17 de abr. de 2011

Claudia Cardinale e a Mala de Zurlini





Mais um filme
sobre o dinheiro que confundimos com um sobre o amor?




Uma Mulher Aparentemente Indefesa

Aida é bailarina e supostamente se deixa seduzir pelas promessas de Marcello, um don Juan que logo tenta se afastar dela. Na segunda tentativa, ele consegue fugir com seu carro esporte, deixando a mala de Aida no chão de uma borracharia. Mas ela consegue encontrar a casa dele. Como ele não consegue se livrar de Aida, então pedirá ajuda a seu inexperiente irmão mais novo. Um estudante de dezesseis anos, Lorenzo ouve a história dela e se apaixona. Ele começa a gastar dinheiro com ela, transferindo-a de um quarto de pensão pobre para um hotel com algumas estrelas e também a presenteia com roupas novas. Mas ele é muito tímido e não consegue colocar em palavras seus sentimentos – o que seria muito mais direto e mais barato também. É difícil acreditar que Aida não percebeu o interesse de Lorenzo. Certa noite, no hotel, Lorenzo acompanha Aida e alguns hóspedes, eles querem dançar ao ar livre. Lorenzo, o tímido, fica sentado olhando e se embriagando enquanto Aida dança de corpo colado com um homem muito interessado nela. No final da festa, fica evidente que Aida desejava sair com ele (para o quarto do hotel?), mas volta para Lorenzo – contentando-se com um leve toque de mãos.



Na parede da escada
da casa de Lorenzo vemos
uma Madalena com as mãos
para o céu e dois cupid
os
vindo em seu socorro
(1)



Lá pelas tantas, don Pietro, padre e professor de matemática de Lorenzo, ficará sabendo da existência de Aida através de uma confissão do impúbere apaixonado. A essa altura, Lorenzo leva uma bronca da tia, que tomava conta da casa enquanto os pais dele estavam em viagem de férias. Ela será convencida pelo padre a se afastar de Lorenzo. De fato, don Pietro sugere que ela deixe a cidade de Parma, insistindo na diferença de idade e de classe social entre os dois. Aida vai para Riccione, onde lhe ofereceram emprego num salão de baile. Logo ao chegar ela desperta o interesse de Romolo, um empresário. Mas esse homem não é como Lorenzo, Aida não consegue arrancar dinheiro dele sem dar alguma coisa em troca. Quando ela está quase cedendo, Lorenzo chega e acaba brigando com Romolo. Como apartaram a briga, Lorenzo sobrevive. Depois de um encontro amoroso a beira mar, Lorenzo leva Ainda para a estação ferroviária, dá algum dinheiro para ela e vai embora.

Dinheiro Não é Tudo...




Se Lorenzo fosse pobre
e/ou não lhe desse presentes
, Aida o teria notado?





Alberto Cattini definiu A Moça com a Valise (La Ragazza con la Valigia, 1961) como uma epifania da desonra. Mas não se aplica nem a moça abandonada, nem ao rapaz que decide carregar a mala dela. Cattini se refere às condições de fato, à organização da existência encarnada nos dois e que os empurra para campos opostos da sociedade, sob o signo da desonra. Personagem de Claudia Cardinale, Aida é mais velha que Lorenzo. Um ano antes, em Verão Violento (Estate Violenta, 1959), Zurlini havia unido uma mulher bem mais velha (do que Aida) e um homem jovem (regulando com a idade de Aida) num filme que já falava da desonra. Carlo resolve deixar Roberta, que enfrentou problemas para assumir uma relação com ele, e se alistar no exército, responsabilidade da qual vinha fugindo desde o início da guerra no refúgio de classe alta de Riccione. Carlo sacrifica o amor em nome da honra, Lorenzo vai da honra em direção ao amor, e ambos estão sujeitos às condições que anulam qualquer projeto para transcender o horror da existência. Cattini reafirma o tom negativo de A Moça com a Valise, mesmo que ela reconquiste uma pureza erótica e as intenções dele sejam honestas (2).



Expulsa de Parma pelo
padre
, Aida vai para Riccione. Chega procurando emprego
e leva um tapa na cara




No encontro com Aida, don Pietro afirma que a “cegueira” de Lorenzo iria passa e um dia ele a veria como ela é. Aida é colocada diante de si mesma, se vendo com os olhos do padre e ao mesmo tempo percebendo Lorenzo por uma nova luz. Aida percebeu que ele estava apaixonado por ela, mas só foi capaz de ver nisso uma possibilidade utilitarista para tirar vantagem dele. Especialmente após descobrir que Lorenzo é irmão de Marcello, mas agia de forma completamente diferente deste. Eis porque, sugere Cattini, ela vai embora para Riccione. Não necessariamente alguém que vai mudar, porém agora dolorosamente consciente de sua própria inconsistência. É quando ela cai nas mãos de Romolo, que não se importa em pagar para possuí-la. Então Lorenzo intervém e combate com punhos de um plebeu, acenando com a ilusão de um encontro entre as classes sociais. Mas no final, ele a deixa na estação com algum dinheiro, tratando uma mulher pobre como uma mulher da rua.



“Dinheir
o
não é tudo
, mas
é 100%”


Ditado
popular



Se fosse produtivo especular sobre o comportamento dessas duas pessoas, poder-se-ia dizer que uma sugerida pedofilia (por conta dos dezesseis anos de Lorenzo) é contrabalançada pelo comportamento machista já se consolidando nele (mesmo que tenha dado dinheiro por acreditar que ela necessitava, já tinha idade para compreender que o dinheiro pode comprar a atenção de alguém; além disso, ele poderia ter tentando arrumar um emprego para ela ao invés de sustentá-la). Na opinião de Cattini, parece claro que o tema do dinheiro é um princípio básico em A Moça com a Valise. Ora em forma de necessidades básicas, ora em forma de cavalheirismo, até ao desmascaramento da situação de prestação de serviço pela qual se aliena o amor – a seqüência em que Lorenzo toca o disco da ópera Aida, de Giuseppe Verdi, enquanto uma Aida de verdade desce as escadas, quase nos faz esquecer isso. Aida foi mais uma vítima de sua beleza e do muro que separa as classes sociais.



Notas:

Leia também:

As Mulheres de Luis Buñuel
Luis Buñuel, Incurável Indiscreto
O Deserto de Nossas Vidas
As Histórias das Estórias de Valerio Zurlini
A Trilogia de Valerio Zurlini
Valerio Zurlini, Ilustre Desconhecido
A Diva e a Magnani
A Vertigem Surrealista de Hitchcock
Distopia

1. CATTINI, Alberto. Il Disonore del Mondo (La Ragazza con la Valigia). In ACHILLI, Aberto; CASADIO, Giamfranco (orgs.) Elogio Della Malinconia. Il Cinema di Valerio Zurlini. Ravenna: Edizioni Girasole, 2000. P. 73.
2. Idem, pp. 65-77.