Pasolini mostrou
menos sodomia em
menos sodomia em
seu filme do que Sade em seus escritos (1)
O conceito de transgressão que perpassa a obra do poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini não se resume a negar/ultrapassar aquilo que é proibido, tampouco se busca uma síntese dos contrários através da superação de uma contradição. Trata-se da coexistência dos contrários, uma “contradição radical” onde duas forças contrárias (como duas palavras opostas) são conciliadas para lhes dar mais força expressiva. Esta é a opinião de Léonard Alonso, para quem a dualidade resultante une dois destinos no seio de uma mesma pulsão. Em sua opinião, esta visão antidialética é o que melhor traduz a arte de Pasolini, especialmente seu último filme, Salò, ou os 120 Dias de Sodoma (Salò o Le 120 Giornate di Sodoma, 1975). O próprio cineasta italiano definiu este filme como uma alegoria ou parábola, onde cada coisa significa outra coisa. O espectador deve ultrapassar as imagens que lhe são apresentadas, em busca de um sentido figurado, escondido. Já no título do filme, sugeriu Alonso, somos apresentados a duas realidades, uma histórica e fascista (a República Social Italiana, a República de Salò criada Mussolini no norte do país, onde se refugiou entre 1943 e 1945), outra ficcional e sadiana (a adaptação livre desta obra do marquês) (2).
Associações do
riso à manifestação
de superioridade estão
também no homem
soberano (Bataille),
homem satânico
(Baudelaire), e
super-homem
(Nietzsche) (3)
riso à manifestação
de superioridade estão
também no homem
soberano (Bataille),
homem satânico
(Baudelaire), e
super-homem
(Nietzsche) (3)
De acordo com Alonso, Salò se diferencia dos filmes da Trilogia da Vida, imediatamente anteriores, em função da apresentação de uma sexualidade essencialmente pré-genital e do tratamento dessacralizante em relação ao corpo (embora o componente pré-genital já estivesse presente na sodomia zoófila de Julian em Pocilga, Porcile, 1969). Alonso também chama atenção para a interação entre duas características de Salò de Pasolini: Grande número de fatos sádicos consecutivos, seguidos de situações e/ou falas irônicas que procuram neutralizar a tensão do espectador. Como naquela cena da refeição em que todos comem merda e uma das serviçais é humilhada e violada, a seguir o presidente se levanta e mostra a própria bunda para todos, provocando risos. Alonso sugere que aqui já existe o precedente na mitologia grega: Deméter procura desesperadamente por sua filha Perséfone, mas sua tensão é neutralizada quando ri do gesto obsceno e transgressivo de Baubô que mostra sua bunda (vagina?) para ela. O filme de Pasolini está repleto de tais situações, destinadas a diminuir a tensão do espectador. “[A lenda de Baubô] associa o indecente, o escandaloso e o transgressor ao riso. Ou, mais exatamente, o riso nasce num contexto tenso provocado por um gesto transgressor. Em consequência, o riso da transgressão convoca a mitologia. Ele encontra sua justificação na antiguidade” (4).
Notas:
Leia também:
1. ALONSO, Léonard. Le Rire et la Transgression dans Salò ou les 120 Journées de Sodome. In: GAGNEBIN, Murielle. Cinéma et Inconscient. Paris: Éditions Champ Vallon, 2001. P. 284.
2. Idem, pp. 267-9, 275, 278, 284.
3. Ibidem, p. 272.
4. Ibidem, p. 279.