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Roberto Acioli de Oliveira

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8 de jul. de 2008

As Mulheres de Federico Fellini (IV)

Anita Ekberg

“E  agora,  vou  me
despir  aqui,  na  sua  frente.
Não   era   isso   que   desejava?
Vamos  começar  logo.  Olhe meus
braç
os  nus.  Posso  abraçar  10  mil
homens. E apertá-los assim. Quando
mexo  uma  coxa  ficam  conten
tes.
Se  fecho  um
  pouco  os olhos, e
fico ass
im,  sinto  um  grande 
prazer   nas   costas...”

Anita para Mazuolo

Tudo Que Giulietta Masina Não Era

Giulietta Masina encarnou algumas das louras mais doces de Fellini. Seja como Melina em Mulheres e Luzes (Luci del Varietà, 1950), que permanece verdadeira para si mesma e para os outros. Ou Gelsomina, a singela criatura vendida pela mãe em A Estrada da Vida (La Strada, 1954). Ou Iris, a honestíssima mulher de um trambiqueiro em A Trapaça (Il Bidone, 1955). Ou ainda Cabíria, a prostituta sofredora de Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, 1957). As louras de Masina são criaturas nobres e indefesas – talvez exatamente por sua nobreza. É como se Fellini pretendesse sugerir que existem louras e loiras, ou que toda loura tem pelo menos duas facetas: da mulher doce e compreensiva à também doce, porém fútil e burra, mulher fatal. Talvez seja apenas uma coincidência que o tipo doce, consciente e compreensivo tenha tido papéis reservados à sua esposa, Giulietta Masina.

Poderíamos dizer que existe ainda outra variação a partir da matriz mulher loura-mulher fatal. Refiro-me à Susy, a desinibida vizinha loura da reprimida morena Julieta, em Julieta dos Espíritos (Giulietta Degli Spirit, 1965) - neste filme, Giulietta Masina interpreta a morena. Entretanto, Susy difere de sua matriz por seu comportamento sexualizado. A matriz a qual me refiro é uma loura gigantesca. Apesar do corpo escultural, Fellini não insere nesta personagem os elementos presentes em Susy. Ele preferiu então articular à sensualidade um comportamento inocente, beirando a infantilidade. O que não quer dizer nada, pois Fellini parecia venerá-la.




A Miss Suécia de 1951 foi fabricada enquanto atriz em Hollywood, participou de comédias representando o papel da mulher grande, fútil e loura (verdadeira); o tipo de personagem que transformou Marilyn Monroe em clichê – e o cúmulo da ironia é que Marilyn era morena. Ela tinha essa característica física a mais que chamava atenção, seu tamanho parecia não parar de aumentar – incluindo seu busto. Fellini selecionou esta mulher para seu elenco não por seu talento como atriz, mas por personificar uma beleza nórdica que os italianos identificavam com as atrizes de Hollywood. O cineasta inclusive a fez confessar através da boca de sua personagem que seu talento era seu busto. Ela era a prova real daquilo que, no final da década de 50 do século 20, os italianos chamavam maggiorata, a doce menina ou a mulher viçosa. Na Itália, essa moda produziu estrelas como Sophia Loren, Sylva Koscina, Gina Lollobrigida e Silvana Mangano (1).

O Eterno Feminino



Anita Ekberg, ou Sylvia, era a representação felliniana do eterno feminino. O lugar da beleza nórdica de Sylvia em A Doce Vida (La Dolce Vita, 1959) não é casual. Fellini conta que a Itália era um ponto de veraneio favorito para os turistas do norte da Europa. Entre suas lembranças de infância em Rimini, refere-se às apostas entre os homens para ver qual seduziria as belezas nórdicas hospedadas no Grand Hotel. A beleza física de Anita Ekberg causou grande alvoroço, não apenas nos homens que faziam fila na porta dos cinemas para ver o filme, mas o próprio Fellini ficou deveras impressionado. Ele disse em 1983 que quando os jornalistas mencionavam A Doce Vida...

“(...) Respondia direto, como em testes de associação de palavras: Anita Ekberg! Vinte e cinco anos após o filme, seu título, sua imagem, ainda é inseparável de Anita. Eu a vi pela primeira vez numa fotografia de página inteira numa revista americana: uma pantera poderosa representando a menina travessa, montada no corrimão de uma escada. ‘Meu deus’ – eu pensei – ‘não me deixem encontrá-la! ’ Este sentido do maravilhoso, de um estupor hipnótico, da incredulidade que se sente ao encontrar criaturas excepcionais como a girafa, o elefante, a árvore baobá, eu senti novamente vários anos depois, quando a vi caminhando em minha direção no jardim do Hôtel de la Ville... Eu parecia estar descobrindo a realidade platônica das coisas, dos elementos; num total estupor murmurei para mim mesmo: ‘Ah, isso são orelhas, lá são gengivas, isso é pele humana’ “ . (2)

Quando trabalhava em seu filme seguinte, Fellini 8 ½ (8 ½, 1963), Fellini colocou um aviso na câmera que dizia, “lembre-se que este é um filme cômico”. A comicidade presente nos filmes do cineasta é muitas vezes esquecida nas discussões a respeito do imaginário felliniano. É justamente por conta dessa estrutura cômica que permeia a obra de Fellini que ele se permite não fazer julgamentos morais sobre os personagens que criou. Onde uns vêem decadência e corrupção em A Doce Vida, Fellini se fascina com a energia vital de seus protagonistas, absolvendo-os da culpa por seus infortúnios. Uma estrutura cômica também permeia a porção de A Doce Vida que gira em torno de Sylvia (3).

Além de informar uma série de funções simbólicas que perpassam todo o filme, Sylvia também é uma atriz superficial e de cabeça vazia, que deixa transparecer ignorância e ingenuidade em suas entrevistas. O assédio dos paparazzi não procura nada em sua pessoa que tenha real importância. A seqüência da chegada de Sylvia ao aeroporto de Roma estabelece já o clima cômico da visão de Fellini a respeito do mundo do cinema – que é o seu próprio. Assim que ela, jogando beijos, termina de descer a escada do avião, os fotógrafos lhe pedem que repita a descida. Ela só tira o sorriso do rosto quando sugerem que ela retire os óculos escuros - Fellini gosta de mostrar esse hábito dos óculos escuros, parece uma espécie de epidemia de esconde-esconde. Seu produtor chega com uma pizza para ela comer e ser fotografada, enquanto isso um locutor narra o evento: "Mostrando dentes lindos. A bela Sylvia morde o típico produto italiano". (imagem abaixo, à esquerda)




A entrevista que ela concede ao chegar ao hotel é cheia de clichês e uma paródia das que Marilyn Monroe protagonizou; como quando ela diz que não dorme de pijama, mas com duas gotas de perfume. Alguém pergunta o que ela acha da Nouvelle Vague, antes que ela possa responder aparece em primeiro plano um homem com um bigode vitoriano caricato saudando a mesa de comida, “bem vinda, bem vinda”. Fellini aproveita para alfinetar seus críticos, em certo momento alguém pergunta se ela acha que o neo-realismo italiano está morto. Antes que ela possa responder (de novo), seu interprete sussurra, “diga vivo”; então ela repete e a imprensa aplaude. Quando perguntada do que mais gosta, ela cita três coisas: “amor, amor, amor”. Quando querem saber por que Sylvia faz cinema, ela responde: “porque descobriram que eu tenho um GRANDE talento” (4). (imagens acima, à direita)

Na próxima seqüência, com uma roupa que imita as vestes de um padre, ela segue para uma corrida pelas escadas do Vaticano dizendo que tem que contar para Marilyn Monroe como aquilo é bom para perder peso. Já no topo, Fellini mostra Sylvia aparentemente interessada em Marcello, pois pára de rir e falar e retira os óculos escuros dele, fixando seu olhar por alguns segundos. Em referência à paisagem, ela confunde Roma com Florença – numa comparação, um pouco exagerada para alguns, isso equivaleria a confundir, como foi o caso do ex-presidente norte-americano Ronald Reagan tempos atrás, o Brasil com a Bolívia.

A seqüência seguinte mostra os dois dançando agarradinhos (acima, à esquerda). Ele está que não se agüenta, totalmente rendido pela beleza da mulher. Ele já está naquele ponto em que se começa a dizer qualquer coisa ridícula, contanto que supervalorize a mulher. Seu comportamento frívolo vai a ponto de manter uma namorada ciumenta (porque insegura) que ele ao mesmo tempo despreza. Seu interesse patético por Sylvia vem logo após ter encontrado Emma quase morta numa tentativa de suicídio.

A testa dele mostra rugas de sofrimento e preocupação com a postura distante da bomba nórdica. Então ele diz a ela (que não entende uma palavra de italiano)... “Você é demais, Sylvia. Sabe que é demais? Você é tudo, tudo! É a primeira mulher do início da criação. A mãe, irmã, amante, amiga, anjo, demônio, terra, casa. Eis o que você é: a casa. Por que veio aqui? Volte para a América, por favor. O que eu faço agora?” Eis que chega um amigo espalhafatoso (que tem o rosto de um sátiro das estátuas da Roma Antiga) dela e Marcello se retira diplomaticamente, enquanto o ritmo muda para um tchá tchá tchá balançante – o marido-amante dela também olha desconfiado para o intruso, embora a despreze publicamente. Após uma longa seqüência de dança, Sylvia se aproxima de Marcello e, ainda dançando, fuzila: “adeus, tesouro”.

Mulheres Fatais (Mas sem Filhos)



Esse estilo mulher fatal faz lembrar outro elemento presente em muitos filmes de Fellini, a falta de filhos ou filhas. Claro que existem muitas mães em seus filmes, porém as mulheres que protagonizam papéis sensuais parecem ser reservadas para cuidar dos homens. Sylvia não é exceção, ela não tem filhos, a exuberância de seus seios parece estar direcionada apenas aos pretensos conquistadores italianos. Em princípio, parece haver uma barreira entre mães e mulheres sensuais. A não ser que consideremos mesmo a hipótese da infantilização do homem italiano, sedento pelo leite dos seios fartos. Aliás, no média metragem de Fellini As Tentações do Doutor Antônio (Le Tentazioni del Dottor Antonio, 1962) é exatamente isso que temos, Sylvia (e seu “talento”) reaparecem num outdoor fazendo propaganda de leite. (imagem acima)


Alguém poderia sugerir que este detalhe da ausência de maternidade no perfil de Sylvia a coloca mais do lado da cultura do que da natureza. Depois da dança e do esculacho que ela leva do marido bêbado, saem pelas ruas de Roma à noite. Por ali, ela começa a uivar em resposta a um cão, daí todos os outros cães respondem em coro. Em seguida, ela encontra um gatinho abandonado e manda Marcello em busca de leite. Quando volta, encontra Sylvia caminhando pela água na famosa seqüência na Fontana di Trevi. É como se ela tivesse uma energia natural ausente nos outros personagens. Já é manhã quando chegam ao hotel onde ela está hospedada. O marido bêbado acerta um soco em Marcello. Aqui termina a participação de Anita Ekberg no filme. Nesse pequeno número de seqüências cômicas (são oito girando em torno da loura), Fellini mostra uma mulher superficial e o tipo de homem que ela atraiu: um Marcello frívolo, tolo, insensato e desiludido (5).


Na verdade, Ekberg já havia entrado na Fontana de Trevi antes do filme. Esse fato foi fotografado por um paparazzo, que ganhou muito dinheiro com a imagem. A diferença é que nessa primeira vez era no calor do mês de agosto, mas nas temperaturas congelantes de janeiro. Ainda assim, a reprodução do evento por Fellini ultrapassa o simples caso da arte imitando a vida. Ele transformou esta cena no símbolo da inocência e da pureza femininas, justapostas a um mundo de corrupção e decadência. Uma cena que passou a ser considerada a imagem simbólica do cinema do pós-guerra. O paradoxo do papel de Sylvia em A Doce Vida é que de como símbolo de sexual no estilo maggiorata torna-se um imagem da inocência e da pureza no mundo felliniano, tanto quanto Paola, a menina cujo sorriso conclui o filme (6).

Sylvia se metamorfoseia constantemente nas oito seqüências ou eventos em que ela aparece no filme. A gata sexy mostrando seu “talento” na conferência com a imprensa se transforma numa garotinha admirada com a catedral de São Pedro (ainda que confunda Roma com Florença). Então ela se torna uma dançarina frenética com seu amigo com cara de sátiro e um guitarrista imitando Elvis Presley. Após uivar para a lua com os cães, ela se torna uma menininha inocente que quer salvar um gatinho perdido. Finalmente, ela se torna uma ninfa emergindo das águas da Fontana di Trevi. Após tudo isso, quando ela volta para o hotel com Marcello (que vai levar um soco do marido-amante bêbado dela), vê-se uma mulher (que vai levar um tapa na cara) apaixonada por um patife a ponto de se deixar humilhar publicamente para não perdê-lo (7).

Anita e Fellini Contra os Moralistas Delirantes



Fellini traz Anita de volta em As Tentações do Doutor Antônio. A justificativa genérica dos críticos para esse filme é de que o cineasta pretendeu dar uma resposta às críticas moralistas que A Doce Vida havia sofrido. Entretanto, o filme também reflete o crescente interesse de Fellini em relação à psicanálise (de Carl Jung) e aos sonhos - esse interesse fica bem aparente também em Fellini 8 ½ e Julieta dos Espíritos (8). O elemento irracional que povoa os sonhos inspira Fellini a explorar o lado ilógico do ser humano. O filme, que segue uma estrutura cômica hilariante, apresenta o doutor Antônio Mazuolo, um puritano que fica obcecado com um outdoor que incentiva o hábito de beber leite. A garota propaganda é uma enorme Anita Ekberg deitada, com um copo de leite na mão e um decote que deixa visível seu “talento”. Nos delírios de Mazuolo ela adquire vida real (em tamanho gigante) e o atormenta com sua beleza e sensualidade. Certa noite ele sai para averiguar o cartaz. Todo o tempo ele oscila entre amaldiçoá-la e declarar seu amor por ela. Em certo momento, ela fica do tamanho dele e tenta conversar...


Mazuolo – Não me toque
Anita – Quero um beijo, vamos.
Mazuolo – Nunca beijo. O que está pedindo?
Anita – Está zangado comigo?
Mazuolo – Gostaria de poder crer, do fundo do
coração, que ainda há algo de bom em você. Talvez ainda não se tenha de todo perdida. Espero! Poderia te ajudar a sair do lodo.
Anita – Lodo?


Mazuolo – Sim. Posso fazê-lo. Estou disposto a fazê-lo, sabe? Estou pronto a dedicar minha existência para te redimir. Você precisa de mim, de alguém. Será muito bom, muito bom, como irmãos. Recusa? Recusa a salvação? Fique comigo, fique para sempre. Quanto quer? Dou tudo o que quiser. Você é bonita demais (9) para ser ruim. Fique comigo.
Anita – Para sempre?
Mazuolo – Sim, para sempre.

Anita – Que chato! Se quiser, talvez uma semana.


Mazuolo – Ó Deus! Meu Deus, o que eu fiz? Pobre de mim! Para o cartaz do leite! É esse seu lugar. Guardas! Brigada dos bons costumes! Com as vadias. Guardas! Brigada do bom... Ah! Ah! Não tem ninguém? Gente!
Anita – Está me machucando.



Mazuolo – Sim, quero te machucar.
Anita – Ah! Sim. [então Anita se torna gigante novamente]
Mazuolo – Você, Sodoma e Gomorra!
Anita – Já me cansei de você, formiguinha (...)



Então ela começa a provocá-lo com um strip-tease. No final, pela manhã, uma ambulância do hospital psiquiátrico vem retirar Mazuolo, que está agarrado ao grande outdoor. Durante a seqüência (do diálogo entre ele e ela exposto acima) pode-se ver um toque da pintura metafísica de Giorgio De Chirico, praças desertas e arquitetura art deco. Percebemos também a tendência platônica de Mazuolo quando diz que ela é bonita demais para ser ruim. Platão dizia que o Belo e o Bem estão ligados.


Poderíamos especular se atrizes como Marilyn Monroe e Anita Ekberg contribuiriam para o cinema caso não tivessem sido vitimadas/induzidas a trabalhar em função do rótulo de “loura burra”. A década de 60 do século 20 assistiu a explosão do Movimento Feminista, que pretendia virar a mesa e resgatar a mulher desses papéis (sociais e cinematográficos) subalternos. Em Cidade das Mulheres (1980), sem a presença de Ekberg/Sylvia, Fellini abordou o assunto mostrando as limitações das duas partes (tanto masculina quanto feminina). De um lado, um homem meio atordoado não consegue compreender a lógica em torno da qual se constroem os discursos das mulheres na convenção feminista em torno da qual gira o filme. Do outro lado (literalmente), como num campo de batalha, o discurso feminista acaba reproduzindo uma atitude machista ao inverso.



Ao final e ao cabo, o estereótipo da loura burra sobrevive como o efeito colateral de um feminismo que no geral limitou-se a fomentar uma “guerra dos sexos” que nada de produtivo gera senão mais divisão. Trata-se da demonstração, também pelas mulheres, da incapacidade de formulação de um projeto de vida em comum com o outro. Afinal de contas, de que adianta mulheres informadas sobre sua condição feminina, se na hora de se relacionar com os homens elas reproduzem os mesmos comportamentos agressivos e estereotipados dos quais se dizem vítimas?

O Cinema é Uma Mulher  


a sedução, no estado puro, parece que não se  encontra
no teatro ou em outras formas de arte.  No cinema persiste
uma contraditória realidade/irrealidade que se põe sempre
a uma certa distância,  embora se fazendo invasiva,  satisfaz
 e junto deixa saudades;  algo  de  perdido  por  reencontrar, 
algo que se subtrai, e que se persegue. O cinema, enquanto
sedução irresistível, é algo feminino, na sua essência (10)


O cinema é mulher, essa era a opinião de Fellini. Anita fará outra aparição em Entrevista (Intervista, 1987), quando Fellini e Marcello Mastroianni visitam a casa dela; vestido de Mandrake, Marcello invoca a famosa cena na Fontana di Trevi. Anita Ekberg/Sylvia foi mais um dos personagens de sonho que Fellini materializou a partir da matéria prima do cinema – a imaterialidade da luz.

A Doce Vida mostra uma Sylvia superficial (imagens abaixo nas pontas, ao centro em momento de descontração durante as filmagens). Entretanto, antes de criticar seus defeitos, deveríamos admirar (e almejar) essa capacidade, que somente os ingênuos possuem, de expor-se radicalmente – analisando por esse ângulo, Sylvia ofereceu-se como um bom espelho para homens e mulheres. Essa característica de ingenuidade é compartilhada pelas personagens (louras) de Giulietta Masina. A questão é que Sylvia parece se refugiar da dor no comportamento superficial, enquanto Melina, Gelsomina e Iris padecem seu sofrimento - são mais estóicas em certa medida. A expansiva Sylvia, que neutraliza sua ingenuidade através da síndrome da leveza (11), vive entre sonhos e pesadelos. (*) 



Notas:

1. BONDANELLA, Peter. The Films of Federico Fellini. UK: Cambridge University Press, 2002. P. 91.
2. Idem, pp. 81-2.
3. Ibidem, p. 82.
4. Ibidem, p. 86. Existe uma pequena diferença na transcrição dos diálogos entre o livro de Bondanella e o dvd de A Doce Vida, lançado no Brasil pela distribuidora Versátil Home Vídeo.
5. Ibidem, p. 90.
6. Ibidem, p. 92.
7. Ibidem, p. 91.
8. Ibidem, p. 27.
9. No dvd, ele diz que ela é “demasiado bonita”. Substitui por “bonita demais”, acreditando que desta forma o texto se torna mais claro.
10. MARTINS, Luiz Renato. Conflito e Interpretação em Fellini: Construção da Perspectiva do Público. SP: Edusp, 1993. P. 119, n.5.
11. Pier Paolo Pasolini, outro cineasta italiano, lutava na década de 60 do século 20 contra um pragmatismo burguês que procurava (ainda procura? Ou ainda precisa procurar?) apagar as memórias, as lembranças e as contradições, tornando-as inócuas, prontas para as massas (e seu consumismo bovino). Todos ficam calmos e entretidos enquanto estão consumindo; até ao minuto seguinte, quando o vazio de sentido pede mais uma dose, um comprimido, um cigarro, comida, etc. O importante é esquecer (e esquecer-se de si; e de preferência esquecer-se que esqueceu), procedimento chave do infantilismo contemporâneo. “O que, aliás, não é muito diferente do raciocínio de muitos – pós-modernos ou não – que recusam o passado, já que não tê-lo torna mais leve o presente – a síndrome da leveza -, uma dádiva reservada só às crianças” (AMOROSO, Maria Betânia. Pier Paolo Pasolini. São Paulo: Cosac & Naify, P. 116).

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