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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

18 de nov. de 2008

Bertolucci e a Psicanálise: O Conformista (final)



“Vou construir uma vida normal. Vou me casar com uma pequeno- 
burguesa...  Medíocre.  Cheia  de  idéias  mesquinhas,  de  pequenas
 ambições  mesquinhas.  Sim,  toda cama e cozinha.  A normalidade. 
Pretendo   construir  a  minha   normalidade,   mas  não  será  fácil”

Marcello ao padre no confessionário


Para Ser Igual a Todo Mundo...

Os flashbacks da infância de Marcello são apresentados por Bertolucci na cena da confissão, ela própria um flashback. Antes de se casar com Giulia, ele deve confessar-se com o padre. Marcello vê esta tarefa como a missão de um homem normal. Então ele se lembra de uma vez que seus colegas de escola tentaram tirar sua bermuda. Lino chega com o carro preto luxuoso da família para levá-lo para casa. Ela está situada uma colina de Roma, de onde se pode ver a cidade por cima. Continuando o flashback, vemos Lino e o pequeno Marcello brincando, quando acabam no quarto do motorista. Lino tira o quepe e deixa o garoto ver seu cabelo cumprido que sempre fora escondido.


Lino diz que tem um quimono como o de Madame Butterfly. Perfuma-se e estica-se na cama que tem um crucifixo na parede sobre sua cabeça, então coloca entre as pernas a arma que havia prometido ao jovem Marcello de 13 anos (imagem ao lado). Marcello sobe pelo homem, acaricia seu cabelo e o beija. É Lino que sugere a Marcello que pegue a arma e o mate. E Marcello o faz – ou pensa que fez, pois saiu correndo sem saber do desfecho de sua ação. Ele coloca a arma na mão de Lino antes de sair. A cena estabelece tanto a homossexualidade quanto a crueldade de Marcello, além de indicar sua futura escolha política.



Voltamos ao casamento de Marcello, através do qual ele pretende estabelecer uma “impressão de normalidade”, conformando-se a um mundo hostil a partir daquilo que ele acha que é correto. Claretta Tonetti nos lembra como Marcello, no confessionário, admite que sua intenção seja casar-se para atingir a normalidade. No começo do filme Ítalo (imagem ao lado), seu amigo radialista e ideólogo fascista, havia perguntado o que espera do casamento. “A impressão de normalidade”, Marcello responde. “Quando eu olho para mim no espelho”, Marcello comenta, “eu penso que minha imagem é diferente de todo mundo”.



Ao que Ítalo responde, “eu não compreendo você. Todo mundo quer ser diferente, e você quer ser igual a todo mundo” (1). Marcello pergunta a Ítalo o que ele considera um comportamento normal. Um homem normal, responde Ítalo, vira-se para olhar as nádegas de uma mulher bela depois que ela passa, mas o homem não deve ultrapassar esse ponto. Um homem assim, afirma Ítalo, fica contente em estar junto de iguais e desconfia dos diferentes, gosta de praias lotadas, futebol e dos bares. É um verdadeiro irmão, um verdadeiro cidadão, um verdadeiro patriota. "Um verdadeiro Fascista", completa Marcello.



Essa resposta faz lembrar da atitude dos homens de Roma retratados em Os Italianos se Viram, dirigido por Alberto Lattuada, e parte da coletânea O Amor na Cidade (Gli Italiani si Voltano em Amore in Città, 1953). É o que vemos o tempo todo nessa pequena pérola: as mulheres passam e os homens avaliam o material compulsivamente. Mas de repente, um desses homens começa a encarar uma mulher no ônibus de forma indiscreta demais. Ela salta e ele vai atrás, a mulher se mostra bastante incomodada e visivelmente impotente, pois já não sabe o que fazer. Ela entra em um prédio e só então o homem desiste. Um filme que começa com uma atmosfera leve, ainda que já machista, acaba tomando a direção de um filme digno de Hitchcock (inclusive a trilha musical até acaba).

O comentário de Ítalo talvez tenha servido como um alerta para Marcello, que tem uma tendência a vigiar os outros (daí sua carreira na polícia secreta de Mussolini) e depois virar-se contra eles (como faz com o casal Quadri e com o próprio Ítalo). O que não dá para concluir se chega a ser um ponto positivo para Marcello é o fato de que ele não conseguiu matar os Quadri, limitando-se a assistir execução. Irritado, Manganiello resmunga, "faça-me trabalhar na merda, mas não com um covarde. Se depender de mim, covardes, homossexuais e judeus, são todos a mesma coisa. Se dependesse de mim eu colocaria todos contra o muro. Melhor ainda, eu os eliminaria assim que nascessem".

O Novo Homem Italiano

As roupas de Marcello parecem criar uma armadura em volta dele, ele tem uma aparência rígida e seus movimentos são tensos como se fossem calibrados por um mecanismo. Passadas rápidas, giros repentinos, gestos bruscos carregados de violência reprimida. Estas são as características de Marcello que, quando rodeado por pessoas felizes como na seqüência do salão de dança em Paris (onde Anna e Giulia dançam um tango sensual juntas), se protege contra o contato físico pressionando seus braços contra o tórax como uma criança medrosa. (imagem ao lado, Anna e Giulia dançam tango sob os olhares de todos no salão)



Pouco antes da seqüência do salão de dança, quando Marcello, Giulia e os Quadri estavam no restaurante japonês, o professor deixa claro que sabe que Marcello é fascista. Pergunta a Marcello se é ele o "novo homem italiano" (fascista e sem senso de humor). Marcello responde que não, mas que o Fascismo está construindo esse novo homem. No início da seqüência da dança, os dois homens estão sentados. Vemos uma foto de O Gordo e O Magro no vidro, atrás de Marcello. Para Angelo Restivo, essa imagem mostra os dois e suas intrigas políticas meio ridículas, se as comparamos aos jogos sensuais entre Anna e Giulia (2).



As emoções de Marcello vêm à superfície de forma sádica: atormenta seu pai mentalmente doente, dá uma surra no amante de sua mãe através dos punhos de Manganiello. Além disso, quando ainda está no trem para Paris com Giulia e ela confessa que perdeu a virgindade antes do casamento com ele, Marcello vai imitando os toques do tio que a seduziu enquanto ela descreve o que ele fazia. Até mesmo com Anna, que se tornou sua amante, ele é violento. Mas o filme não chega a costurar esses elementos em um todo coerente, Bertolucci deixa ao espectador a tarefa de encontrar o motivo dos impulsos devastadores de Marcello.

A Parceira do Corpo



Marcello está consciente de um sentimento doloroso profundo. 
Ele é como um fio de alta tensão no qual passa uma carga
de eletricidade que independe de sua vontade e que
possui sempre placa avisando: “Cuidado: Perigo”



Marcello é capaz de encontrar referências na poesia, recita para Giulia algumas linhas do poeta italiano Gabriele D’Annunzio (considerado um dos precursores dos ideais fascistas), especificamente A Chuva em Pineto: “A chuva cai de nuvens esparsas... Cai em nossas mãos nuas... Cai na atraente fábula que ontem enganou a mim e hoje engana você, Ermione”. Mas Giulia responde com um bocejo. Ou ela é tão ignorante quanto Marcello imagina, ou não sofre de angústia existencial. (imagem ao lado, aparentemente sem criatividade com mulheres, Marcello repete os toques do tio que havia seduzido Giulia enquanto ela os descreve)



Marcello é diferente, no livro ele não ri, enquanto no filme ele o faz apenas inoportunamente (enquanto vai ao encontro do casal Quadri para matá-los, Marcello cochila e acorda sorridente: sonhou que Anna o amava) (imagem ao lado). No restaurante japonês Anna pergunta a Giulia se ela já viu seu marido rir. Ela responde que não, mas acha normal. No texto de Moravia, como afirma ele mesmo, Marcello está consciente de um sentimento doloroso profundo. Ele é como um fio de alta tensão no qual passa uma carga de eletricidade que independe de sua vontade, e que possui sempre uma placa avisando: “Cuidado: Perigo”.



Mais adiante, os versos em latim que Marcello recita quando está na perseguição de carro para matar os Quadri talvez sejam para Anna, ou, para ele mesmo: “alma que vaga e seduz, visita e parceira do corpo, agora pálida, rígida e nua, você irá vagar no vazio e não será mais engraçada”. Os versos do imperador romano Adriano, e falam da fraqueza de espírito da vida humana e a comunhão vulnerável da alma com o corpo. Porém, o conformista não tem de morrer para que sua alma tenha uma descrição triste, pois seu próprio destino é a melancolia. “Matança e melancolia”, como repetia o pai de Marcello no manicômio.



Marcello não demonstra pena do pai. No que parece ser um anfiteatro, ele e sua mãe tentam falar com o velho, que não pára de escrever e repetir aquela frase. Marcello faz perguntas sobre o passado político de seu pai: você torturou? Você matou? Aparentemente cheio de remorso, o velho se afasta e se oferece ao enfermeiro para que lhe vista com a camisa de força (Curiosamente, a camisa de força é preta, a mesma cor do Partido Fascista, cujos correligionários eram conhecidos como "camisas negras") (imagem acima, à direita) (3). Quando foi com a mãe visitar seu pai para comunicar sobre seu casamento, Marcello pega o papel onde o velho escrevia um texto que termina com as palavras “matança e melancolia”. Então mostra para sua mãe e diz sarcasticamente: “seja, o anuncio do casamento”. Em sua existência, Marcello gira em torno de um desejo de agradar sucessivos pais substitutos, sendo rejeitado por seu pai verdadeiro. Juntamente com isso, a questão do sentimento de fraqueza causado pelo encontro homossexual casual com Lino no passado distante que motiva sua busca pela “normalidade” no presente (4).

Um Mundo Surreal 


“Se o Estado não se modelar à imagem do indivíduo, 
como o indivíduo poderá se modelar à imagem
 do Estado?Etc. Etc. Matança e melancolia”

palavras do pai de Marcello no manicômio


No filme de Bertolucci, o único momento em que Marcello demonstra algum afeto é com uma prostituta na parada que o trem faz na cidade de Ventimiglia, a caminho da lua-de-mel em Paris. Ele se dirige a um bordel que esconde um quartel general da polícia secreta de Mussolini. Lá Manganiello parece gostar de fazer uma prostituta dizer que “é louca”. Quando ela se levanta do sofá e se aproxima dele, Marcello lhe abraça impulsivamente. Tanto nesta como na cena da visita ao pai no manicômio, tudo é branco. Uma imagem quase surrealista.


Lá no começo de tudo, quando Marcello visitou um Ministro fascista propondo um plano de espionar o professor Quadri, o político estava com uma amante no gabinete. Esta amante e a prostituta no bordel tem o mesmo rosto. Trata-se da mesma atriz que também faz o papel de Anna. Quando Marcello se defronta com aquele rosto pela terceira vez, ao ser apresentado a Anna Quadri, ele tem a sensação de um deja vu que o desconcerta durante todo o resto do filme (5). Bertolucci cria desta forma uma ligação entre os artistas reais e seus personagens de ficção. (imagem ao lado, sem hesitar, Marcello abraça a prostituta)



No bordel, Marcello encontra pinturas na parede (que Tonetti um tanto apressadamente considerou surrealistas), até que uma velhinha diz que ali não é um museu e que escolha logo uma prostituta. Após abraçar a prostituta com cara de Anna, Marcello encontra Raoul. Ele é o agente da polícia secreta que explicará à Marcello que sua missão não é mais espionar o professor Quadri, mas matá-lo. A mesa de Raoul parece uma colagem surrealista, com muitas nozes (talvez, uma dieta do sexo) espalhadas entre objetos típicos de escritório (imagem abaixo). Fornece um revolver a Marcello, que aponta para ele depois para sua própria cabeça.



O manicômio onde o pai de Marcello está internado, assim como o bordel de Ventimiglia, é apresentado numa luz branca surrealista. O quepe da prostituta, a mesa e a roupa de Raoul, a pose de Marcello com a arma, as pinturas... Tudo coloca o espectador em um nível surrealista de sonho. Este clima é alcançado por Bertolucci com momentos visuais obscuros e por usar a mesma atriz nos papeis de Anna, da amante do político fascista e da prostituta. A própria estrutura do filme, em flashback, mostra o que se tornou uma lembrança (memória) na mente de uma pessoa (Marcello) se recordando de algo: real, irreal, surreal... (6)



Do Mito da Caverna à Queda do Fascismo 

Marcello: “Imagine [...] uma caverna. Dentro, homens que lá viveram desde a infância, todos acorrentados e forçados a olhar para o fundo [dela]. Atrás deles, bem longe, a luz das chamas de uma fogueira. Entre o fogo e os prisioneiros, imagine uma parede baixa parecida com [um] palco onde um titereiro mostra suas marionetes. Agora tente imaginar alguns outros homens passando por trás daquela pequena parede carregando estátuas feitas de madeira e pedra...[...]
Professor: Não poderia ter me trazido melhor presente de Roma do que essas memórias, Clerici. Os prisioneiros acorrentados de Platão.
Marcello: E como se assemelham a nós.
Professor: O que eles vêem?
Marcello: O que vêem?
Professor: Você, que veio da Itália deveria saber por experiência.
Marcello: Vêem apenas as sombras que o fogo produz no fundo da caverna diante deles.
Professor: Sombras. O reflexo das coisas. Como [acontece] com vocês na Itália agora.
Marcello: Se aqueles prisioneiros estivessem livres e pudessem falar, eles não chamariam as sombras que vêem de realidade quando eram visões.
Professor: Sim, [...] as sombras da realidade. O Mito da Caverna”. (7)


Segundo Tonetti, a citação do Mito da Caverna não corresponderia à complexidade dos personagens do livro de Moravia. Platão aponta para uma neutralização das ambigüidades, mas os personagens de Moravia são mais ambíguos do que os do filme de Bertolucci. Alem disso, insiste Tonetti, todo o livro é mergulhado numa atmosfera de androginia (como com Giulia, que tivera relações sexuais com uma namorada durante a adolescência). O texto de Platão que melhor se encaixa no texto de Moravia é o Convivium.

“(...) Portanto, não é o espírito de A República, [o livro] que contém o Mito da Caverna, fluindo nas páginas de Moravia, mas a poesia de Convivium, onde Platão fala sobre amor, sexo e androginia. No começo dos tempos, o filósofo nos conta, os seres humanos eram um só. Eles eram chamados Amphoteroi. Circular na forma, eles procriavam acasalando com a terra. Cortando pela metade por Zeus, as partes separadas para sempre aspiram reconstruir a unidade original com a ajuda de Eros, o deus amigável e travesso que trata da antiga ferida e faz um de dois. Em certo nível, no Conformista de Moravia a antiga unidade parece ainda existir em cada indivíduo; feminilidade e masculinidade coexistem. Isso é o que Marcello não pode aceitar desde a hora que ele tentou camuflar a delicadeza de suas feições, procurando ser como todo mundo, não sabendo que ‘todo mundo’ é uma categoria abstrata, uma massa indefinida de pessoas com características genéricas, que se tornam secundárias em um indivíduo. Todas essas sutilezas estão ausentes do filme de Bertolucci” (8)


O comportamento do pai no manicômio parece ecoar o sentimento de culpa de Marcello em relação a Lino. Essa sensação mina sua racionalidade. É isso que faz com que diga ao padre no confessionário: “Eu confesso hoje pelo pecado que cometerei amanhã. Sangue lava sangue. Seja qual for o preço que a sociedade exige de mim, eu pagarei”. Quando Marcello reencontra Lino tudo isso aflora. Na noite da queda do Fascismo, Marcello sai por Roma com Ítalo. Enquanto caminham pelas arcadas do Coliseu, Marcello reconhece a voz de Lino. Aos gritos, acusa-o de pederastia e do assassinato o casal Quadri. Lino corre.



Ainda aos gritos, Marcello acusa Ítalo de ser fascista (o que ele de fato é assim como o próprio Marcello). Um grupo de manifestantes passa por entre eles. Depois disso, o silêncio volta ao Coliseu. Na seqüência seguinte, Marcello aparece sentado em um degrau ali mesmo, mas de costas para nós até que ele se vira e olha em nossa direção (uma metáfora?). No fundo do espaço, para onde ele de fato está olhando, um garoto de programa está deitado enquanto parece esperar por Marcello. Então, o filme tem um final aberto. (imagem ao lado, Marcello assiste ao duplo assassinato; acima, à direita, Anna aterrorizada)



Tonetti sugere três convergências no filme: escolha política, crueldade e homossexualidade. A falta de reação de Marcello à queda do Fascismo e sua maneira de lembrar a Ítalo de retirar o brasão Fascista do peito, sugere que sua relação com a política é fraca, motivada apenas pelo desejo de ser como todo mundo. A crueldade aflora no final, ao acusar Lino pela morte dos Quadri. A homossexualidade aflora quando Marcello, que concorda com um assassinato para se sentir parte do grupo, e que caça pessoas para não ser caçado pela memória da anormalidade, está prestes a tomar o lugar de Lino ao lado do garoto de programa.



Para Bertolucci, o final de um filme é a parte mais difícil. No caso de O Conformista, o abandono da narrativa tradicional é evidente. A narração sistemática da estória dá lugar a um desafio e um convite ao espectador, que deverá buscar sua própria interpretação (9). Na opinião de Claretta Tonetti, a evocação do Mito da Caverna encontra certo eco na cena final no Coliseu. As sombras dos manifestantes comemorando o fim da ditadura e carregando bandeiras são projetadas nas paredes daquele corredor do Coliseu, que é apresentado como um lugar onde as pessoas estão “acorrentadas” a seus vícios e comércios.



Nem chegamos a perceber que estamos no Coliseu, pois a câmera só olha para os lugares escondidos com fogueiras e grades que sugerem uma prisão. No filme de Bertolucci, a auto-descoberta de Marcello é mínima, ele ainda está rodeado por sombras refletidas na parede no fundo da caverna que se transformou sua vida (10). (nas duas imagens acima, um dos pontos altos do filme, acompanhamos a súplica de Anna por sua vida e o olhar gélido de Marcello. Abaixo, à direita, Giulia, "depois que o mundo caiu". Ou melhor, depois que Mussolini foi forçado a abdicar, depois que a Itália foi invadida pelos exércitos aliados, depois que ela foi forçada a dividir com uma família pobre o pequeno apartamento de classe média onde morava com a mãe, e depois que ela finalmente compreendeu o que Marcello havia feito em Paris durante a lua-de-mel. Na imagem seguinte, última cena do filme, vemos Marcello olhando para o garoto de programa, ou para nós...)


Para Tonetti, o Mito da Caverna traduz melhor as novas técnicas de edição que Bertolucci descobriu através de seu montador, Franco Arcalli, que mostrou que a montagem não é apenas um trabalho analítico, mas também um trabalho de descoberta dos segredos contidos na “barriga do filme”. No mito descrito por Platão, a iluminação vem quando saímos da caverna e vemos a realidade através da luz do sol, retornando então para compartilhar o conhecimento com aqueles que ainda estão acorrentados. No processo de edição de um filme, as seqüências de imagens podem ser recombinadas e adquirir novo significado.



Bertolucci faz extensivo uso de flashbacks na edição de O Conformista, explodindo a cronologia. Foi neste sentido que o conteúdo e a estrutura do filme foram descritas como oníricas e implicitamente cinematográficas. “Bernardo Bertolucci também chamou esta nova forma de edição uma ‘nova escritura do filme. Alguém pode editar um filme mesmo contra a forma em que ele foi filmado, contra aquilo que foi filmado’” (11). Encontramos também a própria dualidade contida nos Amphoteroi: as seqüências são divididas e recompostas pela edição produzida na “caverna cinemática”.



“(...) [A] filosofia platônica não é apenas parte do conteúdo de O Conformista (a aula de Quadri e a cena final no Coliseu), mas é [também] parte da técnica cinemática. A forma do filme (seus momentos de incoerência e seus ousados flashbacks colocados juntos no processo de edição) é um marco, precisamente porque não é [apenas] um veículo para a exibição vazia de tecnologia. [A forma de O Conformista] se evidencia por idéias inovadoras relacionadas de forma sedutora a teorias antigas que sempre provocam o pensamento”. (12)

 
Leia Também:

Bertolucci e a Psicanálise: O Conformista (I)


Ettore Scola e o Milagre em Roma
Ettore Scola e o Filme Dentro do Filme
Mussolini e a Sombra de Auschwitz

Notas: 

1. TONETTI, Claretta Micheletti. Bernardo Bertolucci. The Cinema of Ambiguity. New York: Twayne Publishers, 1995.Pp. 103-4.
2. RESTIVO, Angelo. The Cinema of Economic Miracles. Visuality and Modernization in the Italian Art Film. Durham & London: Duke University Press, 2002. P. 183n20.
3. TONETTI, Claretta Micheletti. Op. Cit., p. 109.
4. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York/London: Continuum, 3ª ed, 2008 [1983]. P. 303.
5. Idem, p. 303.
6. TONETTI, Claretta Micheletti. Op. Cit., p. 111.
7. Aqui utilizo o texto das legendas do dvd do filme, lançado no Brasil pela Lume Filmes, 2008. Salvo nos momentos que julguei necessária uma correção da tradução.
8. TONETTI, Claretta Micheletti. Op. Cit., p. 118.
9. Idem, p. 114.
10. Ibidem, p. 117.
11. Ibidem, p. 119.
12. Ibidem, p. 120. 

 

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