“Mais cedo ou
mais tarde, chega um momento em que falar ou ficar calado é a mesma coisa. Então é melhor
ficar calado”
Alfredo para Salvatore
Ancorados no Passado
Os Filmes do Paraíso
Mas a preocupação de Tornatore seria outra: o imaginário da platéia e como se pode lapidar isso. Filmes “de arte” são justapostos a produções comerciais, os de Hollywood com os franceses e os italianos, ficção com cinejornais, filmes de autor com filmes de gênero, comédias com melodramas. Mesmo filmes ambientados na Sicília e comprometidos com o aumento de consciência do público, são banidos para a terra do nunca da fabulação cinematográfica hollywoodiana. Neste particular, dois exemplos podem ser citados, A Terra Treme e Em Nome da Lei. O primeiro mostra o problema de pescadores da Sicília que são explorados pelos patrões. Depois de assistir ao filme, ouvimos comentários mostrando como o público não foi capaz de perceber que acontece com eles mesmos. No segundo filme, a platéia delira quando o oficial da lei prende o mafioso como num conto de fadas, mostrando que ela não tem consciência de seus próprios apuros e comprometimentos.
Quando o Passado Retorna!
Na opinião de Millicent Marcus, ainda que nostálgico, Cinema Paradiso ultrapassa o reducionismo da citação pós-moderna (do passado) ao incorporar a projeção de filmes antigos, evitando a “colonização estética”: Cada vez que Tornatore insere os filmes, ele estaria dizendo o que Cinema Paradiso Não É - a distância entre seu filme e as produções de Hollywood, do Realismo Poético francês, ou ainda, do cinema italiano do imediato pós-guerra.
A Platéia é o Filme

para o próprio filme de
Tornatore, a ressurreição dessa platéia ideal
O espectador passa por todo um ciclo de vida em Cinema Paradiso. Têm de tudo, da corte ao casamento e ao recém nascido do casal Ângelo e Rosa, passando pela cópula de um casal anônimo, por um bebê mamando alheio ao riso da mãe, ou ainda a morte de Don Vincenzo durante um filme de gangster.
Enquanto Star-marker está focado na cinemania no interior da Sicília, Cinema Paradiso sintoniza a vida da sala de cinema em Giancaldo. Uma seqüência em especial revela que o espectador é o foco do filme. Enquanto assistem a Os Boas Vidas, Tornatore posiciona a câmera por trás da tela e filma a platéia de frente. As imagens do filme são projetadas sobre as pessoas, o filme e os rostos se superpõem. As reações da platéia são mostradas muitas vezes. A interação com a tela é total. Quando Tornatore consegue nos levar a reagir no mesmo nível da platéia de Giancaldo, está recriando o paraíso perdido do cinema dentro de nós (4).
Alfredo para Salvatore
O paraíso é o lugar da queda, onde o homem abraçou o conhecimento proibido. Lembre-se que o cinema é guardado por uma estátua da Virgem Maria e patrulhado pelo padre Adelfio. Além disso, o cinema fica na frente da igreja. Existe uma articulação entre missa e mídia de massa, entre drama litúrgico e espetáculo fílmico. Com seus mitos de heroísmo e romance, o cinema é um equivalente secular da missa em torno do sacrifício de Cristo e da oferta de redenção. O nome original do filme, Nuovo Cinema Paradiso, refere-se à sua segunda fase (depois do incêndio). Na versão reduzida de Cinema Paradiso, Alfredo é amigo, protetor, professor, modelo, a figura paterna que faltava a Salvatore. “Vá embora! Essa terra é amaldiçoada!”, Alfredo insiste com rapaz.
O Alfredo da versão estendida de Cinema
Paradiso é muito mais problemático
Foi ele que separou Salvatore e Elena, re-escrevendo o roteiro da vida do rapaz. Quando Elena, trinta anos depois, justifica a atitude de Alfredo, endossa a teoria da sublimação da criatividade artística e seu papel de musa de Salvatore: “(...) Se tivesse escolhido ficar comigo, não teria feito seus filmes e seria uma pena, pois eles são lindíssimos. Eu vi todos” (5). Salvatore, ao contrário, condena Alfredo: “(...) Não poderia imaginar que tudo acabaria por causa do homem que foi como um pai para mim. Um louco!” Ressentido com a defesa dela em relação a Alfredo, Salvatore sussurra: “Maldito Alfredo! Enfeitiçou você também”. Millicent Marcus chama atenção para a palavra “encantou”, estratégica para entendermos os poderes encantatórios do cinema em Alfredo.
Alfredo
consegue separar
o jovem casal utilizando as mesmas armas de Hollywood
No encontro entre Elena e Alfredo, ele desvalorizou a paixão transcendente: “(...) Minha filha, o fogo vira sempre cinza. Até o maior amor mais cedo ou mais tarde termina, acaba... e depois surgem outros amores, tantos! E mais tarde, chegam outros amores, muitos. Por outro lado, o Totó só tem um futuro! (...)” Impedindo aquele romance, bloqueando seu progresso natural na direção do casamento e da vida familiar, o velho amigo de Totó mantém o amor do casal no nível da paixão cinematográfica - sem rotina doméstica.
“‘Talvez não acredite, mas eu serei o ator principal de sua vida’, diz o jovem Salvatore, cineasta principiante de super-8, à imagem de Elena projetada na parede de seu quarto. No final, Salvatore se tornou exatamente isso – um herói romântico, condenado a viver a vida como cinema, uma projeção de desejos que encontram uma concretização apenas no paraíso ilusório da tela de prata” (6)
Notas:
1. MARCUS, Millicent. After Fellini. National Cinema in the Postmodern Age. Baltimore (USA): The Johns Hopkins University Press, 2002. P. 199.
2. JAMESON, Frederic. A Condição Pós-Moderna. Citado em MARCUS, Millicent. Op. Cit., P. 200.
3. MARCUS, Millicent. Op. Cit., p. 204.
4. Idem, p. 207.
5. Ibidem, p. 211.
6. Ibidem, p. 213.
1. MARCUS, Millicent. After Fellini. National Cinema in the Postmodern Age. Baltimore (USA): The Johns Hopkins University Press, 2002. P. 199.
2. JAMESON, Frederic. A Condição Pós-Moderna. Citado em MARCUS, Millicent. Op. Cit., P. 200.
3. MARCUS, Millicent. Op. Cit., p. 204.
4. Idem, p. 207.
5. Ibidem, p. 211.
6. Ibidem, p. 213.