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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

31 de ago. de 2018

Cinema Político Italiano: Entretenimento e Civismo


 “(...)  A  outros cabe  a  tarefa de curar e de educar.  A nós,  o  dever
 de reprimir! A repressão é nossa vacina! Repressão e civilização!”

Trecho do discurso de posse do delegado de polícia/assassino no Gabinete Político, sendo ovacionado
por  seus  pares,  em  Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita  (Elio Petri, 1970)

Era uma vez a História...

Na Itália, o período que se inicia com o final da Segunda Guerra Mundial assiste ao florescimento de uma “nova onda” de cineastas, diretores que se depararam com um novo e fragmentado modo de ver a história, a cultura e até os próprios personagens, sem esquecer os cineastas e os críticos de cinema – como bem lembrou Gian Piero Brunetta a propósito de Fellini, com seu 8 ½ (Otto e Mezzo, 1963). Talvez mais do que qualquer outro, o “cinema político” (cinema ideológico? cinema engajado?) não poderia ser uma exceção. Desde o final da guerra, o clima político na península italiana favoreceria uma mudança de perspectiva em relação à interpretação dos que seriam ou não considerados eventos históricos relevantes à compreensão da autoimagem daquele país. A década de 1960 apenas amplificou a vontade/necessidade de revisitar a história recente desse país unificado cem anos antes. Subitamente, observa Brunetta, os cineastas resolveram contar essa história a partir do olhar daqueles personagens que nunca foram considerados heróis, mas vítimas, meros espectadores até então sempre vistos como apenas parte da paisagem (1).
Pela primeira vez, cineastas começaram a lidar com temas tabus: Fascismo, a Resistência, as condições de trabalho dos operários de fábrica, o papel dos fascistas nos massacres entre 1943 e 1945, a República de Salò. O legado do Neorrealismo foi vital para este processo, embora também houvesse uma pressão para estar ligado ao presente e às novas tendências. Além disso, Brunetta insiste, com o advento do movimento de centro esquerda, o afrouxamento do “cordão sanitário” dos países capitalistas em torno do Comunismo, a queda de muitos tabus, Igreja Católica e comunistas pressionam em favor de um movimento de secularização. Muitos cineastas italianos foram atraídos pelo tema político/histórico/civil. Florestano Vancini, Marco Bellocchio, Gillo Pontecorvo, Elio Petri, Carlo Lizzani, Luigi Comencini, Mario Monicelli, Dino Risi, Nani Loy, Gianni Puccini, Sergio Corbucci, Steno, sem esquecer Luciano Salce, tentaram através das lentes do drama e até da comédia a vasculhar a memória de um passado que se recusa a passar: utilizaram o cinema como uma transferência freudiana de expectativas revolucionárias traídas ou não realizadas. (imagem abaixo, Juízo Final, Elio Petri, 1975)


(...) Representando relações mutáveis de poder na Itália, os thrillers 
políticos  italianos  são  melodramas  masculinos disfarçados [como] 
Giallo para atingir o público de massa, e servindo-se das convenções
do filme noir para referir-se aos elementos  disfuncionais  [do  país]

Alan O’Leary (2)

No início dos anos 1960 o Estado italiano, que desde o imediato pós-guerra estava praticamente ausente das vidas dos cidadãos, começa a se desintegrar no imaginário da população – e também ao nível da realidade objetiva. Nessa época o Estado se transformou num poder dominado por forças da escuridão e conspirava contra os próprios cidadãos, o que se pode avaliar através de Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita (Indagine su un Cittadino al di Sopra di Ogni Sospetto, direção Elio Petri, 1970), Juízo Final (Todo Modo, também de Petri 1975), O Dia da Coruja (Il Giorno della Civetta, 1968), Confissões de um Comissário de Polícia (Confessione di un Commissario di Polizia al Procuratore della Repubblica, 1971), Perché si Uccide un Magistrato (os três filmes sob direção de direção Damiano Damiani, 1975), Cadáveres Ilustres (Cadaveri Eccellenti, 1976) e Três Irmãos (Ter Fratelli, os dois direção de Francesco Rosi, 1981). Durante um período de mais ou menos quinze anos, foram tantos os filmes abordando a questão dos governos bons e ruins que os críticos começaram a considera-los filmes de gêneros e fizeram muitas críticas violentas. Durante aqueles anos, explica Brunetta, o senso de direção crítico e ideológico da nação começa a falhar. Ao mesmo tempo, críticos de cinema e cineastas correm para tentar superar uns aos outros, enquanto os “filmes políticos” artísticos continuavam na mira das armas de todos.

“(...) Os filmes realizados por Rosi, Petri, Orsini, Vancini, Pontecorvo, Damiani, Irmãos Taviani, Bellocchio, Montaldo, Maselli e outros, representam uma fonte de fundamental importância para a compreensão deste período da história italiana, das mortes do Papa John XXIII e Palmiro Togliatti até o assassinato de Aldo Moro” (3)
Alguns filmes deste período estremeciam com a visão de movimentos antigoverno, enquanto mostravam abertamente sua simpatia pelo Terceiro Mundo e as lutas de outros povos. Eles reconheciam a diminuição da fé das pessoas na política organizada. O cinema italiano sentiu-se novamente parte de um movimento político progressista, até perceber que se encontrava no meio de uma terra de ninguém, onde não era mais possível distinguir entre inimigos e aliados ou de onde vinham os ataques. Como resultado, continua explicando Brunetta, os filmes políticos foram obrigados a se disfarçar de filmes de gênero ou revelar sua solidariedade (mais ou menos explícita) por formas violentas de agitação política. “Nem o Estado, nem as Brigadas Vermelhas”, este era o slogan de alguns grupos de esquerda que não reconheciam mais os partidos políticos italianos sancionados historicamente. Em Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, filme onde Petri mostra que naquela Itália nem todos são iguais perante a lei, é sintomático o discurso de posse do policial no gabinete de repressão à manifestantes na rua e grupos terroristas (de esquerda, é claro):

“(...) O uso da liberdade ameaça por todos os lados os poderes tradicionais, as autoridades constituídas. O uso da liberdade, que tende a fazer de qualquer cidadão um juiz, que nos impede de cumprir livremente nossas sacrossantas funções! Nós somos as sentinelas da Lei, que queremos imutável, esculpida no tempo. O povo é imaturo. A cidade está doente. A outros cabe a tarefa de curar e de educar. A nós, o dever de reprimir! A repressão é nossa vacina! Repressão e civilização!”


“Nossas  mãos  estão  limpas!”    Repetem  os  políticos  de  Nápoles
sobre a especulação imobiliária, em As Mãos Sobre a Cidade (1963)
Muitos cineastas políticos adotaram uma postura antigoverno, porém sem endossar a causa dos terroristas (Brigadas Vermelhas, entre outros). Eles fizeram isso, mais uma vez esclarece Brunetta, criando personagens que representavam o Estado como uma intensificação do mal. A importância de seus filmes foi intensificada pelo fato de que entre 1966 e 1976 houve um momento mudança nos modelos ideológicos, no sentimento de pertencimento ideológico das pessoas e da habilidade dos cineastas de esquerda interpretarem a história. Entre dezenas de exemplos, poderiam ser citados, As Mãos sobre a Cidade (Le Mani sulla Città, direção Francesco Rosi, 1963), A China Está Próxima (La Cina è Vicina, direção Marco Bellocchio, 1967), Lettera Aperta a un Giornale della Sera (direção Francesco Maselli, 1970), Sacco e Vanzetti (direção Giuliano Montaldo, 1971), Cadáveres Ilustres, Juízo Final. Neste contexto, Brunetta aponta Francesco Rosi como o melhor diretor em termos de interpretar a história política, econômica e institucional da Itália do pós-guerra. Inspirado por seu trabalho com Visconti, possui um estilo que não descarta o cinema dos Estados Unidos, ou modelos retirados do jornalismo e da investigação jurídica. Com um ponto de vista reformista e sem nunca perseguir os movimentos revolucionários, seus filmes mostram como a região sul mais pobre definiu o ritmo do resto do país ao força-lo a considerar as necessidades da região.

“Em O Bandido Giuliano (Salvatore Giuliano, 1962), Rosi empregou uma técnica de narração claramente baseada em Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles. Ele mostrou como trabalharam de mãos dadas, poder político e Máfia, seus líderes muitas vezes sendo os mesmos. A Sicília e o sul da Itália se tornaram um laboratório onde a política contemporânea começa a lembrar antigos rituais, mitos e modos sociais. Os filmes de Rosi estão destinados a ser citados como fontes históricas não menos importantes do que relatórios preparados pelas comissões italianas anti Máfia. No futuro, serão úteis para compreender a ascensão da Máfia ao poder e seus conluios nacionais e internacionais. Seus filmes com temáticas sociais e políticas continuarão a falar e manter viva sua chama graças a seu estilo de escrita visual, seu senso de ritmo, sua habilidade para calibrar o talentos dos atores, e sua mistura perfeita de ética, paixão civil e domínio do cinema” (4) (imagem abaixo, Aldo Moro - Herói e Vítima da Democracia, Il Caso Moro, Giuseppe Ferrara, 1975)


 Cesare Zavattini dizia que o Neorrealismo deve ultrapassar 
 a atitude  em  relação  ao  mundo  em  direção à uma análise 
dele. O filme-inquérito foi a resposta  de  Francesco Rosi  (5)

Rosi acumulou através de seus filmes uma série de documentos jurídicos contra o sistema político na Itália: em A Vontade de um General (Uomini Contro, 1970) (denúncia da estupidez dos comandantes italianos durante a Primeira Guerra Mundial), O Caso Mattei (Il Caso Mattei, 1972) (questiona as razões da morte de Mattei, diretor da empresa petrolífera estatal italiana e a complexa ligação entre o governo e a iniciativa privada), Lucky Luciano - O Imperador da Máfia (Lucky Luciano, 1973) (explora a ligação entre o gângster e o exército dos Estados Unidos enquanto invade a Sicília, durante a Segunda Guerra Mundial) e O Bandido Giuliano (mostra a pouca diferença entre quem está fora e quem está dentro da lei, numa época em que poder e dinheiro dominavam a vida na Itália). Esta lista poderia incluir ainda adaptações literárias como Cadáveres Ilustres (sobre as relações entre corrupção e poder político), Cristo parou em Eboli (Cristo si è Fermato a Eboli, 1979) (sobre a pobreza no sul do país) e Três Irmãos (uma visão da Itália contemporânea) (6).

Enlouqueçam ou Morram


 “O  indivíduo  trabalha  para  comer.   [...]  A  comida  desce
e aqui tem uma máquina que amassa. [...] O indivíduo
é  como  uma  fábrica!  [...]  Fábrica  de  merda!”

Lulu Massa, o torneiro mecânico de A Classe Operária vai ao Paraíso,
durante  conversa  com  sua  esposa, onde  expõe  toda a sua frustração

Para Brunetta, a chegada da modernidade no cinema italiano foi considerado em geral um momento de crise, enquanto o mundo do fazendeiro sempre foi visto em termos de sua progressiva alienação em relação ao caminho do país em direção à industrialização e a fábrica, temas tabu até a década de 1960, quando os cineastas começaram a examiná-los. Para citar um exemplo, a industrialização do norte da Itália e as mudanças traumáticas que os fazendeiros tiveram que suportar para se tornarem parte do mundo industrializado aparecem em Rocco e seus Irmãos (Rocco e I Suoi Fratelli, direção Luchino Visconti, 1960), onde o cotidiano dos operários de fábrica é o pano de fundo de uma história trágica de camponeses que trocaram o campo pela cidade grande. De fato, o mundo dos operários do norte do país era relativamente desconhecido para uma tradição cinematográfica que sempre favoreceu Roma como pano de fundo quando contava as aventuras da classe média italiana. Em alguns casos, os diretores focalizaram as emoções desses operários. Noutros, o foco era sua consciência ideológica e dificuldades de adaptação ao novo ambiente (7).
Na década de 1970, filmes de Petri como A Classe Operária vai ao Paraíso (La Classe Operaia va in Paradiso, 1971), de Lina Wertmüller como Mimi, o Metalúrgico (Mimì Metallurgico Ferito nell'Onore, 1972), Trevico-Torino (Viaggio nel Fiat-Nam) (Trevico-Torino, 1973), de Ettore Scola, ou Delitto d’Amore, de Comencini, e ainda Romance Popular (Romanzo Popolare, 1974), de Monicelli, nos dão acesso direto ao mundo dos operários, que parecem cada vez mais confusos e perturbados. Na opinião de Brunetta, essa janela histórica para o mundo dos operários aguarda ainda por análise mais profunda. Ainda segundo o pesquisador, os operários retratados nas telas do início dos anos 1970 ainda não refletem o desenvolvimento econômico do país. Ao invés de glorificar suas lutas, procurou-se mostrar a desconexão dos personagens, a deterioração de uma força ideológica que certa vez foi grande, a descoberta de suas emoções privadas, sua ira, e os vários tipos de protesto organizado e desorganizado. Durante os “anos de chumbo” (no caso da Itália, uma espécie de ditadura sem golpe de Estado), quando o país se viu nas garras do terrorismo internacional e doméstico, as condições de trabalho das fábricas italianas foram reestruturadas e toda uma espécie social de trabalhadores aparentemente desapareceu. O cinema italiano os defendeu e documentou as histórias dessas pessoas. Elio Petri falou (não sabemos a data) a respeito do tema:

“Não é que eu tenha feito grande pesquisa sobre os operários: registrei alguns metros de película em câmera pequena na Fatme [Fabbrica Apparecchiature Telefoniche e Materiale Elettrico], bem nos dias quando nas portas das fábricas italianas estavam os militantes da esquerda operária, num momento muito interessante. Seja o que for que os comunistas do PCI digam hoje, aquele de 69-70 foi um período que, em minha opinião, permanece um dos mais vivos da história [do século passado] na Itália. Do meu ponto de vista, enfrentar um trabalhador é como enfrentar um ser humano como qualquer. Naquele momento, e também hoje, o operário é considerado um santo, um mártir. O operário é apenas uma criatura humana dentro de quem existem divisões como em cada um de nós, embora, naturalmente, sua profissão seja muito mais difícil: em certo sentido, é quem sofre mais com as contradições, constrangido como é a assumir o modelo burguês, uma vez que a sociedade de consumo o obriga que para a própria sobrevivência ele se torne consumista, ajudando ao mesmo sistema capitalista” (8)


Em O Grito (1957), Antonioni mostra um operário trágico, 
 mas  em  luta  contra  o  mundo  do  que  contra  as  fábricas, 
vagando pelas estradas  com  sua  filhinha  até se suicidar
Para Maurizio Fantoni Minnella, as palavras de Petri permitem recordar que, apesar da figura do operário constituir uma espécie de fetiche da extrema esquerda, esta se mostrava incapaz de narrar a condição operária sem lançar mão do uso fácil e frequente de estereótipos fáceis – resultado provavelmente da tendência de uma cultura provinciana, como também pelo interesse na exaltação de tal figura enquanto portadora de valores “de classe”. Sempre houve por parte do cinema italiano, esclarece Minnella, uma dificuldade grande para compreender os valores da cultura operária, atualmente quase desaparecida. Talvez isso explique, segue Minnella, por que falar da vida privada de um operário seja mais fácil. Em Obsessão (Ossessione, 1943), Luchino Visconti levou desconforto à propaganda fascista quando mostro um vagabundo desocupado naquela paisagem desolada. Dando um salto para 1971, Minnella se pergunta se é por esse motivo a Lulu Massa, em A Classe Operária vai ao Paraíso, se mantém como a figura mais ilustre do cinema italiano (9). 
Elio Petri escreveu o roteiro em parceria com Ugo Pirro: em primeiro lugar, o cotidiano alienado do operário, já então completamente massificado; a fábrica nos anos 1970 é o detonador de uma violência de classe (com segmentos orientados à luta armada). Todavia, porque alienada, na cabeça da classe operária vivos estão os modelos de sociedade de consumo impostos pelos patrões e pela publicidade. A ideia de trabalho em linha de montagem tem uma raiz na dupla necessidade de maior salário e de adesão a tais modelos, e Lulu é o campeão dessa modalidade de trabalho. A atmosfera da fábrica levará tanto à perda do dedo de Lulu quanto à sua tomada de consciência do papel de “explorado”. A tese do filme é a seguinte: a única possibilidade de fuga da alienação é a loucura. Lulu percebe a própria loucura ao visitar Militina, o companheiro do chão de fábrica agora no manicômio. Para Minnella, Militina é a prova viva de que através da linha de montagem a classe operária transforma a própria alienação em loucura coletiva, a condição mais próxima ao paraíso, que já em si um ato revolucionário.


É difícil ou até inútil comparar filmes dos anos 1970 sobre o mundo
 operário com filmes mais recentes,  pois vivemos hoje num universo 
 pós-operário de reinvenção  do  trabalho  (Il Posto dell’Anima, 2003, 
de Riccardo Milani),  mais  do  que  de  sua  pura  e  simples negação

Maurizio Fantoni Minnella (10)

Escrevendo em 2004, Minnella conclui:

“O processo de espetacularização da realidade operária e do sujeito individual de classe parece mais o resultado parcial de uma tomada de consciência cinematográfica que enxerga em tal sujeito o elo perdido de uma representação mais ampla da sociedade capitalista contemporânea. Esta, contudo, principalmente orientada para sujeitos individuais, que interagem sozinhos com o problema ocupacional, revelando todos os desequilíbrios e perspectivas. Mesmo quando existe uma coletividade trabalhadora (como no caso de Arroz Amargo, Riso Amaro, 1949, de Giuseppe De Santis), é sempre o destino do indivíduo a fornecer o ponto de vista interpretativo de uma realidade específica. De fato, é sobre a responsabilidade do indivíduo que se forma a dimensão crítico-narrativa dos diretores italianos dos anos 1950 até hoje” (11) (imagem abaixo, Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer...)

Casamento de Conveniência


No pós-guerra, os problemas existentes no ordenamento jurídico
 italiano determinaram existência e tarefa do filme político-indiciário, 
 o qual  não  deve  ser  confundido  com o filme político e o Giallo

Anton Giulio Mancino (12)
Embora a vasta gama de posições ideológicas contidas no assim chamado cinema político da década de 1970 represente rico comentário a respeito do passado e do presente do país, na opinião de Peter Bondanella a repercussão na Itália dos protestos de Maio de 68 na França nem tem muito a ver com o fato de que entre 1968 e 1970 a cultura italiana alcança um ponto de virada: o terrorismo (entre 1969 até início dos anos 1980, seja de esquerda ou de direita); o fim do “milagre econômico” dos anos 1960 e a crise do petróleo; a aprovação do divórcio em 1970 e a perda de confiança nos governos (a burocracia estatal, os partidos políticos e os sindicatos) em função de escândalos de corrupção. Tudo isso, além da crescente competição da televisão, se refletiu negativamente na produtividade da indústria cinematográfica italiana, que já havia sido a maior da Europa. O cinema político dos anos 1970 foi dominado por um grupo de cineastas que alcançou fama na geração pós-neorrealista. Damiano Damiani, Elio Petri, Marco Bellocchio, Giuliano Montaldo e Francesco Rosi, estão dentre os nomes mais lembrados de uma lista bem maior (13). 
Ainda segundo Bondanella, a frequente preocupação temática com a relação entre pais e filhos serve uma dupla função: não apenas fornece uma imagem concreta do problema mais geral da autoridade e da rebelião numa sociedade caracterizada por mudanças rápidas de valores (pelo menos no pós-guerra), como também reafirma a cada passo a necessidade de um retorno à segurança da família nuclear, valor tradicionalmente dominante na cultura italiana.

“(...) A atitude altamente crítica tomada pela maioria desses cineastas ‘políticos’ em relação ao Estado e suas instituições é um barômetro incrivelmente preciso dos problemas sociais na península. Independentemente de sua posição ideológica ou estilo individual, os diretores italianos [da década de 1970] permaneceram fiéis ao à visão essencial do Neorrealismo italiano – lançaram um olho crítico sobre a sociedade que os produziu e tentaram, na medida do possível através de meios artísticos, mudar seu mundo para melhor. Com seus trabalhos, ampliaram a ideia de cinema enquanto ‘entretenimento’ e criaram para os filmes uma função essencialmente cívica e positiva enquanto fórum público no qual questões muito debatidas e grande arte se juntaram num muitas vezes desconfortável ainda que saudável casamento de conveniência” (14) 

Leia também:


Notas:

1. BRUNETTA, Gian Piero. The History of Italian Cinema. A guide to Italian film from its origins to the twenty-first century. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 2009. Pp. 173-7.
2. O’LEARY, Alan. Moro, Brescia, conspiracy. Lo Stile Paranoico nel Cinema Italiano. In: UVA, Christian. Strane Storie. Il Cinema e i Misteri d’Italia. Soveria Mannelli, Italia: Rubbettino Editore, 2011. P. 77.
3. BRUNETTA, G. P. Op. Cit., p. 177.
4. Idem, p. 179.
5. RESTIVO, Angelo. The Cinema of Economic Miracles. Visuality and Modernization in the Italian Art Film. Durham & London: Duke University Press, 2002. P. 51.
6. BONDANELLA, Peter. Italian Cinema. From Neorealism to the Present. New York/London: Continuum, 3ª Ed., 2008. P. 332.
7. BRUNETTA, G. P. Op. Cit., p. 175-9.
8. MINNELLA, Maurizio Fantoni. Non Riconciliati. Política e Società nel Cinema Italiano dal Neorealismo a Oggi. Torino, Itália: UTET Libreria, 2004. P. 75.
9. Idem, pp. 75-7.
10. Ibidem, pp. 79-80.
11. Ibidem, p. 77.
12. MANCINO. Anton Giulio. L’Affaire Rosi. Il cinema, L’Italia, il deficit di verità. In: UVA, Christian (a cura di). Strane Storie. Il Cinema e i Misteri d’Italia. Soveria Mannelli, Italia: Rubbettino Editore, 2011. P. 67.
13. BONDANELLA, P. Op. Cit., pp. 318-9, 346.
14. Idem, p. 346.

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