“Antonioni é pintor
no sentido de que para ele
o preto, o branco, o cinza, as
diversas cores do espectro, não
são apenas fatores ornamentais, atmosféricos ou emocionais do
filme, mas verdadeiras idéias,
que absorvem os personagens
e os acontecimentos” (1)
que absorvem os personagens
e os acontecimentos” (1)
Em A Noite (1961) (ao lado) os personagens jogam a si mesmos num tabuleiro de xadrez gigante formado pelo quadriculado no chão da sala. O branco conota a falta, o desafeto, o vazio que habita os personagens de Antonioni. Na Trilogia da Incomunicabilidade a pesquisa das formas utiliza como pretexto um lugar amoroso ou afetuoso que escapa, seja por não ser encontrado (A Aventura [1960], O Eclipse [1962]), seja por esgotar-se (A Noite). Uma escapada que parece contaminar a narrativa com um inacabamento essencial.
O desafeto dos protagonistas se parece com os locais que percorrem com seu desencanto. Espaços desertos, desorganizados, nada familiares, que testemunham uma mutação da paisagem urbana no início dos anos 60 do século 20. Os grupos que eles freqüentam são reflexos de seu universo mental decomposto.
Mas Antonioni não é nostálgico como Fellini ou Visconti, não está em busca de um lugar perdido no passado. Pelo contrário, ele possui um interesse positivo por esses desertos, esses espaços amorfos, desconectados, vazios; tecido indiferenciado da mutação urbana. (ao lado, A Noite)
“Os personagens de Antonioni são, no limite, atraídos pelo vazio, pelo frio, espaços abstratos que absorvem e engolem a figura humana, o rosto amado, as formas do semelhante. A aventura que eles vivem é um desaparecimento”. (2)
Enquanto cineasta, Antonioni é um pintor de enquadramentos insólitos e não-narrativos. Ao contrário de Eisenstein, Antonioni não persegue uma “imagem total aonde viriam se arrumar os elementos fragmentários” (3). Em A Aventura, quem desaparece não é apenas Anna. É seu próprio desaparecimento que desaparece. É o desaparecimento do desaparecimento. Muitos dos filmes de Antonioni giram em torno de uma investigação a respeito de algo que desaparece, inclusive a própria trama tende ao desaparecimento.
O desaparecimento de Anna é uma metáfora do próprio desaparecimento de cada um pela fragmentação: os personagens não encontram mais seus próprios pedaços. Antonioni nos mostra um mundo despedaçado, onde seus personagens renunciam à tarefa de recolher os pedaços. É como se o quebra-cabeça desfeito fosse preferível à sua reconstituição. Não se trata mais de encontrar o rosto da pessoa amada ao final, ou a verdade oculta. A fragmentação do mundo não permite que subsista a unicidade necessária de sentimentos para tal, ou a crença numa verdade.
“Os personagens de Antonioni são, no limite, atraídos pelo vazio, pelo frio, espaços abstratos que absorvem e engolem a figura humana, o rosto amado, as formas do semelhante. A aventura que eles vivem é um desaparecimento”. (2)
Enquanto cineasta, Antonioni é um pintor de enquadramentos insólitos e não-narrativos. Ao contrário de Eisenstein, Antonioni não persegue uma “imagem total aonde viriam se arrumar os elementos fragmentários” (3). Em A Aventura, quem desaparece não é apenas Anna. É seu próprio desaparecimento que desaparece. É o desaparecimento do desaparecimento. Muitos dos filmes de Antonioni giram em torno de uma investigação a respeito de algo que desaparece, inclusive a própria trama tende ao desaparecimento.
O desaparecimento de Anna é uma metáfora do próprio desaparecimento de cada um pela fragmentação: os personagens não encontram mais seus próprios pedaços. Antonioni nos mostra um mundo despedaçado, onde seus personagens renunciam à tarefa de recolher os pedaços. É como se o quebra-cabeça desfeito fosse preferível à sua reconstituição. Não se trata mais de encontrar o rosto da pessoa amada ao final, ou a verdade oculta. A fragmentação do mundo não permite que subsista a unicidade necessária de sentimentos para tal, ou a crença numa verdade.
Antonioni é um pintor moderno, ele se interessa por manchas, por formas nascidas do acaso – o mesmo acaso ao qual lançam a si mesmos os personagens em A Noite, na sala-tabuleiro de xadrez. O diretor italiano fotografou e ampliou algumas de suas pinturas que não apreciava muito. Surpreendeu-se com o resultado, agora elas não pareciam ter sido obra sua. Seguindo um processo similar ao abordado em seu filme Blow Up, Antonioni cria uma série que chama de Montanhas Encantadas. (ao lado e abaixo)
O processo consiste na ampliação das imagens. “A ampliação revela detalhadamente os elementos invisíveis da imagem original. (…) Além do que, este processo resulta uma experiência muito interessante para mim como diretor, já que jamais havia imaginado que faria parte do mundo da arte, porque não podia dizer a forma de arte que podia destinar a estes objetos” (4). A ampliação fotográfica destas imagens apontou o caminho do cinema para Antonioni.
Seus personagens têm fascinação pelo disforme, pela figura que se esconde, que se apaga ou escorrega para o indiferenciado. Mas as manchas também significam criação de uma figura singular, ainda que informe e sem nome. “Como não ver, nesse caráter ‘informe e sem nome’, a própria aventura, o destino desejado e realizado dos heróis antonianos?” (5)
Trata-se do eclipse dos personagens, dissolvidos no vazio dos locais da cidade e no anonimato, assim como na noite que tudo envolve. Mas o vazio antonioniano subsiste positivamente, prenhe de presenças. Quando os personagens dos filmes de Antonioni desaparecem, abrem caminho ao espaço puro. O campo vazio está repleto de presenças, rostos e movimentos. Este vazio “representa o ponto final do ser enfim liberado da negatividade dos projetos, das paixões, da existência humana” (6).
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Notas:
1. BONITZER, Pascal. Peinture et Cinema. Décadrages. Paris: Cahiers du Cinéma/Éditions de l’Étoile, 1995. P.97.
2. Idem, p.98.
3. Ibidem, p. 83.
4. CHATMAN, Seymor; Duncan, Paul (ed.). Michelangelo Antonioni. Filmografia Completa. Köln: Taschen, 2004. P.151.
5. BONITZER, Pascal. Op. Cit. , p. 101.
6. Idem.