“(...) O fascismo foi o primeiro movimento a projetar as mulheres na
cena nacional – embora dissessem textos escritos basicamente pelos
homens. O movimento em seus primórdios e a tomada do poder
também se haviam mostrado decididamente ‘machistas’. Mas
as mulheres italianas certamente viriam a oferecer ao regime
fascista estabelecido tanto apoio passivo quanto os homens” (1)
Histeria Feminina
Apesar de nove mulheres terem participado da reunião de fundação do Movimento Fascista de Benito Mussolini, em pouco tempo apenas um a dois por cento dos membros eram mulheres ainda em 1922 – e nenhuma delas estava em posições de liderança. Na verdade, neste particular, a coisa não era muito melhor nos outros partidos políticos. Na Itália, a mulher nem mesmo tinha direito de votar nas eleições. Elas eram ligadas a organizações auxiliares, que só perdiam em tamanho para as organizações católicas de mulheres. Muitas mulheres italianas que aderiam ao fascismo eram componentes agora descrentes com o movimento Feminista, mais centrado na questão do emprego (2). (imagem acima, Amarcord [1973], de Fellini. Nesta seqüência, a professora de matemática "trota" no desfile dos fascistas comemorando a fundação de Roma. Ela nos conta: "Esse entusiasmo é maravilhoso! Somos jovens de coração e imortais. O Fascismo revitalizou nossos antigos ideais, santificou nossa herança")



É como se a doutrina implantada por Mussolini estivesse tomando o lugar dos pais dentro da família Na verdade, isso será feito por seu amigo alemão, Adolf Hitler, em seu próprio país alguns anos mais tarde. As salas de aula italianas das décadas de 20 e 30 do século 20 nos filmes de Fellini sempre mostram, na parede atrás da cadeira do professor, três retratos: o rei da Itália, o Papa e Mussolini. (imagem acima, à direita; note que o Papa, na moldura central, aparece da cintura para cima, portanto mais longe; o rei, na moldura à esquerda da foto, aparece em close, porém meio afastado e, portanto, como que apequenado; já o close de Mussolini ocupa todo o quadro, fazendo-se visível mesmo do fundo da sala. Sendo assim, o culto da imagem mostra claramente neste caso a diferença de estatura entre as três pessoas. Na imagem abaixo, à direita, Sophia Loren é a esposa-empregada-burro de carga de um fascista grosseiro, mas de uniforme impecável, em Um Dia Muito Especial. Nesta cena, ele sai do banheiro e enxuga as mãos no vestido dela, que olha e se limita a resmungar)
Histeria Masculina
“Uma prostituta não é apenas uma prostituta;
ela é acima de tudo uma mulher”
Cristina, prostituta italiana (3)
ela é acima de tudo uma mulher”
Cristina, prostituta italiana (3)


Mulheres no Front, Mediterrâneo e Malena, são apenas três exemplos que ilustram a problemática da prostituição durante o regime de Mussolini na Itália. Desde 1860, a prostituição no país era regulada pela Lei Cavour, embora as origens dessas diretivas tenham suas origens em tempo medievais. A Igreja medieval tolerava a prostituição, considerando-a uma válvula de escape para o incontrolável impulso masculino, que poderia cria problemas se direcionado às virgens ou às esposas solitárias, ou ainda a homossexualidade e a masturbação. A Lei Cavour registrava as prostitutas e os bordeis. Elas deveriam ser examinadas duas vezes por semana e hospitalizadas em local predeterminado em caso de doença venérea. Houve um afrouxamento da legislação entre 1888 e 1891, mas tudo voltou como era antes e só veio a mudar em 1958 (4). Em 1923, Mussolini parecia reprimir a prostituição. Entretanto, como mostrou Mulheres no Front, na verdade nada mudou muito. Antes de 1959, a prostituição só era legalizada dentro dos bordéis.
Neste ano, a Lei Merlin, ainda aplicada hoje, revogou essa regulamentação do Estado sobre a prostituição, fechou os bordéis e criou empecilhos para a exploração das prostitutas pelos cafetões e cafetinas. No entanto, ainda que essa lei tivesse como objetivo dar mais direitos as prostitutas, causou um notável aumento da prostituição de rua, especialmente com imigrantes ilegais (5) - segundo dados de 1995, 80% das prostitutas de rua de Milão eram estrangeiras (6). (imagem acima, à esquerda, a prostituta de Mediterraneo. Ao lado, Malena, um destino selado pela moral machista e hipócrita dos homens da Sicília)
A mesma prostituição de rua praticada por Cabíria em Noites de Cabíria (Le Notti di Cabiria, 1957). No filme de Fellini, ambientado em 1957, portanto dois anos antes da Lei Merlin, Cabíria estava ilegal porque se prostituía fora do bordel. Atualmente na Itália ela estaria ao lado de muitas e muitas imigrantes ilegais, provavelmente agenciadas pelos mesmos cafetões e cafetinas italianos que agora estão fora da lei, depois de agirem sob a proteção do Estado de 1860 a 1958. (imagem ao lado, Cabíria, uma prostituta de Roma, na direita da foto, conversa alegremente com uma companheira de trabalho segundos antes de ser provocada pela mulher ao fundo e começar uma briga no meio da rua, enquanto os clientes passam de carro)
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Notas:
1. MANN, Michael. Fascistas. Tradução Clóvis Marques. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2008. P. 142.
2. Idem, p. 141.
3. GARBOLEVSKY, Eugenia. Voices from the Edge: Caught Between the Madonna and the Whore: The Representation of the Prostitute in Italian Cinema. Acessado em: 01/11/2008 (revisado em janeiro de 2019).
4. GIBSON, Mary. Prostitution and the State in Italy: 1860-1915. Columbus: Ohio University Press, 1999. In GARBOLEVSKY, Eugenia. Op. Cit., p. 10. (revisado em janeiro de 2019).
5. Prostitution in Italy. Wikipedia. Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Prostitution_in_Italy Acessado em: 01/11/2008.
6. Factbook on Global Sexual Exploitation: Italy. Disponível em: http://www.uri.edu/artsci/wms/hughes/italy.htm. Acessado em: 01/11/2008. (revisado em janeiro de 2019, não reencontrado)