De Lollobrigida à Loren, o
frenesi mamário talvez seja
o símbolo maior da derrota
do cérebro feminino frente
aos fetiches do patriarcado
que ainda as domina
A indústria de fabricação de estrelas da tela teve grande importância na formação do cinema italiano no imediato pós-guerra. O nascente Neo-Realismo tentou, pelo menos por algum tempo, evitar isso contratando atores não-profissionais. Até que alguns cineastas do próprio o movimento começam a empregar elementos de entretenimento, incluindo a presença de estrelas (1). Glauber Rocha ressaltou com alguma ironia: “O Neo-Realismo lançou super mulheres como Silvana Mangano, Silvana Pampanini, Sophia Loren, Gina Lollobrigida, Claudia Cardinale, Monica Vitti e outras que fizeram da Itália o melhor mercado turístico” (2). Como definiu muito bem Edgar Morin, os figurantes vestem roupas, a estrela é vestida. Seu vestuário é um adorno. Certamente, insistiu Morin, a estrela pode até estar vestida modestamente, mas o estético domina o real. As camisolas de Sophia Loren em A Mulher do Rio (La Donna del Fiume, 1954), ou os elegantes trapos de Lollobrigida em Pão, Amor e... revelam o supremo ornamento das estrelas: seus corpos. Exigência de beleza que é simultaneamente exigência de juventude (3). (imagem acima, Loren em Ontem, Hoje, Amanhã; abaixo, à direita, Cardinale em Era Uma Vez no Oeste; a seguir, Mangano em Arroz Amargo)
A moda dos
seios grandes é
mais antiga do
que se imagina
Quando se fala de estrelas de cinema, o rosto continuará sendo o ponto central de nossos olhares. Entretanto, para o bem e para o mal, outras partes do corpo estão sendo valorizadas. A preferência das décadas de 50 e 60, tendência que parece estar voltando, eram os seios. Por outro lado, essa parte do corpo já possuía uma longa tradição de importância nas sociedades européias. Basta lembrar a mitologia grega. Hera se encontra com Hércules ainda bebê, ele consegue alcançar os seios dela para se alimentar. Ferida pelos dentes afiados dele, Hera o atira para longe e o leite ainda na boca dele se espalha formando a Via Láctea. Outro exemplo é A Liberdade Guiando o Povo (1830). Na famosa pintura de Eugène Delacroix, com seus seios desnudos Marianne personifica a liberdade, carregando a bandeira francesa numa das mãos e uma arma na outra. Sem falar nas famosas estátuas pré-históricas de figuras femininas com seios e bundas grandes.
Hoje em dia
os caminhos são
outros, naquela época
o caminho eram
os concursos
de beleza
os caminhos são
outros, naquela época
o caminho eram
os concursos
de beleza
Silvana Papanini, Lucia Bosè (1931) e Lollobrigida foram as primeiras maggiorati do cinema italiano. Em O Julgamento de Frine (episódio de Outros Tempos, Altri Tempi, direção Alessandro Blasetti, 1952), o personagem de Vittorio De Sica faz um comentário (supostamente um elogio) sobre o tipo físico da personagem de Lollobrigida. A partir daí a expressão italiana maggiorata física classificará o corpo das atrizes de cinema – especialmente ou, essencialmente, no caso dos seios avantajados. A fama de maggiorata passou a perseguir Gina, que sempre insistia em afirmar que não era só um corpo. Certa vez um repórter pediu as medidas de seu busto para comparar com os de Marilyn Monroe. Com a ascensão de Sophia Loren, a competição mamária continuou. Na França, todos se referiam a Gina como Lollo (4). Canales nos apresenta uma curiosa lista de associações verbais. De acordo com dicionários franceses da época, no vocabulário infantil lolo (como um “l” só) também designa um vocábulo onomatopaico para lait (leite). Lollo também é listado como “seio de mulher”. Outra hipótese sugeria que o termo Lollo surgiu da confusão entre o substantivo francês lait e a contração do artigo masculino le com a palavra eau (l’eau), de água, que se pronuncia lô. Seria razoável concluir que os dicionários estivessem apenas seguindo a ocorrência de novos vocábulos em função de elementos culturais (no caso, a fama de Lollobrigida). Embora na época Gina não parecesse se importar em ser chamada de Lollo, há evidências de que detesta o apelido.
Seios pequenos
eram símbolo de uma
mulher inteligente e menos dependente dos seus
atributos físicos
Como disse Marilyn Yalom, Anna Magnani, Gina Lollobrigida e Sophia Loren ofereciam uma visão alternativa da sexualidade apaixonada ou vingativa que ardia por baixo dos seus cabelos escuros e seios empinados. Essas mulheres davam impressão que a sexualidade se centrava nos seios. Havia (ainda há?) uma oposição entre seios grandes e seios pequenos. Atrizes de seios pequenos não eram símbolos de sexo, mas da elegância das classes mais elevadas. É como se algumas atrizes estivessem acima das exigências do corpo, mesmo protagonizando histórias de amor. A ausência de carne sugeria sofisticação e inteligência (5). No cinema italiano ou na sociedade em geral, a maggiorata parece estar voltando à moda sob o patrocínio da cirurgia plástica. Na década de 60, o padrão de magreza anoréxica e sem busto foi lançado pela modelo inglesa Twiggy.(acima, Sophia Loren em A Rifa; abaixo, Gina Lollobrigida)
Ela insistia que
não era apenas um
corpo belo, mas quando
perguntaram a Lollobrigida
sobre a nova moda que
desvalorizava o busto
ela respondeu:
“é horrível” (6)
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Notas:
1. RICCI, Steven. Cinema & Fascism. Italian Film and Society, 1922-1943. Berkeley: University of California Press, 2008. Pp. 204n31.
2. ROCHA, Glauber. O Século do Cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2006. P. 259.
3. MORIN, Edgar. As Estrelas. Mito e Sedução no Cinema. Tradução Luciano trigo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989. P. 31. No livro de Morin lemos “Brigitte” e não Lollobrigida, mas a referência à Pão, Amor e... Não deixa dúvidas quanto a quem ele se refere. A única dúvida é saber se Morin confundiu Lollo com Bardot ou se encontramos um erro de tradução na edição brasileira.
4. CANALES, Luis. Gina Lollobrigida. Uma Biografia Não-Autorizada da Vênus Imperial. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica, 1996. Pp. 62, 65, 82.
5. YALOM, Marilyn. História dos Seios. Tradução Maria Augusta Júdice. Lisboa: Teorema, 1998. P. 230.
6. CANALES, Luis. Op. Cit., p. 82.