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Roberto Acioli de Oliveira

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10 de jun. de 2009

Pasolini e o Sexo Como Metáfora do Poder (V)


"A tua burguesia é uma burguesia
de loucos
,  a minha,  uma burguesia
de  idi
otas.  Você  se  revolta contra a
loucura com a loucura (distribuindo
 flores  aos  policiais);  mas  como  se  
revoltar     contra     a    idiotia(...)"
Trecho da carta de Pasolini ao poeta beat Allen Ginsberg (1)

Mais Alguns Fatos Contemporâneos 

A hipocrisia do Poder a que Pasolini está se referindo em Salò, os 120 Dias de Sodoma (Salò, o le 120 Giornate do Sodoma) fica evidente no “imposto pornô” defendido atualmente pelo governo Berlusconi na Itália. Segundo o discurso oficial, pretende-se encher os cofres públicos na atual crise financeira mundial, mas também desencorajar o mercado da pornografia. Cada obra será taxada em 25%: “jornais, revistas especializadas, obras literárias, teatrais e cinematográficas, audiovisuais e multimídias que contenham cenas de sexo explícito e não simulado entre adultos conscientes” (2).

Segundo o Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (Eurispes), calcula-se que a indústria pornográfica italiana gere mais de 1 bilhão de euros por ano, grande parte sem taxação. Outra lei italiana pretendeu taxar a prostituição, além disso, afirma que o crime não é sair com a prostituta, mas negociar o programa. Há alguns anos, a Itália foi o único país do mundo a eleger uma prostituta como deputada. Era Cicciolina, que mostrava os seios e levantava o braço em pose semelhante à estátua da liberdade em Nova York.

A poucos dias das eleições italianas, o primeiro ministro Berlusconi foi fotografado com prostitutas nuas em sua residência. Teria apenas saído com elas ou também negociado o programa? Ele acha que esse pode ser um dos motivos porque perdeu nas eleições... Esse comportamento dúbio apenas facilita a constatação da dupla moral do Poder na Itália, hipocrisia da qual Pasolini já falava há mais de trinta anos! É sempre bom lembrar que durante o regime de Mussolini, com a desculpa de controle de doenças, o governo administrava bordéis.

Desde 1860 a prostituição no país era regulada pela Lei Cavour, com origens em tempo medievais. A Igreja medieval tolerava a prostituição, considerando-a uma válvula de escape para o “incontrolável impulso masculino”, que poderia criar problemas se direcionado às virgens ou às esposas solitárias, ou ainda a homossexualidade e a masturbação. A Lei Cavour registrava as prostitutas e os bordeis. Elas eram examinadas duas vezes por semana e hospitalizadas em local predeterminado em caso de doença venérea.

Houve um afrouxamento da legislação entre 1888 e 1891, mas a coisa só mudou em 1958. Note-se que o imposto pornô proposto pelo governo Berlusconi não tem nenhum objetivo de inclusão das prostitutas na sociedade, mas apenas resolver os problemas financeiros do próprio governo - uma postura de pura cafetinagem.

Antes de 1959, a prostituição só era legalizada dentro dos bordéis. Neste ano, a Lei Merlin, ainda aplicada hoje, revoga isso, fecha os bordéis e cria empecilhos para a exploração das prostitutas pelos cafetões e cafetinas. No entanto, ainda que essa lei tivesse como objetivo promover direitos, causou um aumento da prostituição de rua, inclusive de imigrantes ilegais. Será que o imposto pornô vai reeditar as “regras sanitárias” dos “bordéis de Mussolini”? Afinal, se o governo italiano utilizará a taxação para se proteger da crise, deve estar interessado em proteger “seu investimento”.

Notas:

1. Citado em AMOROSO, Maria Betânia. Pier Paolo Pasolini. São Paulo: Cosac & Naify. 2002. P. 70.
2. Imposto Pornô. Decreto anti-crise do governo italiano taxa em 25% obras que contenham cenas de sexo explícito. Janaína César, Comunità Italiana, Ano XV – nº. 127. Rio de Janeiro, janeiro de 2009. P. 21. 


9 de jun. de 2009

Pasolini e o Sexo Como Metáfora do Poder (IV)


“Eu não sei
nem como
,
nem quando,
alguma coisa
de humano
acabou”


Pier Paolo Pasolini (1)
Revolução Sexual?

Depois de dirigir os filmes de sua Trilogia da Vida, Pier Paolo Pasolini parecia não nutrir muitas esperanças de que a Itália sobrevivesse ao bombardeio avassalador que o consumismo promovia nos corações e mentes de seus conterrâneos. Tanto é que ao ver como os filmes foram deglutidos pela lógica do consumo e transformados em pornografia ele abjurou os filmes da Trilogia. Talvez fosse tarde demais, os próprios corpos das pessoas haviam sido dominados, a sexualidade em si mesma estava a mercê e a serviço do mercado de consumo: agora sexo é bom por que vende um produto qualquer, ainda que seja a pornografia.

Na década de 70 do século passado, após o advento da pílula anticoncepcional, a liberdade sexual era uma questão aparentemente resolvida. Os corpos eram agora aparentemente livres para fazer sexo quando quisessem e com quem desejassem. As lutas das feministas em torno do aborto estavam na ordem do dia. Entretanto, do ponto de vista de Pasolini era como se o mundo estivesse acabando. Para começar, ele era contra o aborto e questionava o papel da escola, que estaria a serviço do capital e não mais se concentrava em formar pessoas, mas consumidores.

Há quem diga que a luta dele contra o aborto teria raízes em sua mãe. Ele foi muito ligado a ela e estaria vendo a legalização do aborto como uma forma de destruir os laços entre mães e filhos. Seja como for, o cineasta acreditava que era falsa a permissividade do Estado em relação à revolução sexual. Pasolini fazia uma distinção entre pornografia comercial e pornografia poética, chamando atenção para o fato de que a tolerância do Estado tendia a se voltar para as obras pornográficas vulgares e comerciais, enquanto mantinha sua intolerância em relação às obras de arte onde o elemento erótico tinha sempre um significado cultural e político (2). A falsa permissividade do Estado esconderia a censura àquelas formas de erotismo e de culto ao corpo que não estão a serviço dele e do mercado de consumo direcionado a um público massificado (estúpido).

Foi esse o motivo que levou Pasolini a abjurar sua Trilogia da Vida, pois o erotismo e os corpos nus ali presentes foram destituídos de sua carga poética e o mercado de consumo passou a enfatizar apenas o lado pornográfico, vulgar e comercializável. De acordo com ele, se o exercício da própria sexualidade liberta alguém, então o Estado e o neocapitalismo trataram de destituir o sexo dessa potência libertária e o transformaram numa espécie de rede através da qual a energia da vida poderia ser capturada e direcionada ao consumo de produtos – pornográficos ou não.

Pode-se compreender agora o ponto de vista de Pasolini: por uma censura democrática contra a permissividade do Estado. Segundo o cineasta: “(...)Tal permissividade do Estado é um dos elementos de poluição do homem, justamente porque ele é estatal, capitalista; ela é, portanto, um elemento da alienação e da neurotização dos indivíduos – um elemento de mercantilização que, em grande escala, coincide com um verdadeiro genocídio” (3)

O erotismo torna-se obsessivo, uma vez que em sua nova condição de produto, deverá ser vendido e consumido. Sim, o sexo deve ser transformado numa compulsão para que dê lucro. A frustração com essa sexualidade compulsiva adviria do fato de que fazer sexo se tornou então uma obrigação! Portanto, quanto mais se faz, menos ele satisfaz. Este seria o universo da falsa tolerância do Estado em relação à pornografia. Além disso, sempre que o Estado assim desejar voltará a fazer suas cruzadas moralistas, culpando as pessoas pela degradação engendrada por ele e se apresentando como salvador da moral pública.

“Pasolini sabia também que a revolução sexual promovida pelo fascismo do consumo era uma mistificação, que assim que a humanidade terminasse de realizar a industrialização total do planeta, um moralismo feroz ressurgiria a obrigar todos a fazer o amor dentro das normas produtivas e sociais, através da distribuição de papéis” (4)

O Novo Fascismo

“Se cinco anos de progresso
fizeram
dos italianos um povo
de
neuróticos idiotas, cinco anos de
miséria podem restituir-lhes
a humanidade (...)

Pier Paolo Pasolini (5)

Salò, os 120 Dias de Sodoma
(Salò o le 120 Giornate di Sodoma) é uma metáfora do poder totalitária que se metamorfoseia. Dos dias de Mussolini até a fase do Milagre Econômico na Itália do pós-guerra, existe uma linha que leva direto ao coração do “totalitarismo tolerante” que Pasolini combatia. Eis porque, seu filme foi proibido tão veementemente, eis porque apenas se enfatizam as perversões sadomasoquistas que se pode assistir ali. A bestialidade, que Pasolini desejava fazer ver nos desejos dos Patrões fascistas do filme, foi transformada em fetiche pornô, neutralizando a perspectiva crítica em relação ao momento que a Itália estava vivendo nas décadas do pós-guerra. Pasolini não viveu para ver como ele estava certo, entretanto se Salò foi concebido como a forma mais violenta possível para se mostrar o absurdo da situação política e social da Itália de então, hoje em dia tudo que se pode ver ali passaria quase despercebido aos sadomasoquistas de hoje. Se naquela época, teríamos que conseguir uma cópia pirata do filme de Pasolini para vislumbrar jogos sadomasoquistas, hoje basta comparecer a banca de jornais mais próxima.

Pasolini distinguia entre clérico-fascismo e novo fascismo. O primeiro correspondia a aliança entre o Estado capitalista e a Igreja. Daqui nascia um totalitarismo agrário, artesanal e conservador. Talvez equivalente ao coronelismo no Brasil, esse fascismo era “superficial”, no sentido de que ainda manteria intacta a estrutura psíquica do povo e suas tradições. Exemplos de clérico-fascismo seriam as ditaduras de Salazar em Portugal, de Franco na Espanha e o regime de Mussolini na Itália. O novo fascismo corresponde a aliança entre a Empresa totalitária com o Estado. Mais profundo que o anterior, esse novo fascismo penetra os indivíduos até a alma, roubando-lhes a humanidade. Exemplos desse tipo de fascismo seriam todos os “milagres econômicos” – a Itália atravessou dois até a década de 80 do século passado e o Brasil atravessou um na década de 70, justamente durante a última ditadura. Se antes o italiano seria capaz de interiorizar a pureza da natureza e da humanidade, com o advento do novo fascismo o indivíduo só consegue interiorizar um carro, um refrigerador, um fim de semana na praia (6). O novo fascismo se apresenta com a roupagem da democracia, entretanto a sociedade de consumo transforma radicalmente os jovens.

É isso que está por trás de Salò, os 120 Dias de Sodoma. Ali podemos encontrar assassinato, corpos nus, homossexualismo, sadismo e masoquismo, travestismo e masturbação, além das repugnantes cenas de coprofagia. Entretanto, somente as mentes puritanas e/ou aquelas afogadas na cloaca da estupidez totalitária-consumista-hipócrita serão incapazes de perceber que não se trata de pornografia barata, mas de uma representação do Poder que as fez andar de quatro sem que se dêem conta disso.

Notas:

1. NAZÁRIO, Luiz. Todos os Corpos de Pasolini. São Paulo: Perspectiva, 2007. P. 107.
2. Idem, p. 103.
3. Pour une censure démocratique contre la permissivité d’État, Écran nº42; Le génocide, Écrits Corsaires, pp.239-301. Citado em NAZÁRIO, Luiz. Op. Cit., p. 103.
4. NAZÁRIO, Luiz. Op. Cit., p. 102.
5. Idem, p. 107.
6. La première vraie révolution de droite, Écrits Corsaires, p. 50. Citado em NAZÁRIO, Luiz. Op. Cit., p. 104.

7 de jun. de 2009

Pasolini e o Sexo Como Metáfora do Poder (III)


Em Salò, tudo
é permitido
.
Menos relações
ditas normais
,
punidas com
a morte



O Am
or é a Maior Subversão

Os 120 Dias de Sodoma, livro escrito por Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade em 1785, por si só constitui uma história a parte. O manuscrito se perdeu durante a Revolução Francesa – De Sade estava preso na Bastilha quando escreveu o texto. De alguma forma ele chegou ao século 20 e foi publica em 1935. Existem quatro narradoras, cada uma contando histórias para entreter quatro poderosos/libertinos e seus prisioneiros. A cada dia são contadas cinco “aventuras”, durante 120 dias o total chega a 600 estórias que vão esfolar os valores e costumes. São 30 as estórias mais importantes, o restante servindo de prólogo ou artifício retórico narrativo. Pasolini toma de De Sade seu jeito, mas o atravessa, modifica, o despe de muita coisa. Os acentos de perversão sadiana são articulados à idéia de que em uma sociedade fechada (como a fascista), as vítimas são tão culpadas quanto seus assassinos.

Na verdade,
a falsa tolerância do
fascismo atual impõe a
nós uma série de hábitos,
fazendo-nos crer que
são fruto de nosso
livre arbítrio


Pino Bertelli nos lembra que o último filme de Pasolini, Salò, os 120 Dias de Sodoma (Salò o le 120 Giornate di Sodoma, 1975), não é bonito, mas duro, impiedoso e claustrofóbico. Dominado por uma luz fria e artificial, não há sedução visual. Nas filmagens externas, as cores são ralas e esfumadas na névoa. Entretanto, contém uma esperança, pois se é verdade que na Trilogia da Vida (especialmente em As Mil e Uma Noites) (1) a alegria de Eros era propriamente o amor, não é verdade que em Salò Eros é apenas ódio. “O desespero pasoliniano de Pasolini em Salò... não significa a derrota de uma geração, mas a certeza que o novo fascismo estava agora nos corpos, nas dobras mais ocultas da vida cotidiana, e a única insubordinação incontrolável era o amor. Qualquer tipo de amor” (2).

A Narrativa

A falsa tolerância
do novo fascismo
escraviza os corpos
,
o ato sexual sem amor
é forçado e fruto de
violência gratuita


O filme é estruturado em quatro partes, um Prólogo (Anteinferno) e três Círculos, onde três velhas putas, acompanhadas por uma quarta meretriz ao piano, narram suas histórias. Existem também quatro poderosos, que representam os poderes centrais: o Monsenhor (o poder eclesiástico), o Duque (o poder dos nobres), o Presidente da Corte (o poder judiciário) e o Presidente Durcet (o poder econômico). Após terem recolhido rapazes e moças, um grupo de soldados Republicanos (acompanhados de soldados da SS nazista) se trancam numa villa na cidade de Salò. Pasolini transpõe o livro do século XVIII para o no norte da Itália em 1944, durante a ocupação nazi-fascista.

Segundo Pasolini,
certa
juventude imbecil
e pretensiosa não vê que
um Estado centralizador
sempre programa
os seus gostos


Os prisioneiros ficarão por 120 dias, sendo submetidos às regras e códigos escritos pelos quatro Patrões, quaisquer delitos serão punidos com a morte. Os jovens são divididos em quatro grupos: vítimas sacrificiais, soldados obedientes, colaboradores infiéis e servidão apavorada. Os dias correm, as narradoras contam suas perversões sexuais na Sala das Orgias para excitar os Patrões, que dispõem dos corpos dos prisioneiros como desejam. No Prólogo (Anteinferno) um pacto de aliança é celebrado entre os quatro Patrões, onde cada um deverá casar-se com a filha do outro.

No Fascismo, ou no
neocapitalismo atual
(novo fascismo), a
característica do Poder
é a capacidade de
coisificar os corpos

O Círculo das Manias abre o filme, completamente nus, os rapazes e moças sofrem várias sevícias enquanto uma das meretrizes conta as histórias de sua vida sexual. Em seguida são obrigados se por de quatro e comer pedaços de alimento cheios de agulhas. Na seqüência, passamos ao Círculo da Merda. Enquanto outra meretriz assume o posto de narradora de histórias sexuais, os prisioneiros são “convidados” a comer as próprias fezes num banquete – numa espécie de perversão sádica da Santa Ceia (3) (imagens acima à direita e abaixo). O Círculo do Sangue, com as histórias de outra narradora, nos apresenta mais sevícias e torturas. Um dos rapazes é descoberto fazendo amor com uma das garotas, é fuzilado. Próximo ao fim, os Patrões concluem com uma orgia sacrificial, os prisioneiros mutilam uns aos outros enquanto os poderosos acompanham de binóculo através de uma janela. Em outro lugar, dois prisioneiros com a função de soldados obedientes estão ouvindo rádio. Depois de encontrar uma canção popular dos anos 40, começam a dançar. Um deles pergunta sobre a namorada do outro e elogia o nome dela. Uma cena que começa com uma insinuação sexual, termina com um elogio ao sentimento do amor. “Porque o pensamento do amor vence tudo. Porque para o amor (como para a liberdade) não existem correntes” (4).

Corpos Dóceis (e Escravizados)

Numa época
onde a fome convive
com a alta tecnologia e
a permissividade sexual
torna-se repressiva (já que
é imposta), as perversões
em Salò parecem até
bastante banais

Como em Teorema (1968) ou Pocilga (Porcile, 1969), Salò, os 120 Dias de Sodoma é uma grande metáfora sobre sexo e poder. É um filme extremo, a felicidade que se podia encontrar na Trilogia da Vida é só uma lembrança aqui. O alvo é um universo da comercialização que tira de nós a posse de nossos corpos. Desapropriando-os através do hedonismo e de uma falsa tolerância sexual. Tudo isso aponta para aquilo que Marx denunciou como sendo a comercialização do próprio homem: redução do corpo à coisa através de sua exploração. Quando o corpo é reduzido à coisa pelo consumismo, as obrigações sociais tornam-se apenas uma pedagogia de assimilação. Nesse contexto, aquilo que poderia significar uma afronta ao Poder (que encontramos no filme nas cenas de masturbação, travestismo, voyerismo, sodomia, coprofagia e violência) torna-se uma afirmação da própria impotência através de excessos que no fundo significam um consentimento dos dominados para serem esmagados por ele. Nesse mundo de banalidade do Mal, os demônios não são os fanáticos com mãos ensangüentadas nem os políticos estúpidos, mas os burocratas do Poder – que nenhum tribunal poderá julgar com verdadeira justiça. Salò é o fim de uma Idade da Inocência.

Para Pasolini, a “nova juventude” que surgia no pós-guerra italiano empreendeu uma viagem sem retorno ao País Inexistente da felicidade mercadológica, e era muito evidente para o cineasta que a primeira coisa que será consumida, reciclada, violada, serão seus próprios corpos jovens. Não se pode confundir essa época de crueldade com o livre arbítrio, que nada tem a ver com uma tolerância simulada e cínica. Quando o Poder se instala, afirma Pasolini, a barbárie é aceita como um fato, sua execução não conhecendo nenhuma ideologia justa. Sempre foi em nome de Deus, do Povo ou do Estado, que a humanidade conheceu as mais atrozes violências perpetradas contra si mesma (5).

Notas:

1. Os filmes da chamada Trilogia da Vida antecederam Salò. São eles O Decameron (Il Decameron, 1971) Os Contos de Canterbury (I Racconti di Canterbury, 1972), e As Mil e Uma Noites (Il Fiore delle Mille Una Notte, 1974).
2. BERTELLI, Pino. Pier Paolo Pasolini. Il Cinema in Corpo. Atti Impuri di un Eretico. Roma: Edizioni Libreria Croce, 2001. P. 310.
3. NAZÁRIO, Luiz. Todos os Corpos de Pasolini. São Paulo: Perspectiva, 2007. P. 110.
4. Idem, p. 311.
5. Ibidem, p. 312.

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