conhecidos e até por estranhos. A mensagem do filme e da sociedade italiana é que a mulher deve abraçar aqueles papeis exclusivamente reservados para ela: negar sua sexualidade e incorporar as personas de esposa fiel e mãe abnegada. De fato, ela nunca disse o motivo que a levou a fazer essa opção, ao mesmo tempo em que fica repetindo para o filho que ela o ama e que gostaria de ficar com a família. Logo, seu comportamento é contraditório. Na opinião de Cottino-Jones, ao não dar voz a Nina para que explique seus sentimentos e motivações, o filme apresenta a situação dela em termos puramente econômicos, através dos olhos dos outros personagens, que a veem como uma mulher que joga pela janela a sorte que teve na vida (arrumar um marido rico da alta classe) (10).

A Culpa dos Pais se desvia
claramente   do   código   de
 gênero    estabelecido    pelo
 regime  fascista  durante  os
 anos    1930   e   1940    para
 regular os  relacionamentos
 entre   homem   e   mulher”

Não é difícil de concluir, continua Cottino-Jones, porque os espectadores também não desenvolveram nenhuma simpatia por Nina, reproduzindo o antagonismo em relação à “mulher rebelde”, disseminado na sociedade italiana. Por outro lado, em A Culpa dos Pais o personagem do marido desvia radicalmente da representação ditada pela ideologia patriarcal fascista. Se por um lado ele demonstra uma necessidade patriarcal de exercer o controle sobre a esposa e disciplinar a ela e ao filho, por outro lado muitas vezes também deixa transparecer um lado mais suave e fraco que contradiz o modelo fascista. Esse marido parece incapaz de tomar decisões em relação à mulher e ao filho, demonstrando, especialmente no final do filme, a mesma incapacidade de lidar com as demandas da família patriarcal. Ao ser abandonado por Nina, as únicas atitudes que consegue tomar são deixar seu filho numa instituição educacional militar e se suicidar. Para Cottino-Jones, esta dificilmente seria a decisão esperada de um pai responsável num sistema patriarcal. Enquanto em A Culpa dos Pais o marido se mata ao ser abandonado pela mulher, em Obsessão a esposa pede ajudar do amante para matar o marido de uma maneira que não perca o acesso à segurança econômica que o detestado cônjuge possibilitava a ela – Giovanna só se casou com esse homem que detestava para escapar da pobreza extrema em que vivia. O remorso de Gino, o amante, cria problemas para Giovanna, que o acalma ao dizer que está grávida dele. Contudo, a seguir ela e o bebê morrem num acidente de carro, e Gino será acusado de um crime que não cometeu.


Obsessão foi recebido como provocação por censores e figuras
do governo. Mussolini o examinou e saiu da projeção chocado sem
nada  dizer,  isso  permitiu  que  fosse  liberado, já que il Duce nada falou. Mas Vittorio, seu filho, exclamou: “Isso não é a Itália!” (11)

Para muitos espectadores, e para os fascistas italianos da época em particular, Giovanna não passa de uma assassina, que só poderia terminar assim em função de haver renegado todas as diretivas fascistas daquilo que seria uma “boa” mulher. Entretanto, para outros, Giovanna está mais para uma sobrevivente. De acordo com o ponto de vista feminista de Cottino-Jones, a vida de privações de Giovanna (antes do casamento) permitiu a ela desenvolver a capacidade de discernir os direitos da mulher à satisfação sexual e estabilidade econômica, além de uma capacidade racional de compreender e controlar situações e pessoas. De qualquer forma, a biografia desta personagem é de uma complexidade raramente alcançada nos filmes fascistas. A morte de Giovanna e seu bebê no final, juntamente com o desespero de Gino, produzem um desfecho melodramático típico da tradição dos primórdios do cinema italiano, ao passo que o restante de Obsessão aponta para o ponto de vista neorrealista que emergirá em pouco tempo. Para Cottino-Jones, futuros filmes de Roberto Rossellini como Nono Mandamento (Desiderio, Roberto Rossellini, 1946), A Voz Humana e O Milagre (na coletânea O Amor, l’Amore, 1948) evidenciam esta mistura entre certo melodrama e certo realismo. 

Leia Também:


Notas:

1. COTTINO-JONES, Marga. Women, Desire, and Power in Italian Cinema. New York: Palgrave MacMillan, 2010. Pp. 37-8, 232n5.
2. RICCI, Steven. Cinema & Fascism. Italian Film and Society, 1922-1943. Berkeley: University of California Press, 2008. Pp. 158-9.
3. LANZONI, Rémi Fournier. Comedy Italian Style. The Golden Age of Italian Film Comedies. New York/London: Continuum, 2008. P. 24.
4. COTTINO-JONES, M. Op. Cit., pp. 39-42.
5. CARRANO, Patrizia. Malafemmina. La Donna nel Cinema Italiano. Firenze: Guaraldi Editore S.p.A., 1977. P. 76.
6. I COTTINO-JONES, M. Op. Cit., pp. 42-7.
7. Idem, p. 45.
8. Ibidem, pp. 46-7.
9. Ibidem, p. 51.
10. Ibidem, pp. 47-51.
11. RICCI, S. Op. Cit., pp. 131.

31 de mar. de 2018

O Espetáculo Épico do Herói Fascista no Cinema


Muitos filmes de propaganda do Fascismo italiano  misturam
guerra  e  melodrama.  Ironicamente, a única coisa que os torna
 menos questionáveis e fantasiosos é justamente o melodrama

Heroísmo Reconfortante

De certa passividade em relação ao cinema durante os anos 1920 (exceto em relação aos cinejornais), o regime fascista italiano gradativamente aumentaria o controle, embora nunca chegando a criar uma indústria controlada pelo Estado. Nestes termos Olivier Maillart definiu a relação do governo de Mussolini com a sétima arte. Para Jean Gili, o fascismo italiano oscilava entre o desejo de exercer o poder de censurar, ou empregar o cinema para “embalar/ninar” a opinião pública com doses de entretenimento apolítico ao invés da propaganda direta. Contudo, os anos 1930 viram o controle aumentar a ponto de criar-se um Ministério da Cultura Popular. Como sempre com o Fascismo, explica Maillart, o interesse num cinema autenticamente fascista manteve-se em grande parte retórico. Maillart cita três filmes realizados durante esse período de aumento do controle que podem ser considerados dentre os poucos exemplos de filmes de propaganda fascista. Esquadrão Branco (Squadrone Bianco, direção Augusto Genina, 1936) glorifica a aventura colonialista da Itália de Mussolini na Líbia. Luciano Serra, Piloto (Luciano Serra, Pilota, Goffredo Alessandrini, 1938), considerado uma das raras obras de valor da cinematografia fascista de propaganda, também aborda o contexto colonial, remetendo ao imaginário “imperial” da Roma antiga – neste caso, trata-se da aventura colonial italiana na Etiópia, sugerindo os etíopes como os novos cartagineses. Odessa in Fiamme (direção Carmine Gallone, 1942), com uma forte mensagem anticomunista. Depois da conquista da Etiópia em 1936, Mussolini declarou o renascimento do Império Romano, alguns intelectuais sugeriram que o cinema deveria encontrar um jeito “romano” de celebrar, como em artigo publicado naquele ano em Lo Schermo (1): 

“O cinema enquanto arte também pode servir ao Império. Um filme que se inspirou na romanidade, não enquanto algo falso como em muitos filmes históricos, mas na versão resistente, rural e guerreira que conquistou o mundo e levou ao reaparecimento do Império sobre as colinas históricas de Roma; um filme que destacaria os aspectos cesarianos, mas também humanos e socialmente revolucionários, da criação de Mussolini – tal filme indubitavelmente teria uma força maior de sugestão... Ao fazer esta proposta, não queremos proclamar uma arte imperial na aurora do Império; a própria realidade irá inspirar os artistas, e o Império italiano, também, terá seus Kiplings” (2)


Receberam  a  Taça Mussolini,  Esquadrão Branco e Luciano Serra, 
Piloto (que compartilhou com Olímpia, de Leni Riefenstahl), e Odessa 
in Fiamme ganha medalha de ouro no Festival de Veneza, em 1942 (3)

De acordo com Maillart, essa “terceira Roma” de Mussolini, depois da Roma dos Césares e dos Papas, usa e abusa de referências míticas, enquanto as conquistas coloniais na África fornece uma forma de gratificação simbólica nacional – provocando um entusiasmo frenético em torno da romanidade, de uma forma que encoraja a criação e o consenso em relação à guerra. Filmes como Luciano Serra, Piloto ou Esquadrão Branco recorrem a essas ideias e associações, ligando-os a Cipião, o Africano (Scipione l'Africano, direção Carmine Gallone, 1937). Enquanto este glorifica a aventura colonial contemporânea a sua realização, Odessa in Fiamme é um pouco diferente, embora baseado num mecanismo similar: uma romanidade fantasiosa nascida da união entre a Romênia e a Itália, referência a segunda Roma (católica), implícita na ideia de uma “nova cruzada” contra os comunistas ateus. O filme enfatiza o caráter não europeu dos russos e seu ateísmo. Em certa cena, o personagem principal batiza crianças, como o padre em L’Uomo della Croce (1943), de Roberto Rossellini. O inimigo não é o negro cartaginês ou púnico, mas o bolchevique meio asiático, meio mongol. Maillart explica que todos esses filmes são baseados em formulas estereotipadas derivadas do filme colonial, do filme de aventura e do filme de guerra, beneficiando-se de elevados orçamentos e apoio do Estado, incluindo a indústria aeronáutica. Para Aldo Farassino, o filme de guerra italiano é, mesmo do ponto de vista cinematográfico, legitimador do filme colonial, que teve seu momento de glória com Esquadrão Branco e Luciano Serra, Piloto.

“(...) No mesmo período de tempo em que a Itália anuncia um novo império e ocupa a Etiópia, uma variedade de filmes militares de época é lançada. Filmes como Cavalleria (direção Goffredo Alessandrini, 1936), Pietro Micca (Aldo Vergano, 1938), Esquadrão Branco, Cipião, o Africano, Condottieri (Luigi Trenker, 1937), Ettore Fieramosca (Alessandro Blasetti, 1938), Il Cavaliere senza Nome (Feruzzio Cerio, 1941) e O Filho do Corsário Vermelho (Il Figlio del Corsaro Rosso, Marco Elter, 1943), simultaneamente desenham e modificam as três maiores premissas subjacentes às convenções do ciclo [anterior] do homem forte [- cujo ícone foi o ator Bartolomeo Pagano]. Neste contexto, vale a pena salientar que Cabiria (1914) de Pastrone/D’Annunzio, o texto original de todos estes épicos históricos subsequentes, foi relançado numa versão sonorizada em 1931” (4)


Por  volta de 1935, o Fascismo parecia solicitar à indústria do cinema
a  criação de histórias que ajudassem a construir um monumento  ao
presente  na  forma  de  uma  síntese  da  história  italiana milenar (5)

Ainda na opinião de Maillart, o objetivo de todos aqueles cineastas que realizaram filmes de aventura foi competir com aquilo que estava sendo feito por Hollywood – especialmente para Goffredo Alessandrini, que trabalhou em Hollywood como escritor e agente de imprensa para a dublagem dos filmes a MGM na Itália. Luciano Serra, Piloto, o mais bem sucedido filme de propaganda fascista, seria um dos filmes italianos que mais se aproximam do estilo de Hollywood. No filme de aventura fascista, a relativa novidade do espetáculo da guerra está integrado no interior de uma estrutura bastante convencional de melodrama. Ou melhor, o melodrama de família será resolvido através da aventura militar, que restabelecerá a figura paterna. Em Odessa in Fiamme, o personagem do marido se torna simultaneamente fiel à sua esposa e seu país – o filme conta a história de um caso de adultério interrompido pela invasão russa. Em Luciano Serra, Piloto, o protagonista é um herói de guerra que não consegue se readaptar a vida civil – a nova aventura imperial em África o “salvará” restaurando o vínculo com o campo de batalha. Em Esquadrão Branco, Mario descobre na relação entre homem e exército uma ligação mais forte do que entre homem e mulher. Segundo Maillart, na aliança entre melodrama e aventura, a guerra nunca é percebida em contexto. Facilitado pelos cenários exóticos, ela é apresentada como uma bela aventura onde os homens podem testar seu heroísmo. Mesmos glorificando a guerra, os três filmes dissolvem os detalhes históricos ao mesmo tempo em que estabelecem vínculos com o presente – outro filme, 1860 (direção Alessandro Blasetti, 1933) estabelece um vínculo entre os camisas vermelhas de Garibaldi e os camisas negras de Mussolini.

“É claro, a narrativa ‘popular’ ou ‘demagógica’ não é especificamente fascista. Não obstante, analisando os filmes italianos mais comprometidos do regime, a articulação entre estética e ideologia demonstra que é por meio dos mecanismos consoladores desses filmes que sua função de propaganda é realizada; eles alcançam um papel política ao consolarem. Ao apresentarem as aventuras de heróis carismáticos que salvam sua família e seu país do mesmo jeito [ilógico], utilizam mecanismos de estereótipo capazes de tranquilizar e incentivar o apoio. Estamos, é claro, acostumados a essa [ausência de lógica], pois encontramos o mesmo nos romances de Alexandre Dumas e no cinema de Hollywood. Contudo, precisamos reaprender a ler os aspectos potencialmente ideológicos dessa [falta de lógica], recusando a naturalização de conflitos que propõem, e recontextualizando historicamente essas chamadas ‘aventuras’ africanas ou orientais” (6)

O super-homem fascista resolve as contradições
através  de  sonhos
reconfortantes

Olivier Maillart procura explicitar determinados mecanismos. No final de Luciano Serra, Piloto, o ataque ao trem é uma réplica da batalha de Adoua, somando uma dimensão de vingança. Quando o filme foi lançado, a plateia sabia da referência à terrível derrota italiana de 1896, inclusive foi parte da justificativa de Mussolini para a agressão contra a Etiópia. Neste filme, os italianos são dominados pelas grandes hordas africanas (transformadas em agressores, já que nenhuma explicação foi dada para a presença da Itália na África), mas a derrota é apenas um fantasma que logo será repelido. Não apenas não existe derrota, explica Maillart, como a real derrota é magicamente vingada por essa ficção. Pegando carona num sempre vitorioso Império Romano (que já havia justificado a vitória sobre os cartagineses em Cipião, o Africano), a vitória de Luciano Serra necessita se referir à derrota anterior para só então alcançar efeito total. Isso mostra os italianos como povo humilhado (ao estilo da retórica de Mussolini ou D’Annunzio) que encontra seus heróis e super-homens no Fascismo, resolvendo suas contradições e problemas e salvando sua honra. Maillart lembra que foi Gramsci quem primeiro reconheceu isso, explicitado por Umberto Eco em De Superman au Surhomme (1993): “a adoração do fundador super-homem nacionalista e fascista surge principalmente de um complexo de frustração pequeno-burguês” (7). Gramsci insistiu que essa figura não emerge da filosofia nietzschiana do super-homem, mas da literatura popular do século XIX. Necessidade de representações falsas que remete ao mecanismo consolador, operando apenas em termos de ficção e ilusão.

“A grande ficção proposta pelo Fascismo foi a restauração de uma figura paterna imponente. O Fascismo também sonhou com um ‘Super-Homem, transgressor de todas as leis e como um imperador romano’. Contudo, como os heróis em Odessa in Fiamme ou em Luciano Serra, Piloto, alguém, [(para citar Eco novamente)], ‘cuja intervenção coloque de volta os membros quebrados de um sociedade em crise’, ao mesmo tempo salvando a família e a nação, se estabelecendo como a figura restauradora de uma ordem que ele também contribuiu para enfraquecer’. Repetindo, tais filmes contribuíram principalmente para a dimensão tranquilizadora desse projeto: os personagens heroicos realizam-se ao se tornarem pais simbólicos ou verdadeiros (...)” (8)

Aos olhos dos intelectuais fascistas
italianos,   as   aventuras  na  África
e na guerra civil espanhola abriram
novos horizontes, que lhes permitiu
 confirmar  seu  papel de defensores 
dos  empreendimentos  fascistas  (9)

Através de seu Super-Homem heroico, o Fascismo empregou um mecanismo de consolação que resolve as contradições e problemas (aqueles da nação e aqueles do casal ou relacionamentos), restaurando magicamente a honra da nação. É isso que na opinião de Maillart justifica a utilização sistemática de representações enganadoras: romanidade e o imaginário da antiguidade, a ideia da cruzada, grandeza épica conferida pelas aventuras na África, etc. Mecanismo esse que só trabalha como ficção, servindo a um regime que é uma ficção ele mesmo. Assim Maillart define a operação da ficção da ficção (enquanto finge que não é de mentira). Enquanto tal, Maillart insiste, o cinema “fascista” (ou a parte da produção cinematográfica mais obviamente propagandística) corresponde esteticamente ao regime de Mussolini, assim como a arte kitsch foi feita por e para o povo kitsch:

“Como na famosa análise de Hermann Broch: ‘’Ademais, não falo exatamente de arte, mas sobre um estilo de vida em particular. Porque o kitsch não emergiria nem sobreviveria se não existisse nenhum kitschmensch [povo-kitsch] para amá-lo, para produzi-lo e comprá-lo, e que até pagaria um alto preço por ele. Arte, em seu sentido mais geral, é sempre o reflexo do homem numa época específica e quando arte chamativa [arte kitsch] é enganosa – como é muitas vezes, e legitimamente, descrita – a culpa recairá sobre o homem que necessita desse espelho de embelezamento ilusório para se reconhecer e, em certa medida com sincera satisfação, para identificar-se com essas mentiras” (10)

Para Maillart, essa “arte fascista” produz um efeito de espetáculo e fascinação que faz desaparecer a realidade e os conflitos, ainda que superficialmente pareça mostrar mais da história contemporânea do que os filmes “telefone branco”, típicos do Fascismo italiano. Tal cinema, encorajado pelo regime, pretende oferecer um universo heroico que poderia reviver os valores épicos da Roma Imperial, além de expressar o que alguns acreditam ser a agitada e belicosa essência do regime. Como fica claro no artigo escrito por um jornalista fascista, Mino Doletti, publicado em 10 de julho de 1940:

“Entre as novidades da guerra, existe mobilização total – material e espiritual – do cinematógrafo (e uma vez que o cinematógrafo é a arma mais forte – isso também foi dito por Mussolini – não existe outro meio num chamado para a luta, para que todos possam ter o privilégio de agir e dar alguma coisa). ... O cinema italiano deve ilustrar nossa irresistível ascensão, da mesma forma como o cinema francês expõe a decadência catastrófica de seu povo” (11)


A  última  contribuição à propaganda de guerra  fascista
 foram  três  filmes  de  Rossellini,  La Nave Bianca  (1941), 
Un Pilota Ritorna (1942) e L’Uomo della Croce (1943) (12)

No final, Maillart observa que é apenas o melodrama que sobra dessa estética da consolação. Em Odessa in Fiamme, cujo objetivo é glorificar um episódio específico (a reconquista de Odessa pelo exército fascista durante a Segunda Guerra Mundial), propõe uma história que salienta o melodrama (com sua heroína cantora de ópera e trechos de Wagner e Puccini), e tende a desviar a atenção em relação a uma realidade distante e desapontadora (as vitórias na frente oriental durante a Segunda Guerra Mundial foram breves em sua maioria). Como ironizou Alberto Farassino, neste filme novamente o melodrama salvou a Itália, ou pelo menos o que sobrou para salvar. Na mistura entre ficção confortante e realidade, Maillart conclui que a propaganda não esconde mais seus esforços para desviar do real e se comportar como ficção. Em sua opinião, isso consagra o propósito essencialmente tragicômico da aventura fascista, assim como Walter Benjamin a descreveu um ano antes de sua morte, em seu ensaio a respeito da obra de arte na época da reprodução mecânica: “A humanidade, que no tempo de Homero era objeto de contemplação para os deuses do Olimpo, o é agora para si mesma. Sua auto alienação alcançou tal grau que é capaz de experimentar sua própria destruição enquanto um prazer estético de primeira classe” (13). No pós-guerra, o cinema neorrealista até que tentou buscar reconstruir a identidade nacional, mas a cisão com a cultura do consolo não ocorreu, logo voltando a ser instigada por Giulio Andreotti e outros a partir da década de 1950. Filmes oferecendo uma romanidade consolatória, bastante reconfortante, florescem novamente.

“Cultura, cultura reconfortante e, na verdade, parcialmente responsável pela aventura fascista. O período pós-guerra propiciaria a artistas como Visconti ou Pavese, Rossellini ou Vittorini, a ocasião para examinar criticamente o que foi a cultura fascista (incluindo a cultura popular e os filmes de aventura), apoiados na vontade de criar uma nova cultura, e, portanto, acompanhar a possibilidade de renovação política. O modelo épico e heroico empregado para cantar as vitórias sonhadas de um Império ‘Romano’ foi repudiada em favor de um universo anti épico que tornou possível paisagens de destruição e os derrotados – historicamente derrotados como os pescadores em A Terra Treme (La Terra Trema – Episodio del Mare, direção Luchino Visconti, 1948), e os alemães em Alemanha Ano Zero (Germania Anno Zero, direção Roberto Rossellini, 1948), ou socialmente derrotados, como os personagens de De Sica em Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette, 1948), e Umberto D (1952). A Roma Imperial ilusória de Gallone, Genina e Alessandrini cedeu lugar à Roma em ruínas de Roberto Rossellini” (14)

Leia também:


Notas:

1. MAILLART, Olivier. Epic Consolation: The Fascist Adventure Film. In: WRIGLEY, Richard (Ed.). Cinematic Rome. Leicester: Troubador Publishing Ltd., 2008. Pp. 1-10, 10n6, 11n12, 11n16, 12n24.
2. Idem, p. 2.
3. Ibidem p. 3.
4. RICCI, Steven. Cinema & Fascism. Italian Film and Society, 1922-1943. Berkeley: University of California Press, 2008. P. 87.
5. BRUNETTA, Gian Piero. The History of Italian Cinema. A Guide to Italian Film from its Origins to the Twenty-First Century. Princeton, EUA: Princeton University Press, 2009.  Pp. 91-2.
6. MAILLART, O. Op. Cit., p. 7.
7. Idem, p. 11n16.
8. Ibidem p. 8.
9. BRUNETTA, G. Op. Cit., p. 92.
10. MAILLART, O. Op. Cit., p. 11n19.
11. Idem, pp. 11-12n20.
12. BRUNETTA, G. Op. Cit., p. 93.
13. MAILLART, O. Op. Cit., p. 9.
14. Ibidem p. 10.

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