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Roberto Acioli de Oliveira

Arquivos

20 de fev. de 2011

Bertolucci e o Tango de Bacon (I)





“Você está vendo este

retrato? Bem, quero que
você    consiga    recriar
esta massa  de  dor”
(1)


 



Um Homem, Uma Mulher e Seus Fantasmas

Paul e Jeanne se encontram casualmente num apartamento para alugar em Paris, ele está situado na Rua Julio Verne – um mestre das fantasias bem humoradas, alguém de quem se pode dizer que conseguiu criar uma nova linguagem. Paul é norte-americano na casa dos quarenta e Rosa, sua esposa, cometeu suicídio recentemente – podemos vê-lo diante do caixão dela recriminando e xingando. Jeanne é francesa, tem vinte e um anos de idade a vai se casar, então procura um apartamento para morar com Tom, um cineasta que parece viver mais para filmar sua relação com ela do que vivê-la. Paul e Jeanne começam a se encontrar regularmente no apartamento, onde fazem sexo sem nem mesmo saber os nomes um do outro – ele insiste que assim seja. Paul é sempre muito grosseiro, tratando Jeanne como um objeto. No terceiro dia, ela resolve que aquilo tem de acabar.



.
O cineasta espanhol
Carlos Saura afirma dança
bem tango, como nos filmes
de Bertolucci
em linha reta,
não em círculos
. Um estilo que
pode satisfazer europeus, mas
uma  espécie  de  insulto
para os argentinos
(2)




Embora Jeanne não abandone aquela bizarra relação com Paul, sempre reclama do comportamento dele – chega a chamá-lo de monstro. Com traços sádicos, o comportamento de Paul acaba revelando elementos masoquistas – primeiro ele força uma relação anal com ela enquanto pragueja contra a instituição da família, depois pede que ela o sodomize com os dedos, enquanto pragueja contra ela. Quando ela decide partir, Paul tenta convencê-la a ficar e a segue até um salão de baile onde tomam um porre e tentam dançar tango. Paul propõe casamento, Jeanne recusa e ele a segue até o apartamento dela. Chegando lá, Paul coloca o quepe militar do pai dela (um militar morto na guerra da Argélia) e a provoca. Jeanne pega a arma do pai e dá três tiros nele. Paul cambaleia até a varanda e cai, murmura e se encolhe numa posição fetal até morrer. Jeanne fica falando sozinha, como se estivesse ensaiando o que diria para a polícia: nunca vi aquele homem antes, ele me seguiu pela rua, era louco e queria me estuprar.

Pornografia e Patrulhamento Ideológico?




Não é difícil entender
porque  Bertolucci  (não confundir com Berlusconi)

teve  muitos  problemas
com a política italiana






Contrariamente à fama de O Último Tango em Paris (Ultimo Tango a Parigi, 1972), nudez e sexo pouco aparecerem neste filme. Na opinião de Jacques Kermabon, as cenas de nu são breves, pouco numerosas e sem erotismo. Quando o casal faz sexo, apenas duas vezes, não se vê nada além do estritamente necessário. A nudez é “natural”, cotidiana: na banheira, no lavabo, etc. A nudez dos corpos remete a uma “nudez existencial” (3). Nudez e sexualidade que, diga-se de passagem, sempre estiveram presentes nos filmes de Bertolucci. Talvez não se possa justificar o “apelo” sexual pelo fato de que, em filmes como O Último Tango..., 1900 (Novecento, 1976) e La Luna (1979), o cineasta conscientemente tenha procurado romper com o circuito de filmes de arte. Na opinião de Peter Bondanella, o fato de Bertolucci passar a se concentrar no circuito de distribuição comercial em larga escala, com dinheiro norte-americano, fazendo filmes em inglês e escolhendo atores e atrizes norte-americanas cujo renome garantiria retorno de bilheteria, não pareceram diminuir seu talento. Quem sabe, esta guinada na direção de filmes mais comerciais (ou da inserção de alguns elementos comerciais) tenha sido fruto de sua convivência com Sergio Leone. Figura chave do faroeste espaguete, ele sempre foi considerado um cineasta comercial. Entretanto, Bertolucci, que trabalhou com ele no roteiro de Era Uma Vez no Oeste (C’era Una Volta il West, 1968), disse que a convivência com Leone foi muito proveitosa e educativa.


.
A  relação  com  Sergio
Leone talvez tenha ajudado a
Bertolucci  perder  o medo de

fazer sucesso financeiro







Bertolucci foi muito criticado pela esquerda na Itália, diziam que o sucesso do filme era o sinal mais claro de que o cineasta havia se vendido para o público pagante. Como ele pertencia ao Partido Comunista Italiano, tratou de fazer um documentário sobre a situação da Saúde naquele país. Naquilo que Bertolucci chamou de “filme feio”, mostrou o interior de um hospital onde as pessoas estavam amontoadas em salas lotadas – uma situação muito comum em certos países latino-americanos. O documentário se chamava, A Saúde Está Doente (La Salute è Malata). Bertolucci filmou para passar durante as eleições de 1971 em Roma – que então era controlada pelos Democrata-Cristãos. Durante a campanha eleitoral o filme foi projetado ao ar livre, mas isso não foi suficiente para que a esquerda mudasse de idéia em relação à Bertolucci (4). Mas essa era somente parte da bizarria cultural italiana, outros grupos desejavam simplesmente queimar as cópias de O Último Tango... Além disso, Bertolucci ficou proibido de votar em eleições durante 5 anos (5).

Jeanne e Tom




Jeanne  esculacha  o  futuro
maridoporém obedecerá as
ordens bizarras do grosseiro
Paul. Faz sentido para você?





Na faixa dos 20 anos de idade, Jeanne faz o tipo “liberada”. Não parece constituir problema ter um caso sexual/bizarro com um desconhecido, que tem idade para ser seu pai, no apartamento que ela pretendia alugar para morar com o noivo. Naquele apartamento, com Paul, ela parece sentir-se confortável como anônima. Do lado de fora, na rua, ela se enfurece com Tom. Não é para um mal educado e evasivo Paul (que a forçou a fazer sexo anal), mas para um Tom que lhe aponta câmeras de filmagem que ela diz: “você está me estuprando”. Na primeira vez que vemos Tom, ele está filmando Jeanne enquanto ela caminha a seu encontro. Ele explica que está fazendo um filme sobre ela para a televisão – Retrato de Uma Garota. Tom ama Jeanne, mas está apaixonado pelo cinema. “Eu estou zombando de mim mesmo”, disse Bertolucci explicando a presença de Tom em seu filme. Paul e Tom não poderiam ser mais diferentes, enquanto o primeiro faz grunhidos como um macaco, em silêncio total o segundo grava os sons de um ganso no jardim de Jeanne. Enquanto Paul faz questão de nada saber, Tom filma tudo e quer saber sobre a infância dela e sobre o pai dela também. Jeanne, por sua vez, não tem tempo para Tom, mas fala elogiosamente sobre seu pai para Paul – que chama aquilo de “monte de bobagem” ["what a steaming pile of bullshit"].



Talvez Paul fosse
apenas um detalhe
d
a despedida de
solteira de Jeanne






Comentários escatológicos são freqüentes por parte de Paul. Talvez, Tonetti sugeriu, por conta de um episódio bizarro de sua infância, quando seu pai sujou os sapatos do filho com bosta de vaca. O desejo estético de Tom (até o limite da escotofilia) inverte a tendência de Paul a reduzir tudo a excrementos. Apesar disso, é com ele que Jeanne briga, chegando aos socos na cena do metrô. Curiosamente, frases que ela dispara em Tom poderiam ser endereçadas a Paul: “Você está tirando vantagem de mim”, “você me força a fazer coisas que nunca fiz”. Por outro lado, ela não demonstra temer Paul, cuidado que em princípio deveria ter. Na cena do banheiro, Paul faz a barba enquanto ela o provoca até perguntar se ele vai usar a lâmina nela – o que Jeanne não sabe é que foi com esta mesma lâmina de barbear que Rosa se suicidou.

Leia também:

Roma de Pasolini
Arcaísmo e Cinema no Evangelho de Pasolini

Notas:

1. TIRARD, Laurent. Grandes Diretores de Cinema. Tradução Marcelo Jacques de Moraes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. P. 155.
2. PONGA, Paula. Tango According to Saura. In WILLEN, Linda M. (Ed.). Carlos Saura: Interviews. USA: University Press of Mississippi, 2003. P. 150.
3. KERMABON, Jacques. Le Dernier Tango à Paris. In BERGALA, Alain; DÉNIEL, Jacques; LEBOUTTE, Patrick (orgs) Une Encyclopédie du Nu au Cinéma. Éditions Yellow Now/Studio 43 – MJC/Terre Neuve Dunkerque, 1991. Pp. 131-3.
4. TONETTI, Claretta Micheletti. Bernardo Bertolucci. The Cinema of Ambiguity. New York: Twayne Publishers, 1995. P. 122.
5. Comentário de Bertolucci nos extras de La Luna, lançado no Brasil pela distribuidora Versátil Home Vídeo. 


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