“Magnani possui
um estilo de atuação
repleto de instinto
popular, que não tem
relação alguma com
o teatro profissional”
Comentário de
Luchino Visconti,
em 1951 (1)
Luchino Visconti,
em 1951 (1)
Entre Ser Mulher e Ser Atriz
Anna foi a contribuição de Luchino Visconti ao filme em episódios Nós, as Mulheres (Siamo Donne, 1953). Composto por cinco episódios, cinco divas do cinema italiano (naquela época Ingrid Bergman, que atua no episódio dirigido por Roberto Rossellini, poderia ser incluída) que contam uma estória de suas vidas particulares. Casos que ilustram o conflito entre ser atriz e ser mulher. De acordo com Millicent Marcus, a exceção é o episódio de Visconti, onde para a famosa atriz italiana Anna Magnani os dois estados estão interligados (2).
O filme se passa numa época da vida de Magnani onde ela atuava em casas de espetáculos, girando em torno de uma briga com um motorista de táxi enquanto a diva se dirigia para o espetáculo do dia. Ele queria cobrar uma taxa extra por causa do cachorro que ela levava no colo, Magnani insistia que como ele era levado em seu colo não precisava pagar. Após convencer um grupo de policiais que estava certa, a atriz chega atrasada ao teatro, paga uma conta exorbitante ao taxista (que ela arrastou por toda Roma para provar seu ponto), e termina o filme cantando e encantando o público da sala de espetáculos.
“Agora é Minha Vez”
O filme de Visconti vai muito além de mostrar uma mulher falastrona e palhaça, aponta para o complexo e multifacetado caráter da mulher Anna Magnani enquanto diva do cinema italiano. Na opinião de Visconti, as origens dela no vaudeville a protegeram das “tendências esclerosadas” dos atores com treino profissional. Permitindo a ela estabelecer um contato mais direto com o público de massa ao qual o próprio Visconti aspirava depois que A Terra Treme (La Terra Trema: Episodio del Mare, 1948) fracassou na bilheteria. (as três imagens deste artigo, Anna, episódio dirigido por Visconti em Nós as Mulheres, 1953)
“É esta fusão de profissionalismo e ‘instinto popular’ que habita o âmago do mito Magnani e dá a impressão de uma continuidade dinâmica entre a vida pública e a privada da diva. ‘Aos olhos dos espectadores e leitores das revistas de estrelas’, escreveu Francesco Bolzoni, ‘pessoa e personagem terminavam coincidindo’, e o episódio de Visconti pode ser interpretado como uma investigação crítica dessa convergência” (3)
Anna revela como o sucesso da diva no palco é derivado de sua identidade na vida privada, caracterizada por uma teatralidade espontânea e uma predisposição para brincadeiras que permitiram a ela cativar o bando de policiais. Magnani transforma cada espaço que ela ocupa num palco. O próprio Visconti comentou a respeito da habilidade dela em extrair a teatralidade inata até mesmo dos atores não-profissionais com quem ela trabalhou:
Uma vez que a atriz não deseja desapontar o público sempre na expectativa, o status de diva é baseado num contrato com seus espectadores. Um contrato que deve ser renovado por performances regulares, no palco e fora dele. A diva Magnani ofereceu uma imagem de impulsividade, inquietude e feminilidade apaixonada, seja como Pina, em Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta, 1945), ao insistir em seguir o marido preso pelos nazistas, ou como ela mesma na vida real, quando jogou um prato de espaguete em Rossellini após uma conversa telefônica com Ingrid Bergman – por quem o cineasta trocou Magnani.
Visconti revela o quanto planejada e construída foi o ser mulher dessa atriz. Não é a vida privada que alimenta a persona pública, mas o ser atriz que faz nascer o ser mulher. No começo de Anna, Magnani faz a introdução do filme: “Agora é minha vez. Sou Anna Magnani. Estão vendo o táxi lá no fundo? Eu estou lá dentro, estou indo ao teatro. Bem, pediram-me que contasse um episódio de minha vida. Tenho certeza de que se não lhes contar uma briga ficarão todos desiludidos, não é mesmo? Não sei por que, quando se fala da Magnani... Para falar a verdade, na rua ouço dizer, ‘Deixem para lá, ela é respondona!’"
Notas:
1. MARCUS, Millicent. After Fellini. National Cinema in the Postmodern Age. Baltimore (USA): The Johns Hopkins University Press, 2002. P.44.
2. Idem, p. 43.
3. Ibidem, p. 44.