“É impossível
subestimar a importância
[do local da filmagem] em
[O Ouro de Roma], onde a vida
da comunidade judaica está profundamente emaranhada
nos espaços da topografia
de Roma (...)”
subestimar a importância
[do local da filmagem] em
[O Ouro de Roma], onde a vida
da comunidade judaica está profundamente emaranhada
nos espaços da topografia
de Roma (...)”
Milicent Marcus (1)
Palco Alfa-Ômega
Seja como simples ambientação folclórica e romântica ou como palco de um povo que lá estava desde o Império Romano, o gueto judeu em Roma surge nas telas do cinema italiano geralmente sem se anunciar, sendo percebido apenas por aqueles que o conhecem ou sabem de sua existência. Do ponto de vista romântico, Flaminio Di Biagi explica que no caso de Um Americano em Roma (Un Americano a Roma, direção Steno, 1954) o gueto é confundido com Trastevere, mas que qualquer romano reconheceria o Pórtico de Ottavia quando o “trasteverino” Nando Moriconi se agacha próximo a sua casa e tenta enganar o guarda. Ou ainda em Fortunella (direção Eduardo De Filippo, 1958), quando o casal interpretado por Alberto Sordi e Giulietta Masina aparecem (no final da 1ª parte) morando num barraco encostado no muro da via di Sant’Angelo in Pescheria, bem atrás do Pórtico (imagem abaixo, à direita). Em Nel Blù Dipinto di Blù (direção Piero Tellini, 1959), o protagonista morava e trabalhava entre o Pórtico de Otttavia e as ruínas do Teatro Marcello (naquela época ainda não havia sido transformado em área arqueológica com acesso limitado), em pleno gueto judeu (última imagem do artigo). Muito tempo depois, este será o mesmo caso de Sotto... Sotto... Strapazzato da Anomala Passione (direção Lina Wertmüller, 1984). Em Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (Indagine su un Citadino al di Sopra di Ogni Sospetto, direção Elio Petri, 1970), o apartamento da amante assassinada pelo policial/amante está localizado bem em frente à Sinagoga, via del Tempio 1 (2). (imagem acima, judeus do gueto sendo levados, a sinagoga é perfeitamente visível ao fundo, O Ouro de Roma)
“(...) As muitas tomadas
[de O Ouro de Roma] em locações
no gueto ligam a comunidade ao
cenário, marcado por uma série de cantos pitorescos, fragmentos de colunas, arcos integrados às paredes, ruas de paralelepípedos, dominados
pelo domo da sinagoga num ponto e
o Teatro de Marcello noutro (...)” (3)
[de O Ouro de Roma] em locações
no gueto ligam a comunidade ao
cenário, marcado por uma série de cantos pitorescos, fragmentos de colunas, arcos integrados às paredes, ruas de paralelepípedos, dominados
pelo domo da sinagoga num ponto e
o Teatro de Marcello noutro (...)” (3)
“Eu não sabia que atrás de certas ruínas famosas existiu um bairro que costumava ser chamado de gueto. Um dia, há muitos anos, um amigo me levou até lá”. Com esta narração começa Storia d’amore e di Amicizia (direção Franco Rossi, 1982), minissérie para a televisão italiana. Na opinião de Milicent Marcus, são palavras sugerem a dimensão da ignorância dos italianos em torno da problemática entre judeus e nazistas em seu próprio país (4). Nos filmes italianos em que o gueto é mostrado como local dedicado à comunidade judaica, Di Biagi admite que os roteiros sejam mais dramáticos. O Ouro de Roma (L’oro di Roma, direção Carlo Lizzani, 1961) é considerado o filme símbolo do destino trágico dos judeus de Roma durante a Segunda Guerra Mundial, quando eles foram obrigados pelos nazistas a entregar 50 quilos de ouro como passaporte para a liberdade – de nada adiantou, em 16 de outubro de 1943 todos foram evacuados. Mais recentemente, Confortorio (direção Paolo Benvenuti, 1992) acompanhou a situação de dois jovens judeus nos anos de 1700. Acusados de furto, seriam convertidos antes da execução. Mas Di Biagi também relembra exemplos (que ele considerou) cômicos do cotidiano dos judeus no gueto de Roma. Em Os Carbonários (Nell’anno del Signore, direção Luigi Magni, 1970), ambientado no século XIX, um cardeal católico comenta diante da visão da plebéia interpretada por Claudia Cardinale: “Que pecado: tão bela, tão judia!”
Para Milicent Marcus,
a montagem no final de
O Ouro de Roma (mostrando o gueto vazio), juntamente com
o desespero de Massimo (de quem ouvimos os passos ecoando), visto de um ângulo muito alto, constituem uma espécie de luto visual. Uma encenação da perda, como se
o próprio espaço estivesse enlutado pelos ausentes (5)
Notas:
Leia também:
1. MARCUS, Millicent. Italian Film in the Shadow of Auschwitz. Toronto: University of Toronto Press, 2007. P. 41.
2. DI BIAGI, Flaminio. Il Cinema a Roma. Guida alla Storia e ai Luoghi del Cinema nella Capitale. Roma: Palombi Editore, 2010. Pp. 122-5.
3. MARCUS, Millicent. Op. Cit., p.41.
4. Idem, p. 28.
5. Ibidem, p. 42.
5. Ibidem, p. 42.