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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

8 de jan. de 2011

Bertolucci e o Negócio da China (III)




Pu Yi era natural da Manch
úria, apesar de
ser   imperador de toda
a China
, ele a trairia ao
tornar-se o fantoche
em Manchukuo
(1)



 

O Desejo de Esquecer

Segundo Tonetti, o Pu Yi da autobiografia era bem menos comunicativo. Falava pouco de suas emoções e seu comportamento sexual era problemático. Na introdução do livro, um ex-servo dele garantia que o ex-imperador era bissexual e sádico com as mulheres. Não podemos esquecer que a autobiografia de Pu Yi foi autorizada pelo regime comunista que o “reeducou”. Bissexual, sádico ou bizarro, ele teria de ser mesmo que não fosse. Convenientemente, na introdução da autobiografia, um eunuco ex-servo fazia “revelações” que dariam veracidade aos dados descritos. Supondo que Bertolucci imaginasse que a autobiografia de um ex-inimigo do regime (autorizada pelo mesmo regime) pudesse conter exageros e bizarrias (para comprovar a capacidade do regime comunista de “reeducar” mesmo os seres humanos mais abjetos) é de surpreender como o cineasta conseguiu que sua própria releitura bem menos bizarra fosse autorizada por este mesmo regime. Especialmente a introdução da cena em que o diretor da prisão questiona Pu Yi por acreditar que ele assinou confissões por crimes que não teria como cometer. Pu Yi retruca dizendo que não se importa porque sabe que está sendo usado. (imagem acima, após a imperatriz “perder” o filho recém nascido, os portões se fecham mais uma vez na vida de Pu Yi; abaixo, Pu Yi, ainda criança durante a coroação)




Durante sua vida,
Pu Yi foi explorado por
todo
s. Os sanguessugas da
Cidade  Proibida,  depois
os japoneses e no final
os maoístas




Wang Jung, também conhecida como Elizabeth, é a rainha de Pu Yi. Novamente a autobiografia sugere um comportamento extraconjugal devasso. A Elizabeth de Bertolucci até comete adultério com o motorista do marido. Pelo qual pagará caro, seu filho será assassinado ao nascer enquanto ela será afastada de Pu Yi – mas nada disso ordenado por ele, ainda que autorizado por sua omissão em impedir a expulsão dela. Muito antes disso, ela já dava sinais de descontentamento com a atitude subserviente de Pu Yi em relação aos japoneses. Durante a festa da coroação dele, Elizabeth começa a comer orquídeas brancas. Tonetti não esclarece se este episódio consta da autobiografia, mas afirma que aqui Bertolucci estaria fazendo uma referência à lenda da Lotofagia e o desejo de esquecer. Um povo mítico oferece flores de lótus a alguns companheiros de Ulisses para que eles se esqueçam do desejo de voltar para casa. Mas Elizabeth não consegue esquecer seu verdadeiro lar, a China – que não cabeça deles não é Manchukuo. Apesar de viciada em ópio, ela ainda é capaz de perceber a má influência dos japoneses, ela avisa Pu Yi, mas ele não é Ulisses (2). Seria esta mais uma interferência do regime comunista chinês na autobiografia de Pu Yi?

Um Filme de Propaganda Anti-Maoísta? 




Ao regime chinês da década
de 80 era conveniente  um
filme que desqualificasse
o  regime  maoísta






Millicent Marcus localiza num comentário de Alberto Moravia em 1988 a melhor definição do feito de Bertolucci ao realizar O Último Imperador: “A experiência que provavelmente mais ajudou Bertolucci em seu filme sobre a China e Pu Yi foi a de haver participado sentimental e culturalmente dos acontecimentos políticos italianos. Sem essa participação, não teria havido renúncia da história romanceada nem da parábola psicológica do protagonista” (3). Bertolucci negou que a China do filme fosse uma projeção da Itália, embora se deva admitir com Edward Said que o Oriente sempre foi um espelho para o Ocidente. De qualquer forma, é bom lembrar que a maioridade política o cineasta coincidiu com um desapontamento revolucionário quando os acontecimentos de maio de 68 falharam em produzir uma agenda de reformas válida. Em 1987, Bertolucci diria que “a China havia se tornado uma projeção para nossas utopias confusas”. Nasce então uma desconfiança em relação a todo aparato de Estado, mesmo aqueles nascidos de revoluções, onde o poder se institucionaliza e o governo busca apenas sua própria conservação (4). (acima e abaixo, Pu Yi finalmente sai da Cidade Proibida, ainda que somente porque foi expulso pelos novos poderosos)





Na verdade, a autobiografia
de  Pu Yi  foi  escrita por Li
Wenda, escritor fantasma
que fazia propaganda
comunista (5)




Bertolucci também não acredita, como alguns críticos em relação a seu filme, que ele possa ser acusado de fazer propaganda comunista. A República Popular da China é mostrada como apenas mais um caso de poder instável e sujeito a turbulências internas. O fato de o diretor da prisão cair vítima da Revolução Cultural, sendo ridicularizado e humilhado em público pela Guarda Vermelha sugere que o filme não deixa de mostrar o fanatismo do regime maoísta. No fundo, não há diferença entre a exploração das massas pelos maoístas ou pelo império do qual Pu Yi era o último fruto. Por outro lado, a permissão de Bertolucci para filmar na China em meados da década de 80 do século passado teria sido dada precisamente porque um retrato negativo do regime maoísta interessava ao grupo dominante no governo chinês da época. Uma perspectiva crítica em relação à Revolução Cultural era bem vinda porque o governo tinha um programa de reformas econômicas – e sabemos no que a China se transformou hoje (6).

As Mulheres, Entre Ocidente e Oriente (I), (II), (final)
Medo do Diferente ou Conveniência Política?
O Diferente (do Oriente) Como Bode Expiatório

Notas:

1. TONETTI, Claretta Micheletti. Bernardo Bertolucci. The Cinema of Ambiguity. New York: Twayne Publishers, 1995. P. 214.
2. Idem, p. 210.
3. MARCUS, Millicent. After Fellini. National Cinema in the Postmodern Age. Baltimore (USA): The Johns Hopkins University Press, 2002. P. 61.
4. Idem, pp.61-3.
5. Ibidem, p. 63.
6. Ibidem, pp. 63 e 330n12. 


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