“Elas
não estão nuas,
mas sua combinação,
aqui, é signo de
nudez” (1)
Nathalie Bourgeois
não estão nuas,
mas sua combinação,
aqui, é signo de
nudez” (1)
Nathalie Bourgeois
Uma Roupa que Despe
Com a banalização da nudez nas telas, do cinema e da televisão, a sensualidade parece estar perdendo terreno para uma sexualização que tem mais relação com interesses econômicos (de quem vive desse comércio) do que propriamente com uma mudança de hábitos em relação ao corpo humano. Por muito menos que isso, Pier Paolo Pasolini chegou a abjurar da Trilogia da Vida, um grupo de filmes onde ele mostrava corpos nus. Mas sua intenção foi enaltecer uma forma mais autêntica e ingênua de encarar o próprio corpo e a sexualidade. Vendo a estética desses filmes copiada por uma indústria pornô nascente, Pasolini perde mais essa batalha, o capitalismo engole tudo. No Ocidente, desnudar o corpo virou uma obsessão. Entretanto, como lembraria Pasolini, uma obsessão que no fundo é uma imposição capitalista capturando o prazer sexual.
Mas não estamos aqui fazendo a apologia da burka, aquele véu com o qual países muçulmanos mais ortodoxos obrigam suas mulheres a cobrir o corpo todo. Por outro lado, às vezes cobrir o corpo intensifica o desejo. Pelo menos é assim que pareciam pensar nas décadas de 50 e 60, a peça de roupa íntima feminina que se chamava “combinação” era então muito utilizada. Ela cobria o corpo, entretanto, seu efeito visual como uma segunda pele era capaz de levar multidões aos cinemas (e não estamos falando de muçulmanos). (imagem ao lado, elas estão de vestido para noite, mas o modelo seria uma roupa de baixo)
Combinação na Telona
Muitos seriam os exemplos, dos quais lembraremos apenas os de algumas mulheres para quem a combinação funciona praticamente como uma roupa comum. Usando uma combinação de coloração clara ou “carne” e babados, encontramos Carole, a personagem de Catherine Deneuve em Repulsa ao Sexo (Repulsion, Roman Polanski, 1965) (imagem ao lado). Numa cena antológica, Carole chega do trabalho e vai tirando a roupa pela casa. Vestida apenas com a combinação e mais duas peças íntimas, suspende a perna até a pia para lavar os pés. Ela deixa apenas o fino tecido entre sua genitália e o espectador.
Em O Silêncio (Tystnaden, 1963), a personagem feminina criada pelo diretor sueco Ingmar Bergman não perde para as italianas de Antonioni. Duas irmãs num hotel em algum lugar perdido, uma delas transa com um desconhecido noutro quarto. Sua combinação de cor clara parece inebriar até a irmã (imagem ao lado). Uma Jovem Tão Bela como Eu (Une Belle Fille Comme Moi, direção François Truffaut, 1972) mostra Camile Bliss sendo caçada pela esposa de seu amante (imagem abaixo). Em pânico ela sai em disparada pelo parque vestida apenas com uma combinação barata, e acaba encontrando como único refúgio o caminhão de um desratizador maluco.
Mas não estamos aqui fazendo a apologia da burka, aquele véu com o qual países muçulmanos mais ortodoxos obrigam suas mulheres a cobrir o corpo todo. Por outro lado, às vezes cobrir o corpo intensifica o desejo. Pelo menos é assim que pareciam pensar nas décadas de 50 e 60, a peça de roupa íntima feminina que se chamava “combinação” era então muito utilizada. Ela cobria o corpo, entretanto, seu efeito visual como uma segunda pele era capaz de levar multidões aos cinemas (e não estamos falando de muçulmanos). (imagem ao lado, elas estão de vestido para noite, mas o modelo seria uma roupa de baixo)
Combinação na Telona
Muitos seriam os exemplos, dos quais lembraremos apenas os de algumas mulheres para quem a combinação funciona praticamente como uma roupa comum. Usando uma combinação de coloração clara ou “carne” e babados, encontramos Carole, a personagem de Catherine Deneuve em Repulsa ao Sexo (Repulsion, Roman Polanski, 1965) (imagem ao lado). Numa cena antológica, Carole chega do trabalho e vai tirando a roupa pela casa. Vestida apenas com a combinação e mais duas peças íntimas, suspende a perna até a pia para lavar os pés. Ela deixa apenas o fino tecido entre sua genitália e o espectador.
Em O Silêncio (Tystnaden, 1963), a personagem feminina criada pelo diretor sueco Ingmar Bergman não perde para as italianas de Antonioni. Duas irmãs num hotel em algum lugar perdido, uma delas transa com um desconhecido noutro quarto. Sua combinação de cor clara parece inebriar até a irmã (imagem ao lado). Uma Jovem Tão Bela como Eu (Une Belle Fille Comme Moi, direção François Truffaut, 1972) mostra Camile Bliss sendo caçada pela esposa de seu amante (imagem abaixo). Em pânico ela sai em disparada pelo parque vestida apenas com uma combinação barata, e acaba encontrando como único refúgio o caminhão de um desratizador maluco.
Jeanne Moreau e Mônica Vitti, em A Noite (La Notte, direção de Michelangelo Antonioni, 1961), usam vestidos para noite pretos, mas é como se elas vestissem combinação uma preta (primeira imagem acima, à direita). Em O Grito (Il Grido, 1957), também direção de Antonioni, a charmosa, ciumenta e carente dona do posto usa combinação preta (imagem abaixo, à esquerda). Em Paisà (1946), marco do Neo-Realismo, Roberto Rossellini apresenta uma jovem que se oferece ao soldado americano libertador. Infelizmente para ela, ele não reconhece a moça, que acaba por se prostituindo. (imagem no início do artigo)
Em Arroz Amargo (Riso Amaro, direção de Giuseppe De Santis, 1949), enquanto as outras mulheres, usando combinações velhas e camisolas, estão envolvidas em suas preocupações particulares e sindicais, a personagem de Silvana Mangano (cabelo marrom alourado, usando combinação preta) e sua amiga morena, usando uma combinação clara e florida, conversam. Seus corpos fazem um balé emoldurado por suas vestes. Essa é uma daquelas cenas, cada vez mais raras na tela de cinema, onde ombros que descansam sob finas alças de combinação roubam a cena dos closes de rosto (imagem ao lado). Temos três exemplos no cinema de Luchino Visconti.
Anna Magnani é uma mãe em Belíssima (Bellisima, 1951). Enquanto ela arruma sua filha e a si mesma para mais um concurso de beleza, nota que um menino vem assistir a mulher com sua combinação preta. Em O Trabalho (1962, parte da coletânea Boccaccio ‘70), Pupe, a personagem de Romy Schneider, vai se despindo enquanto fala ao telefone. Sandra, a personagem de Claudia Cardinale em As Vagas Estrelas da Ursa (Vaghe Stelle dell’Orsa, 1965) entra no quarto, se despe, solta os cabelos e se mantém altiva vestida com sua combinação, diante do marido e da empregada.
Nudez Velada
O cinema tirou muita vantagem dessa peça de roupa feminina, para desnudar atrizes sem deixá-las nuas. A combinação viria a se tornar uma segunda pele de seda ou viscose. Reunindo numa só peça a camisa e a saia, a combinação marca o ponto de parada do strip-tease onde as outras peças (saia, corpete, sutiã, cinto largo para criar “cintura de vespa”, etc) podiam deixar o espectador na espera. Ombros carnudos, quadris marcados. Dito de outro modo, se a atriz fosse vista de combinação, teríamos pouca chance de vê-la nua. Duas deusas da combinação foram a italiana Anna Magnani e a francesa Simone Signoret. (ao lado Anna Magnani; abaixo, Romy Schneider)
No jubilo fetichista e no festival de closes das partes do corpo feminino que encontramos no cinema mundial, enxergamos através da combinação, geralmente sustentada por apenas dois fios entre o ombro e o início do pescoço. A combinação se conforma ao corpo, comprimindo-o até tornar visível o que ela recobre (sutiã, cinta, dobras da barriga). Houve época em que uma mulher usando combinação era como a inocência antes do pecado, quando ela já está nua sem ainda estar.
Leia também:
A Nudez no Cinema (II): Ingmar Bergman
Bertolucci no Mundo da Lua
As Deusas de François Truffaut
Notas:
1. BOURGEOIS, Nathalie. Combination In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque. P. 107. Com exceção da referência à Pasolini, o artigo resume o verbete. Pp. 106-8.