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Roberto Acioli de Oliveira

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3 de mai. de 2008

As Mulheres de Federico Fellini (I)


“A vida é sonho”


Muitas são as mães, as prostitutas, as esposas, as freiras, as tias, as irmãs e as primas - por vezes muito reais, por vezes caricatas demais. A “mulher italiana” de Fellini é a mulher que vive em seus sonhos. Assistindo aos filmes que Fellini dirigiu, alguns se perguntam se ele compreendeu as mulheres. Resta perceber se ele só conseguia percebê-las a partir de estereótipos, ou se ele não conseguiu ultrapassar uma cortina de fumaça de estereótipos atrás dos quais elas se escondem. Na dúvida, resta falar sobre elas, labirintos do homem.

“A vida é sonho”, diz para Wanda a autora de O Xeique Branco, fotonovela em torno da qual gira Abismo de um Sonho (Lo Sceicco Bianco, 1952) – filme em que Fellini fez uma crítica ao mundo do entretenimento. Wanda e seu marido Ivan vão à Roma para passar a lua-de-mel e conhecer o Papa. Secretamente, Wanda sai em busca do único capaz de preencher o vazio de sua vida: é o Sheik Branco, personagem de uma fotonovela. Sua busca é um desastre e Wanda acaba tentando suicídio. O marido, se sentido traído e abandonado, procura sua esposa por toda a cidade. À noite, acaba topando com Cabíria, a prostituta que retornará em outro filme de Fellini – As Noites de Cabíria.

“Cabíria reage à dor de Ivan, chamando sua atenção para o engolidor de fogo. Essa capacidade de renascer das próprias cinzas, de encarar o futuro com uma esperança que é imorredoura, é o forte da personagem. Em As Noites de Cabíria, lançada ao solo, ela toca a terra para renascer. Em Abismo de um Sonho, Ivã não olha para o chão, mas para o céu estrelado, em busca de redenção.”(…)”A caminho da audiência com o papa, Wanda diz a Ivã que ele é o seu sheik branco . Uma nuvem passa no olhar do ator Leopoldo Trieste. Satisfazer à necessidade de sonho de Wanda talvez seja a maldição desse pequeno burguês um pouco ridículo”. (1)

A Estrada da Vida (La Strada, 1954) apresenta Gelsomina, uma mulher introvertida e carente, que não larga um homem grosseiro e insensível. Em As Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, 1957), a prostituta Cabíria é uma solitária que acredita no amor e sempre se arrepende quando se deixa seduzir – todos os homens a decepcionam. É como se Fellini estivesse sugerindo que não existe possibilidade de outro comportamento entre homem e mulher que não seja aquele da desconfiança mútua: faça com ele antes que façam com você. Caso um dos dois acredite nas palavras do outro, caso seja compreensivo (a) ou afetivo (a), tudo que receberá é um chute no estômago – e no coração. (abaixo: à esquerda Gelsomina; à direita A Doce Vida)


 

Em filmes como Julieta dos Espíritos (Giuletta Degli Spirit, 1965), temos dois pontos extremos. Susy é liberada sexualmente e expansiva, uma projeção viva da libido reprimida de Julieta, que é contida e reprimida sexualmente . Julieta é tão reprimida que só consegue ouvir os outros quando são vozes (supostamente espíritos, supostamente seu inconsciente) que ela não pode evitar. Julieta vive um casamento de aparências. De fato, ela até toma a iniciativa de procurar um detetive para descobrir sobre a amante do marido, o que mostra que ela não estaria totalmente desconectada do mundo real. Mas o que a reprime realmente é seu medo de ser feliz.

Cabíria sempre tenta ser feliz, mas é punida pela realidade de seu azar. Julieta não consegue ser feliz consigo mesma. No final de Noites de Cabíria, a protagonista emerge de mais uma desilusão para continuar tentando. Na cena final, Cabíria caminha pela estrada, que também é a estrada de sua vida. Um grupo de jovens muito alegres passa por ela, que está com lágrimas nos olhos. Cabíria olha para eles e depois para a câmera, direcionando seu olhar para nós os espectadores. Sorri e nos cumprimenta. No final de Julieta dos Espíritos, a mulher consegue se libertar de seu medo de ser feliz. Caminha em direção ao portão de sua casa e sai, como se estivesse saindo de uma prisão. Uma casa-prisão que não é senão uma metáfora da prisão interior que impôs a si mesma.

Grande coleção de memórias da infância, em Amarcord (1973) as mulheres se destacam (imagem no início do artigo). Gradisca é mais conhecida por seus seios e nádegas e Volpina é uma ninfomaníaca. Sem esquecer a cena em que a gorda vendedora da mercearia mostra seus grandes seios e quase sufoca o garoto entre eles para então, no minuto seguinte, agir como se nada tivesse acontecido. Um comportamento sexual mais relacionado à imagem-clichê do macho viril que só está interessado na satisfação de seus desejos animais, sem considerar elementos de ordem afetiva que eventualmente poderiam estar ligados ao ato.




Sylvia é uma atriz famosa e fisicamente portentosa em A Doce Vida (La Dolce Vita, 1959). Em As Tentações do Doutor Antônio (Le Tentazioni del Dottor Antonio, 1962), Anita Ekberg, a Sylvia, é a mulher de um cartaz de outdoor que ganha vida na mente sexualmente reprimida do moralista Dr. Antônio – filme que já criticava a superexposição do corpo feminino nas bancas de jornais. O cartaz é sobre o hábito de beber leite e a mulher tem grandes seios. (acima)

Em Fellini 8 ½ (Otto e Mezzo, 1963) (abaixo), temos um homem e suas três mulheres, a esposa, a amante casada e a mulher ideal, além de um harém onde as mulheres se revoltam contra seu senhor. Um homem chega à Cidade das Mulheres (La Città Delle donne, 1980), uma cidade só de mulheres, onde é desejado e julgado ao mesmo tempo – curiosamente é a postura usual dos homens em relação às mulheres no ocidente. Nesta cidade um homem, como em Fellini 8 ½, faz auto-análise a partir das mulheres de sua vida.


“Embora Fellini tivesse sido realizador durante 30 anos, o público ainda questionava até que ponto ele compreendia as mulheres. De certa forma, Fellini salvaguarda-se em Cidade das Mulheres, aproveitando um gênero cômico e uma estrutura de sonho. O filme pode ser considerado apenas uma comédia ou uma fantasia, mais do que um exame da mulher moderna e das relações sexuais contemporâneas”. (2) Giulietta Masina, esposa de Fellini na vida real, estrelou muitos de seus filmes. Baixinha, magrinha, sem grandes seios e nádegas, contou que se sentia muito insegura porque não tinha o corpo exuberante que estava na moda naquela época. Fellini fez alguns comentários sobre Giulietta… “Todos os meus filmes giram em torno desta idéia. Há um esforço de mostrar um mundo sem amor, personagens egoístas, pessoas explorando pessoas, e, no meio de tudo isso, há sempre – e especialmente nos filmes com Giulietta – uma criaturinha que quer dar amor e que viver para o amor”. “Giulietta tem a leveza de um fantasma, um sonho, uma idéia. Ela possui os movimentos, a perícia mímica de um palhaço”. (3)


Leia também: 

As Mulheres de Federico Fellini (II)
Federico Fellini e sua Biografia: Mitos e Verdades
As Mulheres de Pier Paolo Pasolini (I)

As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
Ettore Scola e o Milagre em Roma
Ettore Scola e o Filme Dentro do Filme
Mussolini e a Sombra de Auschwitz
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Notas:


1. Luiz Carlos Merten - 24/08/2001 – Disponível em: http://www.italiaoggi.com.br/not08/ital_not20010824b.htm Acessado em: 03/05/2008
2. WIEGAND, Chris. Federico Fellini. A Filmografia Completa. Köln: Taschen, 2003. P. 163.
3. Ibidem, pp. 43 e 47. 


Sugestão de Leitura

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