Realismo Social e Crítica de Esquerda
Pasolini, que utilizou
não-atores em seus filmes,
faz uma crítica feroz da postura libertária de
esquerda na Italia
Não é que Pier Paolo Pasolini não seja de esquerda, a questão é que acredita que no fundo todos os esquerdistas italianos querem mesmo é ser burgueses. Em Accattone. Desajuste Social (Accattone, 1961) (imagem acima), Pasolini mostra um retrato realista da vida dos proletários na periferia de Roma. Entretanto, o diretor não faz um filme de realismo materialista, mostra o pobre como um “outro” - alguém que está fora ou excluído do capitalismo. E Pasolini se identifica com esse “outro” porque esta é a prova de que o homem livre criado pela ordem burguesa não passa de uma ficção elaborada pelo capitalismo e pelo liberalismo.
Pasolini pretendeu mostrar como eles são a medida universal do progresso desse sistema (5). Foi bem neste ponto que Pasolini encontrou todos os seus inimigos, da esquerda e da direita. Apesar dos elementos neo-realistas presentes em seus dois primeiros filmes, Pasolini adotou uma posição crítica em relação ao Movimento. E, na verdade, teria construído Accattone. Desajuste Social e Mamma Roma (1962) (imagem acima) filmes em oposição à estética neo-realista como Guido Aristarco a entendia. Por conta disso, não há problema em reconhecer um elemento poético no realismo de Pasolini, pois a preocupação materialista da estética da esquerda radical nada mais seria do que uma corroboração do discurso burguês.
Em Antes da Revolução (Prima della Rivoluzione, 1964) (6), talvez contextualizando de forma mais explícita na estória, Bernardo Bertolucci faz o mesmo questionamento contra os clichês do discurso da esquerda (primeira imagem do artigo). O filme mostra as dúvidas de um homem que renega a burguesia, mas ao mesmo tempo não acredita que a esquerda saiba o que está fazendo. Para esse revolucionário em crise, o proletariado sonha com a burguesia. Bertolucci nos deu mais um exemplo deste “realismo interno” que, por tabela, questiona aquilo que os italianos de esquerda acreditavam que era o mundo real. Não por acaso, em certo momento numa mesa de bar são citados Um Corpo que Cai (Vertigo, direção Alfed Hitchcock, 1958) e Viagem à Itália como dois filmes sem os quais não se pode viver. Com alguma ironia, Bertolucci cita em seu próprio filme outros dois que remetem a uma vertigem no interior do homem.
interno, cheio de
dúvidas humanas
dúvidas humanas
Dos sonhos do realismo de esquerda materialista libertário de Rossellini no pós-guerra, passamos à paulatina submissão da revolução da esquerda ao capital (imagem acima, Stromboli; abaixo, A Terra Treme, direção Luchino Visconti, 1948). É como se não houvesse mais esperança de que o exterior (entendido como o real mundo da vida) irá modificar o interior, pois o mundo da vida social já foi dominado e comprado pelo capital. Um mundo interior que parece ser o último refúgio de contradições vividas como drama e que poderiam impulsionar as pessoas para a ação e a mudança.
1. BONDANELLA, Peter. The Films of Federico Fellini. UK: Cambridge University Press, 2002. P. 45.
2. Idem, p. 63.
3. Ibidem, p. 48.
4. Ibidem, p. 53.
5. VIGHI, Fabio. Pasolini and Exclusion. Žižek, Agamben and the Modern Sub-proletariat In Theory, Culture and Society. London: Sage Publications, vol. 20(5), pp. 99-121. 2003.
6. Como aos 01h28min do dvd lançado no Brasil pela Versátil Home Vídeo.