Composta por Mulheres e Luzes (Luce del Varietà, co-dirigido por Alberto Lattuada, 1950), Abismo de Um Sonho (Lo Sceicco Bianco, 1952) e Os Boas Vidas (I Vitelloni, 1953), estes filmes também são os primeiros da carreira de Fellini. Falam das ilusões e sonhos dos italianos do interior, que cresceram pensando em mudar suas vidas partindo para Roma (o êxodo para o grande centro desenvolvido), ou tornando-se um famoso personagem do show business.
Embora o cinema Neo-Realista seja caracterizado por temas mais urgentes (como desemprego, a guerra e a resistência, assim como a recuperação econômica do pós-guerra: temas socialmente relevantes), na definição de Peter Bondanella, ainda que não tratem diretamente desses assuntos, os filmes que compõem a trilogia possuem um sabor Neo-Realista. Em sua opinião, a crítica amarga em relação à vida provinciana, cheia de ilusões cômicas e personagens fracassados, poderia facilmente abrir caminho para uma crítica mais politizada da Esquerda em relação à cultura burguesa italiana. O que esses críticos de esquerda não perceberam, completa Bondanella, é que Fellini estava mais interessado no lado subjetivo da vida e o poder da ilusão e da fantasia (1).

O filme já apresenta uma série de elementos temáticos que se tornarão marca registrada de Fellini. Praças vazias durante a noite, onde seus personagens encontram outros que refletem a respeito de suas ilusões; Celebrações noturnas frenéticas que dão lugar a inevitáveis desilusões ao amanhecer; desfile de personagens grotescos incomuns com traços físicos cômicos, lembranças dos personagens que Fellini criava quando fazia caricaturas no jornal em que trabalhou (2).

Àngel Quintana também percebe nesse filme uma das principais obsessões fellinianas: a relação entre sonho e realidade. A partir daí Fellini cria dois motivos temáticos que se tornam típicos de sua poética: a figura da ingênua simples de espírito que poetisa o materialismo que a circunda e a busca de um espaço onde as ilusões são construídas (3).
Os Boas Vidas gira em torno de um grupo de amigos que cresce numa cidade do interior sem grandes perspectivas de desenvolvimento (no vídeo abaixo, fazendo pouco dos trabalhadores braçais: "trabalhadores, prrrr"). Vitelloni, como se chamou em seu título original é uma palavra do dialeto da região onde nasceu Fellini e refere-se a pessoas imaturas, preguiçosas, jovens sem qualquer noção clara de direção em suas vidas. Cada um dos cinco amigos tem sonhos (mudar-se para a capital, escrever uma grande peça teatral, ser o casanova da cidade, etc). Quando as máscaras caem, revela-se a realidade superficial e vazia de suas verdadeiras personalidades. Moraldo é o único que realiza seu desejo, mudar-se para a capital. Muitos daqueles que interpretam como autobiográfica a obra de Fellini, vêem em Moraldo um alter ego do cineasta e predecessor de outro, Marcello, o jornalista do interior que se torna o famoso escritor em crise de A Doce Vida (1959).
Notas:
Leia Também:
Fellini e a Trilogia da Salvação
Ettore Scola e o Milagre em Roma
Ettore Scola e o Filme Dentro do Filme
Mussolini e a Sombra de Auschwitz
1. BONDANELLA, Peter. The Films of Federico Fellini. New York: Cambridge University Press, 2002. P. 23.
2. Idem, p. 19.
3. QUINTANA, Àngel. Federico Fellini. Paris: Cahiers du Cinema, 2007. P. 20.